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“Dois acidentes de trânsito, três brigas de família, um carro com som alto que perturbava os vizinhos, um princípio de baile funk e um roubo a loja. Era noite de sábado (3) e o meu trabalho como primeiro-tenente fazendo a ronda na Zona Norte podia ser considerado tranquilo. Até que, perto das 21h30, ouvi pelo rádio da viatura a informação de que uma mulher havia sido baleada dentro da própria casa e que, possivelmente,era mais uma vítima dessa onda de violência contra policiais militares. Fiquei aflito, agoniado, e em poucos minutos cheguei ao local, na Vila Brasilândia. A área estava isolada, mas sem a vítima, levada com vida para o hospital. Logo veio a confirmação: era a PM Marta Umbelina da Silva, de 44 anos. Que desespero. Eu a conhecia. Havíamos trabalhado juntos anos antes. Segui para o centro médico, mas ela não resistiu. No caminho, ouvi alguém dizer, enquanto eu passava com a minha viatura: ‘Se é policial, tem de morrer mesmo’. Depois de ver o corpo no IML, tive de voltar para a rua e terminar o meu plantão, já com o dia claro. Fui para casa à paisana, após trocar de roupa, e tomando todos os cuidados para afastar o risco de ser o próximo alvo.”
+ Veja os gráficos das execuções e das operações da Polícia Militar nos últimos meses A fala do tenente Getúlio (nome fictício, como o de vários outros policiais que dão depoimento à reportagem) ilustra bem o início demais uma semana tensa para a corporação em meio a uma preocupante onda de violência. Até a tarde de quinta (8), 72 policiais haviam sido assassinados no estado neste ano (ou noventa, se contados os aposentados), quase todos na Grande São Paulo. O caso de Umbelina se tornou emblemático. Além de ser a única mulher nessa soma, ela foi alvejada de forma peculiarmente covarde, na frente da filha de 11 anos. A PM exercia funções administrativas, um sinal deque mesmo quem não enfrenta os bandidos na rua está na mira. Seu drama veio precedido de outros episódios chocantes ocorridos nos últimos meses. Em junho, o soldado Vaner Dias foi atingido com ao menos quatro tiros em uma academia onde dava aulas de jiu-jítsu. Em setembro, Joel Juvêncio da Silva morreu com sete tiros na frente da família, ao voltar de um culto evangélico, na região do Jardim Ângela. “É um momento de crise”, reconhece o secretário de Segurança Pública, Antonio Ferreira Pinto. “Mas vamos superá-lo, como fizemos outras vezes.” ![]()
Tenente Getúlio (alguns nomes que aparecem nessa reportagem são fictícios): "Deixei de ir a bares, micaretas e outros lugares onde me divertia. Atendi à ocorrência de uma colega alvejada e não quero ser o próximo“
(Foto: Fernando Moraes
) O estado de São Paulo teve anos ainda mais sangrentos para os agentes da lei. Em 2006, por exemplo, morreram 105 policiais. Desde então, o número nunca mais superou a casa de 100 assassinatos e chegou a 56 casos no ano passado. Um dos indícios deque a reversão da tendência de queda da estatística está ligada à ação dos bandidos é um bilhete encontrado no mês passado na favela de Paraisópolis. Segundo a mensagem, atribuída a um delinquente, a ordem é matar dois policiais a cada um dos seus que seja alvejado. “Bandidos que devem dinheiro ao PCC têm de executar alguém para pagar a dívida e aí escolhem algum alvo mais fácil”, explica o promotor Marcelo Alexandre de Oliveira,que apura casos em Guarulhos. Além de preocupar as autoridades,a situação mudou bastante a rotina dos PMs responsáveis pelo patrulhamento das ruas. Vários soldados ouvidos por VEJASÃO PAULO nos últimos dias contaram que estão trabalhando sob forte tensão e que tomaram cuidados adicionais para proteger sua vida e a das pessoas mais próximas. Apesar disso, fazem questão de dizer que jamais se sentirão intimidados pelos ataques e ameaças dos criminosos. ![]()
Filipi Cassavara e Ysabelle de Souza, alunos da Academia do Barro Branco: mais de oitenta candidatos por vaga
(Foto: Fernando Moraes
) Na última terça (6), o governador Geraldo Alckmin se reuniu com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e anunciou uma série de medidas para resolver a atual crise. Uma das principais é a criação de uma agência para integrar as investigações da PM paulista e da Polícia Federal, entre outros órgãos. Antes disso, a Secretaria de Segurança do estado já havia iniciado a Operação Saturação, como foram chamados os cercos às regiões mais perigosas e suspeitas de abrigar integrantes do crime organizado. “Há indícios de que o PCC teve envolvimento nos episódios recentes, mas é um erro imaginar que todos os casos de execução tenham participação de seus membros. Estamos investigando também outros grupos”, diz Ferreira Pinto. A Operação Saturação começou no mês passado em Paraisópolis e se estendeu depois a outros bairros da Zona Sul, como Capão Redondo e Campo Limpo. Na semana passada, incluiu favelas como Santa Inês (Zona Leste) e São Rafael (Guarulhos). Nelas, a polícia busca atualmente ao menos dezessete criminosos que, segundo as investigações, estão envolvidos nas mortes. Eles podem se somar a 130 suspeitos presos desde o início do ano, todos com evidências de envolvimento nos ataques contra policiais. Um deles é Francisco Antonio Cesário da Silva, o Piauí, um dos chefões do PCC. Em agosto, dentro das dependências da penitenciária de Avaré, a 260 quilômetros da capital, ele teria ordenado a morte de seis policiais. Isso fez com que seu nome fosse o primeiro a ser anunciado na lista de transferidos para presídios federais localizados em outros estados. No caso dele, para uma unidade em Porto Velho, em Rondônia, criando barreiras geográficas para separá-lo de seus comparsas de facção criminosa. ![]()
Soldado Otávio: "Somos honestos e estamos do lado certo da batalha. Não tenho dúvida de que ser polícia é a minha vocação de vida"
(Foto: Mario Rodrigues
) “A tensão familiar é sufocante. Minha mulher me liga mais de seis vezes durante o expediente para saber se estou vivo. Meus pais e os parentes mais próximos ficam nesse mesmo estado de paranoia. Isso é vida? Proibi minha companheira e meus filhos de assistir a jornais como o do Datena. Ver que um policial foi abatido perto do meu batalhão, aqui na Zona Sul, só piora.Muitas vezes, chegava em casa e me perguntavam se eu já sabia que fulano tinha morrido. Então, de duas semanas para cá, não falamos mais do assunto dentro da minha residência e também não quero que vejam o noticiário sensacionalista. Quem nasce para ser polícia sabe o risco que corre, mas morrer sem estar em combate não está nos planos de ninguém.” (soldado Ricardo) ![]()
Cabo Dalvo: "Saio de casa sem farda e com cuidado redobrado, mas sem esmorecer. Precisamos combater o PCC. Se eu morrer, que seja atirando"
(Foto: Fernando Moraes
) “A população sabe que não trabalhamos com as melhores condições. Desde o início de outubro, por exemplo, só saio de casa com o colete à prova de balas emprestado por um amigo por causa dos ataques. O batalhão em que eu trabalho,na região do Capão Redondo, não tem equipamento suficiente para todos os policiais. O último estava com a validade vencida e foi tirado de circulação, mas não foi reposto. Por isso está havendo um rodízio entre os policiais que trabalham na rua. Mas quem atua na parte administrativa, como é meu caso, não tem direito. Durmo com a arma embaixo do travesseiro. Não prego os olhos direito porque fico achando que qualquer barulhinho lá na rua pode ser o assassino.” (soldado Otávio) ![]()
Írio Trindade de Jesus, que prepara o curso de reciclagem para oficiais aposentados na Associação dos Subtenentes e Sargentos: “Atirar não é como andar de bicicleta”
(Foto: Fernando Moraes
) “Recentemente, um comandante pediu a mim e a meus companheiros que não andássemos mais fardados por aí, sem necessidade. Ficamos indignados. Somos honestos e estamos do lado certo da batalha. Não tenho dúvida de que ser polícia é a minha vocação de vida.” (soldado Antonio) |






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