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Um verdadeiro amigo desabafa-se livremente, aconselha com justiça, ajuda prontamente, aventura-se com ousadia, aceita tudo com paciência, defende com coragem e continua amigo para sempre. William Penn.

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Ação regressiva exige comprovação de nexo causal

ACIDENTE DE TRABALHO


As ações regressivas previdenciárias estão previstas desde 1991, conforme a disposição do artigo 120 da Lei 8.213: “Nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis.”
A previsão legal se refere à possibilidade da Previdência Social buscar o ressarcimento junto ao empregador que tiver provocado, ou contribuído diretamente para a ocorrência, acidente de trabalho que tenha vitimado trabalhador a ele vinculado.
Contudo, somente a partir de 2008 que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), através da Procuradoria Federal Especializada, começou a utilizar mais efetivamente esse direito de ação. Tanto que segundo dados da Advocacia da União, de 1997 a 2007 foram ajuizadas 223 ações regressivas no país. Já a partir de 2008, o número de ajuizamento se exponencia, com 1.021 ações ajuizadas entre 2008 a 2010. E apenas no dia 28 de abril de 2012, data em que se comemora o dia de combate ao acidente de trabalho, foram ajuizadas 226 novas ações.
O instituto da ação regressiva previdenciária é relevante, sendo importante mecanismo não só de responsabilização do empregador que descumpre as normas de medicina e segurança do trabalho, mas principalmente como mecanismo de indução ao cumprimento espontâneo dessas normas.
O Brasil, infelizmente, possui realidade acidentária bastante grave e desproporcional ao seu nível de desenvolvimento econômico e social. Algumas informações preocupantes: a) o Brasil é o 4º colocado mundial em número de acidentes fatais e o 15º em números de acidentes gerais (dados da OIT); b) os gastos do INSS decorrentes dos acidentes de trabalho passam de R$ 14 bilhões por ano; c) em 2011, os riscos decorrentes dos fatores ambientais do trabalho geraram 711.164 acidentes do trabalho, cerca de 81 acidentes a cada hora (dados do Ministério da Previdência Social).
A partir de 2008, o governo federal deu andamento a política de incremento da busca do ressarcimento previdenciário. As Procuradorias Federais Especializadas junto ao INSS se estruturam e priorizam o trabalho de ajuizamento das ações regressivas, tendo sido inclusive publicada a Portaria AGU 6/2011, regulamentando a possibilidade de acordos judiciais para encerramento deste tipo de litígio. No campo normativo, alterou-se o artigo 341 do Regulamento da Previdência Social, determinando que o Ministério do Trabalho e Emprego, com base em informações fornecidas trimestralmente, a partir de 1º de março de 2011, pelo Ministério da Previdência Social relativas aos dados de acidentes e doenças do trabalho constantes das comunicações de acidente de trabalho registradas no período, encaminhará à Previdência Social os respectivos relatórios de análise de acidentes do trabalho com indícios de negligência quanto às normas de segurança e saúde do trabalho que possam contribuir para a proposição de ações judiciais regressivas.
E a Procuradoria Federal vem ampliando o campo de ajuizamento das ações regressivas previdenciárias, destacando-se: em 2012, foi ajuizada no Rio Grande do Sul a primeira Ação Regressiva Coletiva, contra um frigorífico, com o requerimento do ressarcimento dos valores despendidos no pagamento de benefícios concedidos a 111 empregados e ex-funcionários da empresa. E também no ano passado foram ajuizadas as primeiras oito ações regressivas inspiradas na Lei Maria da Penha, como objetivo cobrar dos agressores os valores gastos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) com o pagamento de auxílio doença, aposentadoria por invalidez e pensão por morte. Além de novas ações vinculadas a acidentes de trânsito.
Contudo, o incremento do ajuizamento das ações regressivas previdenciárias trouxe também certa insegurança jurídica, inclusive para os empregadores que cumprem as normas de medicina e segurança do trabalho. Isso porque na análise de diversas ações regressivas que foram ajuizadas, se identificou a falta da sua compatibilidade com a natureza e os pressupostos que informam esse tipo de ação, com petições iniciais que não traziam a comprovação do nexo entre o descumprimento de determinada norma de medicina e segurança do trabalho e o evento acidentário cuja cobertura previdenciária se busca ressarcir, inclusive com a abusiva transferência do ônus da prova para o réu.
No caso da ação regressiva vinculada ao acidente de trabalho, o seu ajuizamento obrigatoriamente deve pressupor a comprovação do efetivo descumprimento de norma padrão formal de segurança e medicina do trabalho pelo empregador e também o nexo causal direto entre esse descumprimento e o evento previdenciário. Ou seja, a negligência no cumprimento de determinada norma, cogente e em vigor no momento da ocorrência do evento, pelo empregador, deve ter causado ou contribuído diretamente para a ocorrência do evento acidentário.
O simples fato de o acidente ter ocorrido na execução do trabalho pelo empregado, por si só, não possibilita a busca do ressarcimento dos gastos previdenciários junto ao empregador. Toda a atividade econômica, cada uma em determinado grau, traz na sua execução o risco da ocorrência de acidentes, mesmo com o cumprimento das normas de medicina e segurança do trabalho pelo empregador. E exatamente por isso, os empregados recolhem a Contribuição sobre os Riscos Ambientais do Trabalho (RAT), com a alíquota correspondente ao grau de risco da sua atividade, nos termos do artigo 22, II da Lei 8.212/1991.
Portanto, é ônus do autor (no caso o INSS), demonstrar através de provas compatíveis, juntadas à inicial e/ou produzidas no curso da ação, a existência dos três pressupostos: a ocorrência do acidente do trabalho, o descumprimento de norma de medicina e segurança do trabalho pelo empregador e, por fim, o nexo entre esse descumprimento e a ocorrência do evento acidentário. A simples juntada a inicial de condenação do empregador na Justiça do Trabalho, pelo reconhecimento da existência de acidente do trabalho, por exemplo, não pode ser considerada prova inequívoca do direito de regresso do INSS, principalmente no caso, bastante comum, da decisão não perquirir a existência de descumprimento de norma vigente de segurança do trabalho pelo empregador e o nexo entre estes dois fatos (o descumprimento e o acidente).
O mesmo raciocínio jurídico deve ser efetuado nas novas modalidades de ações regressivas previdenciárias, com a comprovação do nexo entre o ato doloso do réu e o evento que gerou o pagamento de benefícios previdenciários, do qual se requer o ressarcimento.
Nesse contexto, aqueles que militam com as ações regressivas previdenciárias se ressentiam da falta de um procedimento que vinculasse o ajuizamento das ações à prévia comprovação pela Procuradoria Federal da ocorrência dos pressupostos que validam o direito de regresso.
Mas felizmente, recentemente, a Procuradoria Federal instituiu procedimento administrativo específico para o ajuizamento das ações regressivas previdenciárias, além de formalizar as novas modalidades de ajuizamento dessas ação, vinculadas aos acidentes de trânsito decorrentes do descumprimento das normas de tráfego pelo seu causador, e também a eventos previdenciários decorrentes da prática dolosa de tipo penais.
Em 1º de fevereiro de 2013 foi publicada a Portaria Conjunta PGF/PFE-INSS 6/2013, que disciplina os critérios e os procedimentos relativos ao ajuizamento de ações regressivas previdenciárias pela Procuradoria-Geral Federal — PGF no exercício da representação do Instituto Nacional do Seguro Social — INSS.
A norma administrativa é bastante relevante, ao instituir procedimento administrativo que busca uma análise técnica mais rigorosa antes do ajuizamento de ações regressivas. Entre as suas disposições, destacamos:
— Ampliação das situações que podem gerar o ajuizamento da ação regressiva. Além da anteriormente prevista de evento vinculado à negligência no cumprimento de normas de segurança e saúde do trabalho, pelo empregador, poderão também gerar o ajuizamento o cometimento de crime de trânsito e o cometimento de crime penal doloso (podendo a modalidade culposa também ser motivação);
— O ajuizamento dependerá da análise do caso pela Procuradoria Geral Federal, a quem cabe o levantamento dos elementos probatórios que justificam o ajuizamento. A norma é expressa no sentido de que “a petição inicial deverá detalhar minuciosamente o ato ilícito, a culpabilidade, o nexo causal, e o dano, este caracterizado pelas despesas previdenciárias ocorridas e por ocorrer.” Além disso, devem “ser enfatizadas as conclusões técnicas acerca do ato ilícito, com detalhamento das normas de saúde e segurança do trabalho, normas do código de trânsito, dispositivos do Código Penal, dentre outras, evitando-se meras remissões a documentos anexos.” Dessa forma, não poderá ser ajuizada a ação regressiva sem tais fundamentos, transferindo-se indevidamente ao réu o ônus probatório;
— Instituição do Procedimento de Instrução Prévia (PIP) e a conclusão será pelo não ajuizamento, quando não houver: comprovação ou ausência de ato ilícito; comprovação ou ausência de dolo ou culpa; existência de nexo de causalidade entre a ação ou omissão ilícita e o evento que gerou a concessão de benefício previdenciário; ou não houver a concessão de benefício vinculado ao evento pelo INSS.
— Os procuradores federais oficiantes na execução fiscal trabalhista deverão encaminhar aos órgãos responsáveis pelas ações regressivas previdenciárias as decisões judiciais de que tomarem conhecimento, quando estas resultarem em condenação por descumprimento de normas de saúde e segurança do trabalho.
— Previsão de regras para a decisão de ajuizamento ou não da ação e de fixação de litisconsórcio.
— No caso de ajuizamento, petição inicial deverá detalhar minuciosamente o ato ilícito, a culpabilidade, o nexo causal, e o dano, este caracterizado pelas despesas previdenciárias ocorridas e por ocorrer. Deverão ser enfatizadas as conclusões técnicas acerca do ato ilícito, com detalhamento das normas de saúde e segurança do trabalho, normas do código de trânsito, dispositivos do Código Penal, dentre outras, evitando-se meras remissões a documentos anexos.
— O pedido de ressarcimento deverá ser integral, compreendendo: I — prestações vencidas, atualizadas mediante a utilização dos valores brutos das mensalidades, empregando-se a taxa do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia — Selic, pela variação a partir do mês do pagamento; II — prestações vincendas a serem pagas mensalmente ou de forma integral; III — verbas sucumbenciais.
A Portaria confirma a política do governo federal em priorizar o ajuizamento desse tipo de ação, inclusive ampliando a sua abrangência para os casos de crimes de trânsito e crimes dolosos. E a instituição de procedimento mais estruturado e técnico para a análise dos casos e definição pelo ajuizamento dessas ações, deverá contribuir para se evitar o ajuizamento de ações sem correto embasamento fático/jurídico e com indevida inversão de ônus da prova para o réu. No caso dos eventos relacionados ao trabalho, as empresas devem estar atentas ao correto cumprimento das normas de medicina e segurança do trabalho, além de bem assessoradas na análise da correção e possibilidade de defesa em face de ações regressivas que porventura tenham contra si ajuizadas.
Alessandro Mendes Cardoso é professor de Direito Tributário da Fundação Getúlio Vargas e sócio do escritório Rolim, Viotti & Leite Campos Advogados.

Revista Consultor Jurídico

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