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quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Recolhimento compulsório x Toque de “Acolher”. Qual o foco destas ações?

 


Por Cecília Olliveira

O artigo 1º do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei nº 8.069/90) consagra o princípio da proteção integral. É com base neste texto, dentre outros, que o Juiz José Brandão Netto, implanta o “Toque de Acolher” em cidades da Bahia.

Brandão Netto justifica que esta foi a alternativa que encontrou para mudar o contexto da criminalidade pelas cidades onde passou. “A delinquência juvenil vinha numa crescente na Região de Santo Estevão-BA, que é cortada pela BR 116, conhecida como rodovia Rio-Bahia, tendo o crack tomando conta do interior, chegando a pedra da droga a ser vendida por R$0,50. A comunidade, incomodada com a situação, passou a cobrar medidas que pudessem mudar esta triste realidade. Pedofilia e prostituição infantil eram recorrentes da Rodovia referida, em regra, praticada alguns caminhoneiros”. Polêmico, o juiz é o mesmo que condenou um adolescente de 17 anos a freqüentar missas aos domingos após bater em um muro de uma igreja, dirigindo inabilitado.

De acordo com o juiz, atualmente cerca de 70 cidades, em 19 estados, adotam a medida de recolhimento de crianças e adolescentes nas ruas quando fora do horário estabelecido pela Comarca. Na área de atuação do magistrado, as crianças e adolescentes desacompanhadas de seus responsáveis legais ou acompanhantes, são proibidas de permanecer nas ruas ou em locais públicos, espaços comunitários, bailes, festas, promoções dançantes, shows e boates, inclusive em Lan Houses e congêneres, nos seguintes horários: até de 12 anos não podem permanecer depois das 20h30; entre 13 e 15 anos devem retornar para casa até às 22h e para adolescentes entre 16 e 17 anos, 23h.

“A proteção de crianças e adolescentes me parece falaciosa, na verdade. A meu ver, a preocupação principal, o foco da atenção dessa medida são as ruas, a gestão do espaço público e não a proteção de crianças e adolescentes. O que se está querendo preservar em primeiro lugar é um uso regulado do espaço público”, explica o psicólogo e membro do Núcleo de Direitos Humanos do Observatório de Favelas, Rodrigo Nascimento, que alerta: “Os números de delitos obviamente vão cair. Você proíbe a presença de adolescentes nas ruas, nos bares, boates e em determinados espaços que aliás, se não me engano, já são proibidos, e isso obviamente vai reduzir a ocorrência de crimes ou demais irregularidades que envolvam adolescentes nesses horários específicos. O que não quer dizer que esses mesmos crimes não ocorram em outros horários nesses mesmos locais ou mesmo sendo praticados em locais privados, o que torna mais difícil o flagrante, a prisão e a informação sobre a sua ocorrência”.

Para a Juíza especialista em Direito da Criança e do Adolescente pela Escola Superior do Ministério Público e atuante no Rio Grande do Sul, Lilian Paula Franzmann a “conseqüência mais grave é o fato de que em tempos onde se clama bravamente para que a família assuma suas responsabilidades em relação aos filhos (já que a escola, a sociedade e o Estado reclamam o tempo todo que a família transfere as responsabilidades sobre os seus filhos), resgatando sua autoridade e poder de impor limites aos filhos, as tais portarias emitidas por um juiz facilitam ainda mais a retirada das famílias no que tange a responsabilidade pelos seus filhos. As famílias lavam as mãos porque existe um terceiro que decide por ela e cada vez mais os pais perdem o controle sobre os seus filhos. Se as famílias hoje enfrentam dificuldades em impor limites e regras aos filhos, então o que precisa existir é apoio e orientação a tais famílias para (re) ensiná-las a cuidar dos seus filhos. Na época do Código de Menores, não se olvide, o Estado adotava a política de que famílias pobres e desestruturadas não tinham condições de cuidar os seus filhos e então a FUNABEM era o lugar adequado para os filhos da pobreza crescerem. O Estado nada fazia para melhorar essas famílias, apenas retirava os seus filhos e os colocava em internatos (locais onde se misturavam infratores, abandonados, pobres, doentes mentais…).Temo em pensar que o próximo passo depois das tais portarias seja ressuscitar a FUNABEM para os “menores desordeiros e perdidos”. A Juíza foi responsável por implantar em municípios do Estado, a Justiça Restaurativa, que tem por base a comunicação não violenta, não estereotipada e que anda de mãos dadas com as escolas da região, buscando solucionar conflitos através de ações mais próximas do cidadão e mais atenta às suas necessidades.

Recolhimento compulsório x Toque de “Acolher”

Para o desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, “acolher é proteger. Recolher é crime”. As aspas dão nome ao artigo publicado pelo jurista em seu blog pessoal. Citando o artigo 1º da Lei 8069/90 – o mesmo usado como justificativa para o ‘acolhimento’ de Brandão Netto – Darlan diz que neste sentido, já teve oportunidade de mencionar que a solução para problemas que envolvam crianças e adolescentes não perpassa por atitude repressiva. “Ao revés, deve ser realizada mediante a consecução de políticas públicas, cuja realização impõe a apreciação principiológica em todos os níveis e esferas de atuação pública”.

Para Darlan, “não pode o Poder Executivo, imbuído de ponto de vista repressivo, pretender realizar faxina social, mediante o recolhimento das crianças, de modo a que sejam crianças expurgados da sociedade. A solução não passa pela exclusão dos indivíduos, a consideração distorcida e dissociada da previsão constitucional”.

A visão do juiz é endossada por Nascimento. “Creio que ela não trará resultado direto na vida desses adolescentes. Não vejo como o mero impedimento de sua presença nas ruas, sem abordar os fatores que o levam a práticas ilícitas, possa trazer alguma mudança. Na verdade, penso que é uma forma de esconder o problema, da evidência das ruas para os espaços privados, limpando as ruas, diminuindo estatísticas, gerando uma avaliação positiva da gestão municipal, mas mantendo o problema em algum canto, longe dos olhos dos eleitores”, alerta.

Já na ótica de Brandão Netto, “o objetivo da medida é reduzir a violência juvenil, diminuir o consumo de bebida alcoólica, drogas e prostituição infantil, tendo como foco mais o adolescente”. O juiz usa, dentre outras leis (ECA, Lei nº 8.069/90; art. 5° e 227° da CF/88, etc) algumas Portarias. “Em 02 anos, cerca de 750 adolescentes já foram conduzidos para o Juizado da Infância nas cidades de Santo Estevão e Ipeacetá-Ba por serem encontrados, fora dos horários estabelecidos pela Portaria, durante as rondas feitas pelos Comissários de Menores, sempre acompanhados da PM e da Guarda Municipal”, explica.

Para a Juíza da Infância e Juventude de Santa Maria (RS), Lilian Franzmann, “tais portarias limitando a permanência de crianças e adolescentes nas ruas e em locais públicos ou em bailes, boates e afins são ilegais. Remetem não à doutrina da proteção integral (que é fiel aos princípios constitucionais da legalidade, ampla defesa, contraditório, etc. e que garante tratamento às crianças e adolescentes como sujeitos de direitos e não como “objetos de proteção do Estado” ou incapazes que necessitam que adultos decidam o que é melhor para o seu “bem”), mas à doutrina da situação irregular (doutrina abarcada pelo famigerado e extinto Código de Menores). São ilegais porque não coadunam com a doutrina da proteção integral, são ilegais porque ferem sim o direito de ir e vir, são ilegais porque retira a autoridade dos pais delegando-a ao “Juiz de Menores” (como era no Código de Menores onde o juiz fazia o papel de “pai de família” e decidia se o filho dos outros podia ou não sair, podia ou não namorar, podia ou não ficar na rua até que horas, podia ou não isso ou aquilo)”.

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