DETRAÇÃO PENAL
A recente alteração introduzida pela Lei 12.736/2012, incluiu o parágrafo 2° ao artigo 387 do Código de Processo Penal, cuja redação é a seguinte:
“O tempo de prisão provisória, de prisão administrativa ou de internação, no Brasil ou no estrangeiro, será computado para fins de determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade”.
A partir dessa inovação legislativa, cumpre ao juiz, portanto, ao preferir a sentença penal condenatória, abater, da pena imposta ao réu, o tempo no qual ele permaneceu preso cautelarmente, em caráter provisório, para fins processuais.
Trata-se, pois, do instituto da detração penal, previsto no artigo 42 do Código Penal, verbis:
“Computam-se, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em qualquer dos estabelecimentos referidos no artigo anterior”.
A inovação legislativa é anunciada em um “pacote” elaborado pelo Ministério da Justiça, no âmbito do “Programa Nacional de Apoio ao Sistema Prisional”, a fim de agilizar a execução penal.
Nisto consiste sua novidade. Antes, a competência exclusiva para aplicação da detração penal era do Juízo da Execução, segundo o artigo 66, inciso III, aliena “c” da Lei 7.210/1984 (LEP). Ou seja: o réu era condenado e somente depois, em face de execução penal, caberia ao juiz descontar, de sua pena, o período no qual ficou preso antes de proferida a sentença penal condenatória.
A partir do novo dispositivo, cumpre ao próprio juiz da condenação, no momento em que dosar a pena, já abater esse período de prisão processual. É dizer: há uma antecipação de um juízo de valor cuja formulação, antes, era exclusiva da execução penal e que, agora, é elaborada pelo juízo de mérito. Com isso, argumentam os idealizadores da legislação novel ao justificarem o projeto de lei, a prestação jurisdicional se torna mais célere, evitando “sofrimento desnecessário e injusto à pessoa presa [...] além do judicialmente estabelecido”, minorando, ademais, “o gasto público nas unidades prisionais com o encarceramento desnecessário”.
A despeito da procedência dos argumentos que justificaram a inovação legislativa, há que se apontar, desde logo, certa perplexidade que sua aplicação prática fatalmente acarretará.
Pensemos no seguinte exemplo: “A” e “B”, agindo em concurso de agentes, cometem determinado delito. Ambos primários e por preencherem requisitos de ordem subjetiva são condenados à pena mínima de nove anos de reclusão, obrigados, bem por isso, a iniciar o cumprimento da reprimenda em regime fechado, na dicção do artigo 33, parágrafo 2°, alínea “a” do Código Penal. Ocorre que “A” permaneceu preso em flagrante durante um ano, enquanto que “B” respondeu ao processo em liberdade.
Ao aplicar a detração penal na sentença penal condenatória, nos termos da nova redação do artigo 387 do CPP, cumpriria ao juiz abater da pena de “A” o período no qual ficou preso processualmente, resultando em uma pena definitiva de oito anos de reclusão, enquanto que “B”, por ter respondido solto ao processo, receberia uma pena de nove anos de reclusão.
Com isso, “A” ingressaria diretamente no regime semi-aberto, já que sua pena não ultrapassou oito anos (artigo 33, parágrafo 2°, alínea “b” do Código Penal). Já “B”, porque não recebeu o abatimento de sua pena, obrigatoriamente descontaria sua pena em regime inicial fechado.
A situação perece de evidente injustiça.
Afinal, ambos os réus perpetraram o mesmo delito e reúnem condições subjetivas idênticas. Apesar disso, “A” já adentraria o regime semi-aberto, enquanto que “B” teria que cumprir pelo menos 1/6 de sua pena em regime fechado para, a partir daí, progredir para o regime menos rigoroso, nos termos do artigo 112 da Lei de Execução Penal.
Nem se argumente com a possibilidade do juiz aplicar uma pena superior ao réu “A” (de dez anos, por exemplo), e posteriormente, reduzi-la para nove anos em virtude da detração, decorrente do período no qual ele ficou preso, com isso igualando a situação de ambos os réus. Em nosso exemplo, insiste-se, ambos os réus eram primários e cometeram o delito em concurso, nada justificando o aumento da reprimenda de apenas um deles com o único objetivo de impedi-lo de ingressar diretamente no regime semi-aberto.
A solução que nos figura mais adequada consiste na imposição do regime de pena antes de se proceder ao desconto oriundo da detração penal. De sorte que, ainda com base em nosso exemplo inicial, o juiz aplicaria a pena de nove anos para ambos os réus, impondo a ambos, ainda, o mesmo regime inicial para cumprimento da pena, isto é, o regime fechado. Ao depois reduziria a pena de “A” para oito anos e manteria a reprimenda de “B” em nove anos.
Por mais que a ratio legis tenha pretendido agilizar o cumprimento da pena, propiciando ao juízo da condenação aplicar a detração penal, tal objetivo não pode propiciar tamanha enormidade, permitindo que um réu ingresse de plano no regime semi-aberto e outro aguarde o tempo para progressão, conquanto ambos reúnam exatamente as mesmas condições objetivas e subjetivas.
Demais disso, a determinação do regime inicial para cumprimento da reprimenda leva em conta, sob o aspecto objetivo, a quantidade de pena imposta. Ou seja: para crimes graves, com pena superior a oito anos, o regime é necessariamente o fechado. Já para outros menos graves, é cabível o regime semi-aberto ou aberto, dependendo do caso concreto. A mera redução de alguns dias na pena final não deve ter o condão de implicar tão decisivamente no regime a ser imposto. Esse é o aspecto que, sob nossa compreensão, deve prevalecer. Em outras palavras: para réus que se encontrem na mesma situação, o regime deve ser o mesmo, sendo irrelevante o tempo, maior ou menor, que um deles tenha permanecido preso antes da sentença condenatória. O tempo de prisão processual, com efeito, deve ser considerado mais adiante, quando da análise da possibilidade de progressão para o regime menos gravoso. E não no momento em que proferida a condenação, ensejando uma solução tão dispare para hipóteses idênticas.
Ronaldo Batista Pinto é promotor de Justiça em São Paulo, professor e mestrando em Direito pela Unesp — Universidade Estadual Paulista.
Revista Consultor Jurídico
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