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terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

TJ-SP gastou R$ 18 milhões em tecnologia obsoleta, mas é o povo que paga a conta

Prejuízo ao erário



O Tribunal de Justiça de São Paulo arquivou processo administrativo que investigava um prejuízo de R$ 18 milhões à corte pela compra, sem licitação, de equipamento que se tornou obsoleto antes de entrar em funcionamento. O desperdício aconteceu em 2005, quando o tribunal contratou serviços para o desenvolvimento de um sistema de assinaturas eletrônicas por biometria e adquiriu 15 mil autenticadoras. Um ano depois, a Lei do Processo Judicial Eletrônico (Lei 11.419), ao alterar o Código de Processo Civil, disciplinou as regras para a informatização do processo judicial e assinaturas digitais, em relação às quais o sistema contratado pelo tribunal ficou defasado.
A aquisição ocorreu na gestão do desembargador Luiz Elias Tâmbara na presidência da corte. Tâmbara se aposentou em 2010, mas exerce o cargo de coordenador na Escola Paulista da Magistratura. De acordo com a assessoria de imprensa do tribunal, a dispensa de licitação e o posterior aditamento do contrato com a empresa Sycad Systems Informática Ltda foram considerados regulares pelo Tribunal de Contas do Estado.
Mas ao determinar, em novembro do ano passado, o arquivamento do processo administrativo que tratava do ocorrido, o vice-presidente do TJ, desembargador José Santana — hoje aposentado — reconheceu o prejuízo e afirmou que os responsáveis deveriam responder pelo resultado. "Acolho o parecer do juiz assessor, por seus fundamentos, com arquivamento dos autos. Ressalvo ter havido efetivo prejuízo ao erário público, de quase R$ 18.000.000,00, sem o resultado pretendido, logo, há responsabilidade na seara da improbidade administrativa, porém, esse assunto não é pertinente a esta vice-presidência", disse em despacho publicado no dia 16 de novembro no Diário de Justiça. O processo foi encaminhado à Presidência. No entanto, segundo nota da assessoria de imprensa do tribunal, a corte não tomará providêcias, uma vez que a lei foi sancionada depois da contratação do serviço.
Santana optou pelo arquivamento ao analisar as justificativas de juízes assessores de Tâmbara na Presidência. De acordo com o setor de comunicação do TJ, a Lei 11.419/2006 inovou ao instituir, como identificação dos usuários, assinaturas digitais baseadas em certificado emitido por Autoridade Certificadora credenciada, mais confiáveis, segundo o tribunal, que os chamados "penflows" da Sycad. Conforme descrição no site da empresa, pelos penflows "a identificação da assinatura dinâmica é feita através da verificação dos parâmetros extraídos da própria assinatura, no momento de firmar, tais como: velocidade, aceleração, tempo, ritmo, ângulo, entre outros. Estes parâmetros criam um perfil biométrico único para cada indivíduo, que são conferidos, verificados e autenticados em cada ato de assinar, garantindo a autoria do documento e sua integridade".
A ConJur tentou, sem sucesso, durante uma semana, entrar em contato com os desembargadores aposentados Luiz Tâmbara e José Santana via assessoria de imprensa do tribunal. Segundo o setor de marketing da Sycad, o presidente da empresa está em viagem fora do Brasil e não pode responder aos questionamentos. A reportagem procurou obter o contrato no setor competente do tribunal, mas ele não foi encontrado pelos servidores. Segundo eles, não há, nos arquivos, qualquer contrato com a Sycad. Segundo a assessoria de imprensa, já foi ordenado o leilão dos penflows adquiridos.
No site www.penflow.com é possível acessar um informativo datado da época em que o contrato entre o tribunal e a Sycad foi firmado. Nele, o então gerente de produtos da Sycad, José Olavo de Assis, afirma que a utilização dos equipamentos representava "uma pequena revolução dentro do mundo judicial brasileiro". E que "desembargadores e juízes do Tribunal de Justiça de São Paulo estão ansiosos pela estreia de uma tecnologia que deixará mais ágil a tramitação de processos no Poder Judiciário do maior estado do país".
O texto deixa claro que se sabia da possibilidade da aprovação da Lei 11.419, que traria padronização e diretrizes ao processo eletrônico. O Projeto de Lei 5.828, que deu origem à Lei 11.419, tramitava desde 2001 na Câmara dos Deputados. O site mostra que as partes estavam otimistas com relação à lei, que poderia expandir a tecnologia que estava sendo adotada pelo TJ-SP para tribunais de outros estados, e não esperavam que a regra pudesse inutilizar os equipamentos. "No Congresso Nacional há um projeto em andamento do deputado do PT paulista, José Eduardo Cardozo, que regulamenta na Justiça brasileira o processo virtual. Caso seja aprovado, o projeto disseminará por todos os TJs essa nova forma de fazer justiça."
Ainda segundo o informativo, o projeto ainda pretendia ter uma segunda etapa, em que a tecnologia seria disponibilizada para "advogados que poderão enviar suas petições ao TJ sem a necessidade de sair dos seus escritórios". Nessa parte do projeto, o banco Nossa Caixa Nosso Banco, então sob o controle do governo paulista, poderia financiar "a juros razoáveis" a compra de equipamentos e softwares.
O documento explica que, para validar os despachos, o magistrado precisaria assiná-lo com uma caneta especial que funciona em tablets PCs (laptops nos quais é possível escrever na tela) ou até em computadores de mão comuns, como o Palm. "A única exigência do sistema é que o equipamento esteja conectado à internet de maneira segura ou funcionando dentro da própria rede de computadores do TJ. Cada juiz ou desembargador terá o seu próprio tablet. Ao assinar, o desembargador ou juiz terá sua assinatura reconhecida no banco de dados do tribunal." O sistema foi adotado também no Tribunal de Justiça do Distrito Federal.
Processo 800.11.005710-7
Leia a nota da assessoria de imprensa do TJ.
Em 1º de abril de 2005, o Tribunal de Justiça, representado por seu então presidente, desembargador Luiz Elias Tâmbara, firmou o contrato nº 000.160/05 com a empresa Sycad Systems Informática Ltda., no valor total de R$18.038.752,00 (dezoito milhões, trinta e oito mil e setecentos e cinquenta e dois reais), cujo objeto era "o fornecimento de software de computadores para a autenticação biométrica de assinaturas penflow da wondernet e os serviços de implementação, treinamento, atendimento e suporte".
A decisão do presidente amparou-se em manifestações e pareceres de setores diversos do Tribunal, incluindo seu então juiz assessor, favoráveis à contratação.
Foram comprados quinze mil periféricos, com o respectivo software, diante da necessidade de obtenção de um  sistema que permitisse aos usuários utilizarem sua assinatura manuscrita para assinar documentos eletrônicos, para garantir que seu conteúdo não pudesse ser alterado e tornar o processo de geração e emissão de documentos digitais do TJ/SP uma atividade revestida da mais alta segurança e confiabilidade.
O valor foi pago com recursos do Fundo Especial de Despesa.
A inexigilidade de licitação, o contrato e seu aditamento foram considerados REGULARES pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, órgão fiscalizador do Tribunal de Justiça.
Todavia, por força de inovação tecnológica decorrente da Lei n. 11.419, de 19 de dezembro de 2006, ou seja, mais de um ano após a contratação, as técnicas, antes atuais e modernas, tornaram-se obsoletas.
Essa lei, em seu art. 1º, § 2º, III, instituiu duas modalidades de assinatura eletrônica, para identificação inequívoca do signatário: a) assinatura digital baseada em certificado digital emitido por Autoridade Certificadora credenciada, na forma de lei específica; b) cadastro de usuário no Poder Judiciário, conforme disciplinado pelos órgãos respectivos.
Assim, essa inovação legislativa, que possibilitou a utilização em processos judiciais de sistemática mais avançada de assinatura eletrônica digital baseada em certificado, tornou obsoleta a contratação dos penflows para autenticação biométrica de assinatura.
A certificação digital junto a Entidade Certificadora é muito mais confiável que os penflows, razão pela qual o uso destes foi descartado.
Por se tratar de fato superveniente à licitação e à contratação - as quais, como exposto, foram aprovadas pelo Tribunal de Contas do Estado, não se configurou responsabilidade disciplinar alguma de servidor ou magistrado, razão pela qual os expedientes de apuração instaurados pela Presidência e pela Vice-Presidência do Tribunal de Justiça (este último, abaixo citado) foram justificada e motivadamente arquivados.
Não há, portanto, qualquer outra medida disciplinar a ser adotada pelo Tribunal de Justiça em relação a esses  fatos.

Finalmente, já foi ordenado o leilão dos penflows adquiridos.
Alessandro Cristo é editor da revista Consultor Jurídico
Rogério Barbosa é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico

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