Ninguém se atreveu a dar um nome à surpresa que representou, na
noite desta segunda-feira, ver de repente o país sair às ruas,
convocado exclusivamente pela internet e, às vezes, por simples
adolescentes.
A reportagem é de Juan Arias e publicada no jornal espanhol El País, 18-06-2013. A tradução é do Cepat.
O governo está perplexo. Ninguém esperava que esta multidão, formada
por pessoas de todas as idades e de todos os grupos sociais, saísse de
repente às ruas para dizer: “Queremos mudar o Brasil”.
Para alguns, foi um sonho de democracia, um despertar depois de anos
de silêncio, para expressar, da forma mais criativa possível, que não
estão satisfeitos com a qualidade de vida oferecida pelo Governo, nem
com a corrupção, nem com o esbanjamento do dinheiro público, começando
pelos milhares de milhões gastos com a Copa do Mundo.
Para outros, mais que um sonho, o que um Brasil atônito viveu poderia
acabar em pesadelo pelos gestos de violência de alguns grupos
extremistas, que tentaram destruir a sede do governo do Rio de Janeiro
ou invadir o Congresso.
O que estão dizendo, sobretudo os mais jovens, explicava na TV o historiador Francisco Carlos Teixeira, é que os políticos “já não os representam”. Por isso, atacaram símbolos do poder político no Rio e em Brasília.
A presidente Dilma Rousseff mandou dizer que existe no país o direito à livre manifestação e que é típico dos jovens protestar. O ex-presidente Lula da Silva, ainda uma forte referência no Brasil, saiu também para dizer que só “alguém irracional podia ser contra as manifestações”.
Histórico líder sindical, Lula pediu que as
manifestações sejam tratadas com “negociações”. O que aconteceu na noite
desta segunda-feira, entretanto, não facilita essas negociações porque
não existem líderes com poder no movimento, nem se trata de uma lista de
reivindicações sindicais. “Queremos um novo Brasil”, rechaçam os
cartazes. E as reclamações iam desde o preço do transporte público às
deficiências na educação e na saúde, passando pela corrupção política.
Ninguém sabe como é esse novo Brasil profetizado por centenas de
milhares de pessoas que, na noite desta segunda-feira, ocuparam as
cidades. Mas para vários analistas políticos, ficou claro que se trata
de uma “insatisfação e irritação difusa”, como disse a jornalista Eliane Cantanhêde, que acrescentou que o momento não era de respostas, “mas de dúvidas e interrogações”.
O líder da oposição, Aécio Neves afirmou que existe hoje “insatisfação nas ruas” e até o ministro Gilberto Carvalho, homem de confiança de Lula, admitiu que esses jovens que foram às ruas “nos trazem angústia”.
A população brasileira, que nos próximos dias continuará a sair para
se manifestar em 220 cidades, não luta contra uma ditadura; nem sequer
contra o Governo. Quer mais. A grande incógnita é como querem obter suas
reivindicações, quem cristalizará esses protestos sem líderes, que ao
mesmo tempo afirma que os políticos de turno “não os representam”.
Se existe “angústia difusa” nas ruas, essa angústia se transferiu, à
noite, como um aldabonazo até o Palácio Presidencial, onde trabalha a
presidente Dilma Rousseff, ex-guerrilheira e lutadora contra a ditadura quando tinha a idade dos que esta noite tentaram ocupar o Congresso.
Sua tarefa não é fácil, mas talvez sua biografia possa ajudá-la a
encontrar respostas para essa insatisfação de um país que até a
segunda-feira estava mudo e que de repente, sem que ninguém o esperasse,
recobrou sua voz.
Essa voz teve muitas notas: alguns choravam de emoção nas ruas e se
abraçavam. Outros se dedicaram ao vandalismo e a manchar aquela festa
que, embora difícil de definir, foi, sem dúvida, celebrada pela imensa
maioria no tabuleiro da democracia, de uma democracia mais de todos,
mais autêntica, mais participativa, onde cada um - e não alguns poucos
-, possa ter não apenas voto, mas também voz.
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