Lei da Ficha Limpa
A interpretação do Tribunal Superior Eleitoral em relação à Lei da Ficha Limpa foi “evidentemente lesiva à integridade da Lei Fundamental da República”, disse o decano do Supremo Tribunal Federal, ministro Celso de Mello, no julgamento que definiu que a nova lei não poderia entrar em vigor nas eleições de 2010. Os princípios constitucionais da anterioridade eleitoral (CF, art. 16) e o da presunção de inocência (CF, art. 5º, LVII) são fundamentais para se entender por que, em março, a maioria dos ministros do STF aceitou recurso contra a aplicação da Lei Complementar 135/2010. O acórdão ainda não foi publicado.
De acordo com a decisão do TSE, pela aplicação imediata da lei, só tem poder de interferir no processo eleitoral uma regra que desequilibra ou deforma a disputa. Como a Lei da Ficha Limpa é linear, ou seja, se aplica para todos indistintamente, não se pode afirmar que ela interfere no processo eleitoral.
Celso de Mello escreveu em seu voto que inovações na área eleitoral que viabilizem a inclusão ou exclusão de candidatos na disputa por mandatos eletivos fazem incidir sobre a norma o artigo 16 da Constituição, dispositivo que prevê: “A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência.”
Esta garantia constitucional serve para equilibrar o processo eleitoral, garantindo igualdade de participação aos candidatos. Inovações abruptas, explica o decano, violam “a garantia básica de igual competitividade que deve, sempre, prevalecer nas disputas eleitorais”.
Para Celso de Mello, qualquer que seja o marco temporal a ser considerado — o início das convenções partidárias para escolha de candidatos (10/6/2010) ou, até mesmo, o dia da realização das eleições (3/10/2010) —, são estágios estruturais do processo eleitoral e situam-se há menos de um ano do dia em que entrou em vigor a Lei da Ficha Limpa (7/6/2010).
Valor da iniciativaNo início da sua manifestação, Celso de Mello salienta que a desejável convergência entre ética e política nem sempre tem ocorrido ao longo do processo histórico brasileiro, “cujos atores, ao protagonizarem episódios lamentáveis e moralmente reprováveis, parecem haver feito uma preocupante opção preferencial por práticas de poder e de governo que se distanciam, gravemente, do necessário respeito aos valores de probidade, de decência, de impessoalidade, de compostura e de integridade pessoal e funcional.”
O ministro considera inquestionável a importância da vida pregressa dos candidatos e o direito do cidadão em exigir que Estado seja dirigido por administradores íntegros. E sublinha a importância da Justiça Eleitoral na identificação de pessoas “desprovidas de idoneidade e destituídas de probidade”, isto é, que configurem situações de inelegibilidade.
Inocência
Após a sua manifestação a favor dos objetivos da lei, Celso de Mello passa a chamar atenção para a o princípio constitucional da presunção de inocência e da sua extensão ao processo eleitoral. O trânsito em julgado das sentenças condenatórias, escreveu em seu voto, é “outro fundamento juridicamente relevante a ser considerado no julgamento da presente causa”.
Após a sua manifestação a favor dos objetivos da lei, Celso de Mello passa a chamar atenção para a o princípio constitucional da presunção de inocência e da sua extensão ao processo eleitoral. O trânsito em julgado das sentenças condenatórias, escreveu em seu voto, é “outro fundamento juridicamente relevante a ser considerado no julgamento da presente causa”.
O ministro refere-se a este princípio como a representação de “uma notável conquista histórica dos cidadãos, em sua permanente luta contra a opressão do poder”.
Celso de Mello reitera que há um momento claramente definido no texto constitucional, a partir do qual se descaracteriza a presunção de inocência: o instante em que sobrevém o trânsito em julgado da condenação. Antes desse momento o Estado não pode tratar os indiciados ou réus como se culpados fossem. A presunção de inocência impõe, desse modo, ao Poder Público, um dever de tratamento que não pode ser desrespeitado por seus agentes e autoridades, finaliza.
O dia do julgamento
O Supremo Tribunal Federal em meados de março deste ano, por seis votos a cinco, definiu que a Lei Complementar 135/10, conhecida como Lei da Ficha Limpa, não poderia ter sido aplicada em 2010 como decidiu o Tribunal Superior Eleitoral no ano passado.
O Supremo Tribunal Federal em meados de março deste ano, por seis votos a cinco, definiu que a Lei Complementar 135/10, conhecida como Lei da Ficha Limpa, não poderia ter sido aplicada em 2010 como decidiu o Tribunal Superior Eleitoral no ano passado.
O voto que definiu a questão foi o do ministro Luiz Fux, 20 dias depois de sua posse no Supremo. “Não resta a menor dúvida que a criação de novas inelegibilidades em ano da eleição inaugura regra nova no processo eleitoral”, afirmou o ministro.
Fux começou o voto afirmando que a Lei da Ficha Limpa “é um dos mais belos espetáculos democráticos” que já assistiu. “Dos políticos espera-se moralidade no pensar e no atuar. Isso gerou um grito popular pela Lei da Ficha Limpa”. Como os advogados bem sabem, quando suas sustentações orais são muito elogiadas pelo juiz, geralmente é porque ele votará contra seu processo. Foi exatamente o que aconteceu.
Antes do ministro Luiz Fux, Gilmar Mendes, relator do recurso em discussão, também votou contra a aplicação imediata da Lei da Ficha Limpa. O ministro disse que a missão do STF é aplicar a Constituição Federal, ainda que seja contra a opinião da maioria.
Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso, como Luiz Fux, reforçaram que a lei deveria respeitar o princípio da anterioridade eleitoral. Outros cinco ministros — Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Ayres Britto e Ellen Gracie — entendem que sua aplicação é imediata porque novas hipóteses de inelegibilidade não alteram o processo eleitoral. Logo, não teriam de cumprir o prazo de carência de um ano previsto na Constituição Federal.
Para os ministros que ficaram vencidos, só tem poder de interferir no processo eleitoral uma regra que desequilibra ou deforma a disputa. Como a Lei da Ficha Limpa é linear, ou seja, se aplica para todos indistintamente, não se pode afirmar que ela interfere no processo eleitoral. Logo, sua aplicação é imediata. O argumento foi reforçado pelo ministro Ricardo Lewandowski, que é presidente do TSE.
Os que sustentaram — e venceram o julgamento — que a lei tinha que obedecer ao prazo fixado no artigo 16 da Constituição Federal, o fizeram com o argumento de que não há interferência maior no processo eleitoral do que estabelecer novas regras que criem restrições para que um cidadão se candidate.
Clique aqui para ler o voto do ministro Celso de Mello.
Camila Ribeiro de Mendonça é repórter da revista Consultor Jurídico
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