1. Área pública
Área pública
Sabe-se que os bens públicos podem ser de uso comum, de uso especial e os
chamados dominicais. Ao nosso tema, interessa comentar os bens de uso
comum, aqueles de utilização concorrente de toda a população, como são as
ruas e as praças. Esses bens de uso comum são administrados e cuidados
pelo Poder Público de forma a permitir sua livre utilização de todos. Assim, a
característica que identifica e qualifica a área pública de uso comum é
exatamente esta condição de utilização indiscriminada.
Neste sentido, ensina Maria Sylvia Zanella di Pietro: "Uso comum é o que se
exerce, em igualdade de condições, por todos os membros da coletividade".
Diz, ainda, a ilustre Professora:
"O uso comum tem, em regra, as seguintes características:
1. é aberto a todos ou a uma coletividade de pessoas, para ser exercida
anonimamente, em igualdade de condições, sem consentimento expresso e
individualizado por parte da Administração;
2. é, em geral, gratuito, mas pode, excepcionalmente, ser remunerado; no
direito brasileiro, o artigo 103 do Código Civil expressamente permite que o uso
de bens públicos seja gratuito ou remunerado, conforme for estabelecido
legalmente pela entidade a cuja administração pertencerem;
3. está sujeito ao poder de polícia do Estado, que compreende a
regulamentação do uso, a fiscalização e a aplicação de medidas coercitivas,
tudo com o duplo objetivo de conservação da coisa pública (coibindo e punindo
qualquer espécie de ação danosa por parte dos administrados) e de proteção
do usuário (garantindo-lhe a fruição do bem público de acordo com a sua
destinação)".
Observa-se que, apesar de sua destinação principal ser o uso indiscriminado
oferecidos a todos, admite-se destinações secundárias ou acessórias. Ensina
Celso Antônio Bandeira de Mello: "tais bens possuem ou podem possuir outras
serventias de uso que resultam meramente de sua configuração física. (...)
prestam-se, como destinação acessória ou secundária, para manifestações
artísticas ou culturais.
Ou, ainda, para instalações de feiras-livres, de bancas
de jornais, de mesinhas de bares e restaurantes, de quiosques para venda de
cigarros. E tudo isto em proveito não só de quem os explore comercialmente,
mas dos próprios transeuntes".
Imperioso, porém, que tais utilizações secundárias sejam reconhecidas e
afirmadas como utilizações transitórias, de efeito temporário, em caráter
episódico e por tempo breve, pois a sua efetividade daria ensejo a transfigurar
o conceito de seu uso comum, o que seria inadmissível. Há, também, que
considerar que a utilização privativa configure um proveito para todos, como diz
acima o eminente publicista.
Evidente, pois, que a utilização privativa de área pública de uso comum
somente pode ser liberada pela Administração em caráter de excepcionalidade
e desde que não prejudique a sua fruição por toda a coletividade. Admite-se,
sim, a interdição de uma rua ou de uma praça por motivo de um desfile,
comício ou festejo, mas sempre temporário e eventual, retornando, logo após o
seu desfecho, ao uso comum a que se destina.
Não podíamos deixar de citar o nosso saudoso mestre Hely Lopes Meirelles:
"O que convém fixar é que os bens públicos de uso comum do povo, não
obstante estejam à disposição da coletividade, permanecem sob a
administração e vigilância do Poder Público, que tem o dever de mantê-los em
normais condições de utilização pelo público em geral. Todo dano ao usuário,
imputável a falta de conservação ou a obras e serviços públicos que envolvam
esses bens, é da responsabilidade do Estado, desde que a vítima não tenha
agido com culpa".
Poderíamos, então, fixar as seguintes normas sobre o modelo de
administração da área pública de uso comum:
I - Regra matriz: área pública de uso comum destina-se à utilização de todos,
sem distinção;
II - Compete à Administração Pública proteger o usuário, oferecendo-lhe
segurança na fruição do bem público;
III - A Administração Pública é responsável pela conservação da área pública,
assumindo as obrigações materiais e morais decorrentes de qualquer dano
provocado ao usuário por culpa da negligência ou da omissão da pessoa
política competente;
IV - Qualquer utilização privativa da área pública de uso comum tem que ser
aprovada pela Administração Pública e em condições de excepcionalidade;
V - Em vista da excepcionalidade da outorga do uso privativo, sugere-se que
esta seja sempre por autorização a título precário, em se tratando de ruas e
praças.
2. Autorização, Permissão e Concessão.
Autorização de uso
"Autorização de uso é o ato administrativo unilateral e discricionário, pelo qual a
Administração consente, a título precário, que o particular se utilize de bem
público com exclusividade" (Di Pietro). Trata-se de um ato administrativo de
natureza precária, podendo ser revogado a qualquer tempo, sem gerar direito a
indenização para o particular beneficiado, com vistas ao uso de atividades
transitórias e irrelevantes ao Poder Público.
"Tais autorizações não geram
privilégios contra a Administração ainda que remuneradas e fruídas por muito
tempo, e, por isso mesmo, dispensam lei autorizativa e licitação para o seu
deferimento" (Hely Lopes Meirelles).
Em geral, a autorização é deferida por solicitação do interessado, mediante
requerimento devidamente protocolado e formalizado em processo
administrativo.
No entanto, quando se percebe uma pluralidade de
interessados em obter determinada autorização de uso, a Administração
Pública deve (ou deveria) ofertar o benefício ao público mediante processo de
licitação, através de edital e, neste caso, a Administração Pública seria
remunerada na forma de maior preço oferecido entre os participantes do
certame, além do cumprimento das exigências requeridas no edital.
É assim que ensina Marçal Justen Filho: "É evidente, no entanto, que a
existência de uma pluralidade de interessados em usufruir benefícios idênticos, acarretando a impossibilidade de atendimento a todos, gerará a necessidade
de uma solução compatível com o princípio da isonomia. Eventualmente,
então, haverá a necessidade da licitação".
Vamos, então, supor que a Administração Pública Municipal tenha a oferecer
espaços nas ruas e praças para instalação de bancas de jornal.
Por ser,
provavelmente, de interesse de diversas pessoas a exploração de tais
espaços, oferecerá, no caso, a autorização mediante processo licitatório.
Todavia, tal fato não será fator impeditivo de a Administração Pública optar em
autorizar o uso desses espaços, por exemplo, unicamente a pessoas
portadoras de deficiência física, limitando ou até mesmo restringindo a
necessidade da licitação. Mas, de uma ou de outra maneira, a decisão
discricionária pertence à Administração Pública.
Apesar de algumas manifestações em contrário, entendemos que mesmo
havendo contraprestação, não sendo a autorização gratuita, permanece o
direito de revogação por parte do Poder Público, sem necessidade de
indenização, desde que, por evidência, o interessado saiba da existência de tal
condição antes mesmo de assumir o compromisso. Isso, porque a capacidade
de revogar a autorização faz parte da natureza intrínseca do ato, impedindo
que o Poder Público perca o direito de organizar e controlar o uso da área
pública, sempre com o objetivo de proporcionar ao público uma melhor fruição
da área.
Ainda sobre o tema, vale ressaltar a questão de fixação de prazo de uso
privativo da área pública.
Di Pietro lembra que a Lei Orgânica do Município de
São Paulo, apesar de imprimir natureza transitória à autorização, permite a
fixação de prazo, até o máximo de 90 dias. E diz a ilustre Professora: "A
fixação de prazo tira à autorização o caráter de precariedade, conferindo ao
uso privativo certo grau de estabilidade; vincula a Administração à obediência
do prazo e cria, para o particular, direito público subjetivo ao exercício da
utilização até o termo final previamente fixado (...)".
Pode, então, a autorização ser outorgada com prazo estipulado, mas, caso a
Administração Pública pretenda revogar o ato durante o prazo liberado,
ensejaria ao particular direito de indenização. O melhor seria não estipular
prazo nas autorizações, mas, em certas situações, o autorizado precisa ter a
segurança de um tempo que propicie, pelo menos, um retorno ao capital
investido, como, por exemplo, no caso de instalação de uma banca de jornal,
ou instalação de um quiosque para venda de produtos.
Permissão de uso
Permissão de uso de bem público é ato unilateral e discricionário, pelo qual a
Administração Pública atribui a um particular a faculdade de usar um bem
público de modo privativo e continuadamente.
Discute-se qual seria a diferença entre autorização e permissão de uso de bem
público. Di Pietro assinala três diferenças:
1. autorização: uso privativo no interesse privado do beneficiário; permissão:
utilização privativa para fins de interesse coletivo;
2. autorização: precariedade mais acentuada em vista do interesse individual;
permissão: precariedade menos acentuada em razões do interesse público;
3. autorização: o usuário tem uma faculdade de uso; permissão: o usuário tem
uma obrigação de uso.
Entendemos, porém, que a diferença básica reside na natureza transitória ou
não da utilização pretendida pelo particular.
Afinal, o particular, autorizado ou
permissionário, tem sempre um interesse próprio, geralmente com intensidade
idêntica, não vislumbrando razões de interesse público, apesar de este existir
implicitamente. A questão se concentra no aspecto da continuidade do uso do
bem público, sendo a precariedade da permissão negociada de antemão e
fixado um prazo de uso, dentro do qual os direitos do permissionário ficam
garantidos.
A permissão é sempre fruto de um ato negocial, gratuito ou remunerado e por
tempo certo ou indeterminado, estabelecendo a Administração suas condições
e exigências. Exatamente por força desta fixação de prazo, cujo cumprimento
deve ser obedecido por ambas as partes, se a atividade durante o transcurso
do tempo acertado ocorrer em condições normais, a natureza de precariedade
da permissão se reduz, invalidando o poder de revogá-la antes do vencimento
e dando ao permissionário o direito de indenização.
A permissão exige licitação quando for objeto de contrato com terceiros. Toda
permissão que estabelece prazo de cumprimento formaliza-se através de
contrato e, assim, a licitação é obrigatória. Em nossa opinião, uma permissão
sem fixar prazo ou apenas mencioná-lo como indeterminado, já se afastaria do
conceito de permissão.
Concessão de uso
Concessão de uso é o contrato administrativo por meio do qual o particular é
investido na faculdade de usar um bem público, com exclusividade e conforme
a sua destinação, durante um período determinado.
Diz Hely Lopes Meirelles que a concessão se caracteriza pelo "caráter
contratual e estável da outorga do uso do bem público ao particular, para que o
utilize com exclusividade e nas condições convencionadas com a
Administração". A concessão é aplicada, geralmente, nos casos em que a
utilização do bem público objetiva o exercício de atividades de utilidade pública
de maior vulto e, por isso mesmo, mais onerosas para o concessionário.
Os prazos são mais prolongados em vista das obrigações assumidas e dos
investimentos necessários ao exercício da atividade.
Diz Maria Sylvia di Pietro que quando a concessão implica utilização de bem de
uso comum do povo, a outorga só é possível para fins de interesse público. Isto
porque, em decorrência da concessão, a parcela de bem público concedida fica
com sua destinação desviada para finalidade diversa.
Deste modo, a concessão de bem público de uso comum somente se viabiliza
quando o uso privativo constitua a própria finalidade do bem. Assim, por
exemplo, seria viável a concessão de exploração de uma rodovia ou de uma
ponte urbana, pois o objeto da concessão é o mesmo da destinação do bem,
ou seja, o trânsito de veículos. Por isso, a outorga de concessão nos casos de
ruas ou praças, é praticamente inviável, já que o uso desses bens não se limita
a uma determinada particularidade.
Em conclusão deste assunto, percebe-se que a outorga de uso das áreas
públicas, aqui limitadas às ruas e praças públicas, permite tanto a autorização
quanto a permissão, ficando afastada, no geral, a concessão.
Fonte: Consultor Municipal
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