Lugar de bandido é na cadeia, diz o povo. Concordo, não tem cabimento deixar solto alguém que mata, assalta ou estupra, mas faço um reparo ao dito popular: lugar de bandido é na cadeia desde que haja lugar.
No sábado passado, o jornalista André Caramante publicou na Folha de São Paulo um relato sobre a superpopulação nos presídios: "Diariamente cem pessoas deixam as prisões paulistas, enquanto outras 137 são encarceradas". Não é preciso ser gênio em matemática para avaliar as dimensões da bola de neve: se a cada dia a massa carcerária sofre um acréscimo de 37 presos, em um mês serão 1.110 a mais.
Os técnicos recomendam que as cadeias não tenham mais de 800 detentos, para evitar indisciplina, fugas, dificuldade de vigilância, perda de controle e aparecimento de facções dominadoras. Com 1.110 presos a mais a cada mês que passa, deveríamos construir três presídios novos de dois em dois meses, ou seja, 18 por ano.
Sem levar em conta as dificuldades logísticas e a má vontade dos municípios que movem montanhas para impedir a instalação de prisões nas proximidades, analisemos apenas os custos de construção: se uma cadeia nova não sai por menos de R$ 30 milhões, para levantar as 18 gastaríamos R$ 540 milhões por ano. Quantas escolas faríamos com esse dinheiro?
Para não aborrecê-lo com mais números, caríssimo leitor que resistiu até agora, vou deixar de lado as despesas com a folha de pagamento dos funcionários e todos os custos de manutenção.
Graças às medidas tomadas pela Secretaria da Segurança nos últimos anos, a polícia de São Paulo ganhou mais competência. A continuar assim, à medida que esse processo de modernização e moralização se aprofundar, mais gente será presa. Vejam o paradoxo: a sociedade quer polícia atuante e todos os bandidos atrás das grades, mas não terá recursos para aprisioná-los em condições minimamente civilizadas. Como sair do impasse?
Ainda que mal compare: quando um produto abarrota o mercado, o que fazem os produtores? Diminuem a produção.
Violência urbana é doença multifatorial e contagiosa, que nas camadas mais pobres adquire características epidêmicas. Em sua gênese estão implicados fatores tão diversos como escolaridade, consumo de drogas ilícitas, desemprego, impunidade, condições de moradia, falta de espaço para lazer e muitos outros aspectos.
Os estudos mostram que correm mais risco de se tornar violentos aqueles que viveram pelo menos uma das seguintes situações: 1) falta de afeto e abusos físicos ou psicológicos na primeira infância; 2) falta de orientação familiar e de imposição de limites durante a adolescência; 3) convivência com pares envolvidos em atos de violência.
Na periferia das cidades brasileiras, milhões de crianças vivem nessas três situações de risco. São tantas que é de estranhar o pequeno número que envereda pelo crime.
Nossa única saída é oferecer-lhes alternativas de qualificação profissional e trabalho decente, antes que sejam cooptadas pelos marginais por um salário ridículo e sem direitos trabalhistas. Espalhadas pelo país há iniciativas bem-sucedidas nessa área, mas o número é tímido diante das proporções da tragédia social. Há necessidade de um grande esforço nacional que envolva as diversas esferas governamentais e mobilize a sociedade inteira.
Como parte dessa mobilização, é fundamental levar o planejamento familiar para os estratos sociais mais desfavorecidos. Negar-lhes o acesso ao controle da fertilidade é a violência maior que a sociedade comete contra a mulher pobre.
Toda vez que faço essa afirmação recebo e-mails de religiosos e de acadêmicos revoltados com ela. O argumento dos religiosos é o de sempre, o dos acadêmicos é a ausência de pesquisas que demonstrem a relação entre número de filhos e violência urbana.
Pergunto a você, leitor, e precisa? Há necessidade de evidências científicas para uma conclusão tão óbvia? Na penitenciária feminina em que atendo, é mais fácil achar uma agulha no palheiro do que uma menina de 25 anos que não tenha três ou quatro filhos, quase sempre indesejados. Algumas têm sete ou oito, espalhados em casas de parentes e vizinhos, morando na rua ou sob a tutela do Estado.
Por Drauzio Varella, Médico e Escritor - Jornal "A Folha de S. Paulo".
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