Acorda, Policial e Bombeiro Militar!


O verdadeiro desafio não é inserir uma idéia nova na mente militar, mas sim expelir a idéia antiga" (Lidell Hart)
Um verdadeiro amigo desabafa-se livremente, aconselha com justiça, ajuda prontamente, aventura-se com ousadia, aceita tudo com paciência, defende com coragem e continua amigo para sempre. William Penn.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

A democracia ante o abismo. Artigo de Boaventura Sousa Santos

"Se o desmantelamento do Estado do Bem-Estar Social e certas privatizações (a da água) ocorrerem, estaremos a entrar numa sociedade politicamente democrática, mas socialmente fascista, na medida em que as classes sociais mais vulneráveis verão as suas expectativas de vida dependerem da benevolência e, portanto, do direito de veto de grupos sociais minoritários, mas poderosos", escreve Boaventura de Sousa Santos, sociólogo, em artigo publicado no jornal Folha de São Paulo, 30-01-2013.


Eis o artigo
Se o Estado do Bem-Estar Social se desmantelar, Portugal ficará politicamente democrático, mas socialmente fascista.

No contexto de crise em
Portugal, o combate contra o fascismo social de que se fala neste texto exige um novo entendimento entre as forças democráticas. A situação não é a mesma que justificou as frentes antifascistas na Europa dos anos 1930, que permitiram alianças no seio de um vasto espectro político, incluindo comunistas e democratas cristãos, mas tem com esta algumas semelhanças perturbadoras.

Esperar sem esperança é a pior maldição que pode cair sobre um povo. A esperança não se inventa, constrói-se com alternativas à situação presente, a partir de diagnósticos que habilitem os agentes sociais e políticos a ser convincentes no seu inconformismo e realistas nas alternativas que propõem.

Se o desmantelamento do Estado do Bem-Estar Social e certas privatizações (a da água) ocorrerem, estaremos a entrar numa sociedade politicamente democrática, mas socialmente fascista, na medida em que as classes sociais mais vulneráveis verão as suas expectativas de vida dependerem da benevolência e, portanto, do direito de veto de grupos sociais minoritários, mas poderosos.

O fascismo que emerge não é político, é social e coexiste com uma democracia de baixíssima intensidade. A direita que está no poder não é homogênea, mas nela domina a facção para quem a democracia, longe de ser um valor inestimável, é um custo econômico e o fascismo social é um estado normal.

A construção de alternativas assenta em duas distinções: entre a direita da democracia-como-custo e a direita da democracia-como-valor; e entre esta última e as esquerdas (no espectro político atual, não há uma esquerda para quem a democracia seja um custo). As alternativas democráticas hão de surgir desta última distinção.

Os democratas portugueses, de esquerda e de direita, terão de ter presente tanto o que os une como o que os divide. O que os une é a ideia de que a democracia não se sustenta sem as condições que a tornem credível ante a maioria da população. Tal credibilidade assenta na representatividade efetiva de quem representa, no desempenho de quem governa, no mínimo de ética política e de equidade para que o cidadão não o seja apenas quando vota, mas, também, quando trabalha, quando adoece, quando vai à escola, quando se diverte e cultiva, quando envelhece.

Esse menor denominador comum é hoje mais importante do que nunca, mas, ao contrário do que pode parecer, as divergências que a partir dele existem são igualmente mais importantes do que nunca. São elas que vão dominar a vida política nas próximas décadas.

Primeiro, para a esquerda, a democracia representativa de raiz liberal é hoje incapaz de garantir, por si, as condições da sua sustentabilidade. O poder econômico e financeiro está de tal modo concentrado e globalizado, que o seu músculo consegue sequestrar com facilidade os representantes e os governantes (por que há dinheiro para resgatar bancos e não há dinheiro para resgatar famílias?). Daí a necessidade de complementar a democracia representativa com a democracia participativa (orçamentos participativos, conselhos de cidadãos).

Segundo, crescimento só é desenvolvimento quando for ecologicamente sustentável e quando contribuir para democratizar as relações sociais em todos os domínios da vida coletiva (na empresa, na rua, na escola, no campo, na família, no acesso ao direito). Democracia é todo o processo de transformação de relações de poder desigual em relações da autoridade partilhada. O socialismo é a democracia sem fim.

Terceiro, só o Estado do Bem-Estar Social forte torna possível a sociedade do bem-estar forte (pais reformados com pensões cortadas deixam de poder ajudar os filhos desempregados, tal como filhos desempregados deixam de poder ajudar os pais idosos ou doentes). A filantropia e a caridade são politicamente reacionárias quando, em vez de complementar os direitos sociais, se substituem a eles.

Quarto, a diversidade cultural, sexual, racial e religiosa deve ser celebrada e não apenas tolerada.

Tribunal de Justiça Militar inaugura sede em BH cravado de críticas


O presidente do STFl, Joaquim Barbosa, pregou, em sessão do Conselho Nacional de Justiça, em novembro, a extinção dos Tribunais de Justiça militar no país





Sob bombardeio intensificado pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, que pregou, em sessão do Conselho Nacional de Justiça em novembro, a extinção dos Tribunais de Justiça militar no país, presidentes de cortes especializadas nessa área de Minas Gerais, de São Paulo e do Rio Grande do Sul consideraram ontem, em Belo Horizonte, a instituição necessária para dar agilidade ao julgamento dos crimes cometidos por policiais militares. “Se fosse criado um órgão de segundo grau da Justiça Militar no Rio de Janeiro, o cidadão carioca não estaria na situação em que está hoje em relação à segurança pública”, afirmou João Vanderlan Vieira, presidente do Tribunal de Justiça Militar do Rio Grande do Sul. 


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Opinião semelhante manifestou Orlando Eduardo Geraldi, presidente do Tribunal de Justiça Militar de São Paulo, para quem a relação da criminalidade com a própria polícia carioca se torna um problema “político” que inviabiliza a criação do órgão. “Os policiais militares que cometeram crimes no Rio demoram muito mais para serem expulsos da corporação do que ocorre nos três estados em que existem tribunais de Justiça Militar”, afirma Geraldi. Também Osmar Duarte Marcelino, presidente do Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais, fez a defesa da instituição. “A Justiça Militar é mais rigorosa, não obstante as pessoas que a desconhecem achem que ela é corporativista.”

Foi inaugurada, nessa terça-feira, sede do Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais, no prédio que abrigava a Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão de Minas Gerais (Seplag).  O prédio tombado da Rua Aimorés, 698, onde funcionou a Corte, será destinado ao Museu da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar, integrando o Circuito Cultural da Praça da Liberdade. Presente na inauguração, o governador Antonio Anastasia (PSDB) assinalou a previsão constitucional do Tribunal de Justiça Militar. “Não podemos discutir a vontade do povo, que está na Constituição”, disse, acrescentando que há “uma folha de bons serviços” prestados a Minas pelo órgão.

Ao criticar os tribunais de Justiça Militar, Joaquim Barbosa considerou “baixa” a produtividade dos órgãos, assinalando que essas cortes especializadas poderiam ser absorvidas pela Justiça comum. Segundo ele, os dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostram que o orçamento dos três tribunais militares estaduais superam R$ 96,4 milhões para 6.087 processos. Ainda assim, o CNJ está às voltas com juízes de tribunais militares processados por terem deixado, em 2010, prescrever processos.

Segundo Omar Marcelino, o tempo limite para o julgamento dos processos no Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais é de 120 dias. As estatísticas indicam que no ano passado foram distribuídos 2.622 processos e julgados 3.412, zerando o estoque. Quarenta por cento dos militares processados foram condenados. A Polícia Militar de Minas Gerais e o Corpo de Bombeiros têm efetivo de cerca de 44 mil integrantes.

Especialistas discutem padrões para investigação de mortes violentas de mulheres




Especialistas da área de defesa dos direitos da mulher da América Latina e da Espanha, reunidos em Brasília, elaboram um protocolo para a investigação de mortes violentas de mulheres por razões de gênero. O objetivo é criar um modelo de investigação que possibilite diminuir a impunidade desse tipo de crime.

O protocolo indicará práticas utilizadas por assassinos capazes de demostrar que o crime foi cometido pelo fato de a vítima ser mulher. Entre os itens em discussão está a determinação de padrões de diligência para a investigação, sanções e ações legais contra agentes públicos que não exerçam a devida diligência e garantias de proteção para as pessoas que participem do processo de investigação judicial.

O protocolo deve prever cooperação internacional para prevenção e repressão da violência extrema contra a mulher e a criação de bases de dados e estatísticas com informações sobre os diferentes tipos de violência contra a mulher.

De acordo com Emilio Ginés, presidente da Federação de Associações de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos da Espanha, a expectativa é apresentar o protocolo finalizado, em março, ao Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas.

Yara Aquino

Fonte: ABr

Presidente do CNJ cobra cumprimento da Ficha Limpa no Judiciário




- Gláucio Dettmar/Agência CNJ
O presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, cobrou, nesta terça-feira (29/1), de tribunais de todo o País o cumprimento da Resolução CNJ n. 156, conhecida como Ficha Limpa no Judiciário. Em ofício enviado às Cortes, o presidente ampliou o prazo para que os tribunais cumpram as exigências da norma aprovada pelo Plenário do CNJ em agosto do ano passado.
Até a última segunda-feira (28/1), três tribunais comunicaram ao CNJ já terem atendido todos os artigos da Resolução n. 156, antes mesmo do prazo final fixado originalmente para cumprimento integral da norma, que termina em fevereiro de 2013. São eles: os Tribunais Regionais do Trabalho da 11ª Região (AM/RR) e da 21ª Região (RN) e o Tribunal Regional Eleitoral de Roraima (TRE/RR).

Além desses, outros 31 tribunais informaram já terem realizado o recadastramento e analisado a documentação dos servidores ocupantes de cargo de confiança ou comissão, dentro do prazo estabelecido pela resolução. Esse prazo expirou na primeira quinzena deste mês. “O CNJ determinou que todos os tribunais informassem o andamento da implementação das medidas de Ficha limpa. O fato é que existe um número expressivo de tribunais dos quais ainda não temos essas informações”, afirmou o conselheiro Bruno Dantas, que foi o autor da proposta de resolução de Ficha Limpa para o Judiciário.

Extensão – No despacho, o ministro Joaquim Barbosa concedeu mais 30 dias para 10 tribunais informarem ao CNJ sobre o recadastramento de “servidores ocupantes de cargos em comissão ou função comissionada e análise dos documentos apresentados”. Essas Cortes solicitaram o adiamento do prazo para a prestação dessas informações ao CNJ por conta de dificuldades enfrentadas no procedimento. “Alguns tribunais apontaram dificuldades técnicas no recadastramento e, por isso, o CNJ decidiu conceder prazos adicionais”, explica Bruno Dantas. O novo prazo começa a contar a partir do momento em que o tribunal receber a intimação eletrônica.

O prazo inicialmente estipulado para as cortes informarem o CNJ que haviam recadastrado seus servidores comissionados era 13 de novembro. A data foi prorrogada em um mês (para 13 de dezembro), quando os tribunais foram novamente intimados a responder o CNJ sobre o cumprimento da Resolução da Ficha Limpa, dentro de 15 dias. O prazo limite para que as Cortes enviassem essa informação ao CNJ expirou na primeira quinzena deste mês.

Sem resposta – Mesmo assim, 19 tribunais não responderam ao despacho do presidente do Conselho. Essas cortes foram intimadas no despacho desta terça (29/1) a informar o CNJ sobre as providências que estão tomando para se adequarem à Ficha Limpa dentro de 15 dias. Uma dessas Cortes, o Superior Tribunal Militar (STM), informou ao CNJ, no final da tarde desta terça-feira (29/1), que já concluiu o recadastramento e analisou a documentação dos servidores ocupantes de cargo de confiança ou comissão.
Veja a íntegra do despacho.

Manuel Carlos Montenegro e Mariana Braga
 

Facebook responde por conteúdo postado por usuários


INTERNET NA JUSTIÇA


O Facebook também é responsável por conteúdo ofensivo postado por seus usuários. Pelo menos é o que decidiu, em liminar, o juiz Bruno Luiz Cassiolato, da 1ª Vara Cível de Sorocaba, em São Paulo. Ele determinou a retirada de fotos e comentários das páginas da rede social, por considerar o conteúdo lesivo à moral e à imagem de mulher que entrou com ação cível. A ordem vale tanto para o responsável pela postagem quanto para o Facebook.
De acordo com a decisão, caso as fotos e comentários não sejam retirados do ar, ambos estão sujeitos a multa de R$ 3 mil por dia, limitada a R$ 9 mil. Caso seja postado novo conteúdo ofensivo, a multa é de R$ 1 mil por evento.
"As alegações trazidas aos autos pela autora estão amplamente comprovadas por meio de documentos que acompanharam a petição inicial. Neles observo que o réu, por mais de 10 vezes, em datas diferentes, divulgou mensagens ofensivas contra a autora na rede social 'Facebook'. Estas mensagens, que em tese podem até configurar crimes contra a honra, sempre constituídas com palavras de baixo calão, foram divulgadas não só no perfil do réu, mas também em perfis mantidos por amigos e familiares da autora, incluindo sua filha menor de idade", afirmou o juiz.
O pronunciamento ainda é liminar e, portanto, o mérito ainda será analisado. De todo modo, cabe recurso. Com informações da assessoria de imprensa do TJ-SP.
Revista Consultor Jurídico

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Justiça inglesa diz que ficha criminal viola direitos

Passado que condena



A reincidência é um dos principais problemas da criminalidade no Reino Unido. Reinserir condenados à convivência em sociedade é um dos caminhos para lidar com o problema. Antes de seguir esse caminho, no entanto, existe uma barreira: a ficha de antecedentes criminais, que fecha muitas portas. Nesta terça-feira (29/1), a Corte de Apelação da Inglaterra considerou que as regras que determinam o que entra e o que sai dessa lista suja violam direitos fundamentais dos condenados. O tribunal apelou ao Parlamento para reescrever legislação sobre o assunto.
No Reino Unido, assim como no Brasil, a ficha criminal de todos é pública e pode ser solicitada por quem interessar. A exigência dessa ficha é pré-requisito para a contratação de profissionais para determinados cargos, especialmente aqueles que vão lidar diretamente com crianças ou com adultos incapazes. Qualquer item nessa lista é suficiente para acabar com a carreira de um professor ou psicólogo, por exemplo.
Foi o que aconteceu com duas pessoas que recorreram à Justiça para evitar que o histórico criminal as continuasse impedindo de arrumar um emprego. T. e JB., que tiveram seus nomes preservados pelos juízes, receberam uma advertência da Polícia por furto há mais de 10 anos. A advertência policial está prevista pela legislação britânica para crimes considerados inofensivos. Casos que no Brasil seriam desconsiderados pela Justiça com base no princípio da insignificância, na Inglaterra, nem chegam aos tribunais. A Polícia reconhece a insignificância do crime e adverte formalmente o infrator. Essa advertência é considerada um antecedente criminal.
T., hoje com 23 anos, foi advertido duas vezes pela Polícia quando tinha 11 anos por roubar bicicletas. JB. recebeu a advertência aos 40 anos por tentar furtar de uma loja um pacote de unhas postiças. Nos dois casos, passados 10 anos, as advertências continuam a fazer parte da ficha criminal dos dois. T. foi impedido de trabalhar numa escola de futebol e JB. teve de desistir de sua carreira no serviço social.
Ao analisar esses dois casos, os juízes da Corte de Apelação reconheceram que há uma flagrante violação de direitos fundamentais dos dois envolvidos. Eles consideraram que a falta de regras claras que determinem até quando uma condenação ou uma advertência deve integrar lista de antecedentes criminais é uma interferência indevida na vida privada de cada um, o que viola o previsto no artigo 8º da Convenção Europeia de Direitos Humanos. O dispositivo garante o respeito à vida privada e familiar e estabelece que as autoridades públicas só podem interferir nesse direito para garantir a segurança nacional, o bem-estar social e econômico do país e os direitos de terceiros.
A Corte de Apelação pediu ao Parlamento para editar regras sobre a divulgação de antecedentes criminais. A criação dessas regras já foi discutida por uma comissão especial no final de 2010, estabelecida para verificar se existia um equilíbrio justo entre as liberdades civis e a proteção da sociedade. Na ocasião, a comissão sugeriu mudanças na lei para permitir a criação de um filtro para a lista de antecedentes.
Uma das propostas discutidas foi permitir que crimes insignificantes deixassem de integrar a ficha criminal depois de um tempo curto. A comissão observou que a criação desse filtro seria necessária para impedir que a ficha criminal atrapalhasse a vida profissional de um trabalhador para sempre. Para o grupo, deveriam ser instituídos mecanismos que permitissem às autoridades avaliar os pedidos de possíveis empregadores para decidir o que é relevante informar e o que não é.
Também foi sugerido que os pequenos crimes cometidos por crianças recebessem um tratamento diferente quanto a ser ou não antecedente criminal. Na Inglaterra, a maioridade penal é de 10 anos. Da maneira como funciona hoje, o furto de uma bala cometido por uma criança pode impedir que ela seja um dia professor de menores, por exemplo. Na época, o governo respondeu que estudaria as propostas e defendeu que os empregadores são capazes de avaliar a lista completa de antecedentes criminais de candidatos e selecionar as informações importantes.
Nesta terça-feira (29/1), ao divulgar a sua decisão, a Corte de Apelação rejeitou o argumento do governo. Os juízes consideraram opiniões de especialistas no sentido de que os empregadores dificilmente avaliam o que está na lista de antecedentes criminais corretamente. A tarefa deveria ser das autoridades públicas, explicaram. A decisão do tribunal não é definitiva e ainda pode ser modificada pela Suprema Corte do Reino Unido.

Clique aqui para ler a decisão em inglês.
Aline Pinheiro é correspondente da revista Consultor Jurídico na Europa.
Revista Consultor Jurídico

Violência e Polícia em SP: poucas mudanças em 2013



Pressionado por grupos como o Mães de Maio, o recorde de violência em 2012, a perda da prefeitura de São Paulo para o PT e a queda de popularidade de sua administração, o governador Geraldo Alckmin atendeu no início do ano a uma antiga reivindicação dos movimentos pelos direitos humanos: o fim dos “autos de resistência”. Mas isso será o suficiente para brecar uma das polícias que mais mata no mundo?

O ano de 2012 terminou mal e 2013 já começou quente em São Paulo! Na primeira chacina do ano, dia 4 de janeiro, sete pessoas foram mortas no bairro do Campo Limpo, extremo sul da cidade. O local do assassinato em massa dista apenas 20 metros de outra cena de crime, essa filmada por um morador com um celular mostrando cinco policiais militares rendendo e atirando no servente de pedreiro Paulo Batista do Nascimento, em novembro passado. No mesmo dia e lugar, um amigo de Paulo, o ajudante Gefferson Oliveira Soares do Nascimento, também morreu, segundo a PM, ao “trocar tiros” com a polícia.

Por ato falho, ou não, os autores do novo crime, todos encapuzados, desceram de dois carros e uma moto gritando “POLÍCIA”, enquanto atiravam a esmo atingindo os frequentadores de um bar e quem mais estivesse na rua. Ato contínuo, um Corsa preto teria parado na rua e recolhido os cartuchos deflagrados. O delegado-geral da Polícia Civil, Maurício Blazeck, chegou a afirmar no dia do crime que o cinegrafista amador estaria entre as vítimas, mas logo depois voltou atrás e desmentiu a declaração. De qualquer modo, o recado está dado!

O crime tem tudo pra engrossar a triste estatística, publicada também na primeira semana do ano: das 24 chacinas de 2012, com 80 mortos, apenas uma foi esclarecida. O único caso solucionado, a morte de três jovens na cidade de Poá, na Grande São Paulo, em 26 de dezembro, levou à prisão de seis PMs, que negam a autoria.

Diferente dos crimes como o assassinato de Daniela Nogueira de Oliveira (a grávida de nove meses que teve morte cerebral oficializada em 10 de janeiro) e de Caroline Silva Lee (a adolescente morta ao reagir a um assalto em Higienópolis em outubro), resolvidos poucas horas após os fatos com farta ajuda de perícias, imagens de câmeras de segurança e testemunhas, no caso das chacinas, ninguém quer falar e as cenas dos crimes são comumente adulteradas para atrapalhar qualquer investigação séria.

O modus operandi, porém é sempre muito parecido, com encapuzados saindo de motos ou carros sem identificação e atirando aleatoriamente. Outra “coincidência” é o local das ocorrências. Um levantamento de novembro mostra que pelo menos 16 chacinas (com 28 mortes) entre junho e novembro de 2012 ocorreram a menos de cinco quilômetros de onde foram executados sete policiais.

Assassinos e assassinados
O ano passado, aliás, também teve recorde de assassinato de PMs em São Paulo, mais de cem, a maioria fora de serviço. Mas, de acordo o comandante-geral da corporação, coronel Benedito Meira, não existe uma “vingança” policial. Segundo ele declarou, também na primeira semana do ano, “não há suspeita de grupos de extermínio” (veja a entrevista completa em http://bit.ly/X2ymQc), contrariando frontalmente opiniões e estudos de vários especialistas mostrados na excelente matéria da repórter Tatiana Merlino, “Em cada batalhão da PM tem um grupo de extermínio”, publicada em setembro de 2012 na revista Caros Amigos (leia em: http://bit.ly/Q79NNs).

Outra opinião contrária, e insuspeita, é a do ex-chefe da Polícia Civil paulista, Marcos Carneiro de Lima, que admitiu publicamente que várias das vítimas de chacinas ou “resistência seguida de morte” tiveram suas fichas criminais levantadas em delegacias distantes de suas regiões antes de serem mortas, o que leva a suspeitas de execuções premeditadas.

Pior, para alguns analistas, mesmo alguns dos policiais mortos teriam sido executados por colegas de farda, aproveitando a onda de violência atribuída ao PCC (Primeiro Comando da Capital) ou, como é chamado nos telejornais, “a facção criminosa que age dentro e fora dos presídios”, como cortina de fumaça. É o que pode ter acontecido, por exemplo, com o sargento da PM Marcelo Fukuhara, assassinado na Baixada Santista no início de outubro.

Conhecido como “ninja” ou “japonês”, ele seria o chefe de um dos mais temidos grupos de extermínio da região. Logo após sua morte, um outro oficial não identificado pelo comando da PM foi preso suspeito de ser o executor, o que não impediu que oito pessoas fossem mortas em duas chacinas na mesma área nas duas horas seguintes à morte do sargento.

Fontes não oficiais de dentro da polícia também afirmam que a única oficial mulher assassinada em 2012, a soldado Marta Umbelina da Silva, teria sido vítima de seu ex-marido, um ex-policial. A informação, contudo, não pode ser confirmada, já que todas as investigações seguem sob sigilo. Sem acesso aos dados, somente depois da chacina do Campo Limpo a imprensa noticiou que os PMs acusados pela morte de Paulo Nascimento foram libertados por cinco dias em dezembro, devido a um “erro interno”, mas não ligou os dois fatos.

Mortes “oficiais”
O que se sabe é que a polícia brasileira é uma das que mais mata no mundo. Estudo do NEV (Núcleo de Estudos da Violência) da Universidade de São Paulo, publicado em dezembro, mostra que 1.316 pessoas haviam sido mortas em confronto com a polícia em 15 estados do Brasil em 2011. O Rio de Janeiro registrou o maior índice, com 524 mortes, seguido por São Paulo, com 460 mortos.

Nos primeiros nove meses de 2012, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública, oficialmente 372 pessoas foram mortas em supostos confrontos com a polícia de São Paulo. Em dez anos (entre 2001 e 2011) o número chega a 5205 no Estado. Isso representa cerca de 10 a 15% das mortes violentas no Estado e a contagem vai explodir quando os dados de 2012 forem consolidados.

Em novembro, por exemplo, houve 79 pessoas mortas por policiais, o maior número desde 2003 (quando começaram as estatísticas) e 75,5% maior do que o mesmo mês de 2011. No ano passado, apenas 13 PMs foram presos por “irregularidades que resultaram em morte”, segundo o coronel Meira. “É lógico que macula nossa imagem, mas é importante punir para mostrar que não existe conivência” (para entender melhor o surgimento do PCC e da nova criminalidade fardada no Estado, sugerimos a reportagem “São Paulo: as origens da violência”, publicada em dezembro no portal Outras Palavras em: http://bit.ly/V3FWen).

Para Débora Maria da Silva, coordenadora e fundadora do Mães de Maio, grupo de parentes e amigos de civis mortos na repressão ao PCC em 2006, há uma linha direta ligando o Massacre do Carandiru, em 1992, aos crimes de 2006 (pelos quais nenhum policial está preso hoje) e à atual onda de violência. Segundo ela, o que mais revolta é a impunidade dos policiais matadores.

“A explosão das mortes na periferia de São Paulo está ocorrendo há pelo menos três anos na Baixada Santista. E quem mais mata são os policiais e ex-policiais. Pra mim, essa coisa de PCC é balela pra justificar a morte de civis. Eles entram em favela, mostram listas de policiais marcados pra morrer, mas não mostram as listas de civis. O próprio antigo secretário tinha falado que todos os que morreram tinham ficha suja, mas como é que ele sabe? A verdade é que desde 2006 tem uma máfia de extermínio, com os policiais ganhando mais com bicos do que registrado na carteira. Com isso, ficam disputando os bicos e estão totalmente fora do controle do comando. Diferente do que disse o governador, quem não reage é que tá morto!”.

Autos de resistência
Talvez devido à pressão de grupos como o Mães de Maio, à perda da prefeitura de São Paulo para o PT (as eleições de 2014 estão às portas) ou à queda de popularidade de sua administração, o governador Geraldo Alckmin atendeu no início do ano (seguido dias depois pelo governador do Rio de Janeiro) a uma antiga reivindicação dos movimentos pelos direitos humanos: o fim dos “autos de resistência”.

Na resolução SSP-05 de 07/01/2013, a Secretaria de Segurança Pública indica a troca da expressão “resistência seguida de morte” nos boletins de ocorrência por “lesão corporal decorrente de intervenção policial” ou “morte decorrente de intervenção policial”, dependendo do caso. O texto também estabelece que os policiais devem preservar a cena dos crimes para a perícia e não devem recolher os cadáveres. O objetivo explícito é o “esclarecimento dos fatos e apuração da autoria e materialidade” no atendimento a “ocorrências de lesões corporais graves, homicídio, tentativa de homicídio, latrocínio e extorsão mediante sequestro com resultado morte”.

Contudo, também proíbe os oficiais de socorrerem ou transportarem feridos, indicando que os policiais devem sempre acionar o Samu ou outro serviço de emergência. Ora, nas periferias, onde ocorre a maior parte dos confrontos com policiais, o acesso das ambulâncias é sempre muito difícil. Mas, aparentemente, ninguém no governo se preocupou com isso.

Na grande mídia paulista, a troca de nomenclatura para a morte por policiais em serviço teve pouquíssima repercussão e o que se discute, quando se discute, é a proibição do socorro às vítimas. Cada vez mais alheios à realidade, os jornalões preferem destacar reality shows, premiações de programas televisivos ou ações “contra a corrupção”.

Um bom exemplo é a Folha de S. Paulo, cujo portal de internet mostrava no início da noite de 13 de janeiro, com muitas fotos e depoimentos, uma manifestação contra o PT e o ex-presidente Lula, na avenida Paulista, à qual teriam comparecido cerca de 20 pessoas. Apesar de ter enviado um carro do jornal um de seus melhores profissionais, a jornalista Laura Capriglione, não havia qualquer menção à passeata pela paz que reuniu mais de 200 pessoas na mesma tarde, na rua dos diversos assassinatos no Campo Limpo, para lembrar os mortos pela violência e exigir o fim da impunidade de policiais, bandidos e governos.

*Reportagem de Vinicius Souza e Maria Eugênia Sá (MediaQuatro – http://www.mediaquatro.com) publicada originalmente em “Ideias em Revista 39“, a revista bimestral do Sisejufe-RJ.


Fotos: Vinicius Souza e Maria Eugênia Sá – MediaQuatro/ Sisejufe-RJ

Resolução do Contran endurece fiscalização da Lei Seca

Lei Seca

Passou a vigorar nesta terça-feira (29/1) a Resolução 432/13 do Conselho Nacional de Trânsito que endurece a Lei Seca, sancionada em dezembro. A nova regulamentação baixou os limites de tolerância de álcool no teste do bafômetro. A partir de agora, o limite é de 0,05 miligrama de álcool por litro ar. Antes, o limite era de 0,1 miligrama. No caso de teste sanguíneo, nenhum nível de concentração de álcool será tolerado.

O motorista autuado responderá por infração gravíssima, pagará multa de R$ 1.915,40, terá a carteira de habilitação recolhida, o direito de dirigir suspenso por 12 meses, além da retenção do veículo. Se o teste apontar concentração de álcool igual ou superior a 0,34 miligrama, o ato de dirigir passa a ser considerado crime. Comprovada a embriaguez, o condutor pode ser condenado de seis meses a três anos de detenção.

De acordo com a resolução, a embriaguez pode ser comprovada pelo teste do bafômetro, exames laboratoriais, vídeos ou testemunhos. Os policiais deverão preencher um questionário indicando possíveis sinais de embriaguez — como, por exemplo, vômito, soluços, odor de álcool no hálito, agressividade, exaltação ou ironia.

Caso o condutor apresente esses sinais, está sujeito às penas administrativas mesmo que se recuse a fazer o teste do bafômetro ou o exame de sangue. Para a infração ser considerada crime, é preciso a comprovação por meio de exames.

Com a medida, o governo espera reduzir em 50% o número de acidentes de trânsito até 2020. De acordo com dados do Ministério da Cidades, a redução tem por base o número de mortes registrado em 2010: 42 mil. Com informações da Agência Brasil.

Clique aqui para ler a Resolução 432/13 do Contran.
Revista Consultor Jurídico

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Namorando com o suicídio




Artigo de J. R. Guzzo

Se nada piorar neste ano de 2013, cerca de 250 policiais serão assassinados no Brasil até o dia 31 de dezembro. É uma história de horror, sem paralelo em nenhum país do mundo civilizado. Mas estes foram os números de 2012, com as variações devidas às diferenças nos critérios de contagem, e não há nenhuma razão para imaginar que as coisas fiquem melhores em 2013 - ao contrário, o fato de que um agente da polícia é morto a cada 35 horas por criminosos, em algum lugar do país, é aceito com indiferença cada vez maior pelas autoridades que comandam os policiais e que têm a obrigação de ficar do seu lado. A tendência, assim, é que essa matança continue sendo considerada a coisa mais natural do mundo - algo que "acontece", como as chuvas de verão e os engarrafamentos de trânsito de todos os dias.

Raramente, hoje em dia, os barões que mandam nos nossos governos, mais as estrelas do mundo intelectual, os meios de comunicação e a sociedade em geral se incomodam em pensar no tamanho desse desastre. Deveriam, todos, estar fazendo justo o contrário, pois o desastre chegou a um extremo incompreensível para qualquer país que não queira ser classificado como selvagem. Na França, para ficar em um exemplo de entendimento rápido, 620 policiais foram assassinados por marginais nos últimos quarenta anos - isso mesmo, quarenta anos, de 1971 a 2012. São cifras em queda livre. Na década de 80, a França registrava, em média, 25 homicídios de agentes da polícia por ano, mais ou menos um padrão para nações desenvolvidas do mesmo porte. Na década de 2000 esse número caiu para seis - apenas seis, nem um a mais, contra os nossos atuais 250. O que mais seria preciso para admitir que estamos vivendo no meio de uma completa aberração?

Há alguma coisa profundamente errada com um país que engole passivamente o assassínio quase diário de seus policiais - e, com isso, diz em voz baixa aos bandidos que podem continuar matando à vontade, pois, no fundo, estão numa briga particular com "a polícia", e ninguém vai se meter no meio. Essa degeneração é o resultado direto da política de covardia a que os governos estaduais brasileiros obedecem há décadas diante da criminalidade. Em nenhum lugar a situação é pior do que em São Paulo, onde se registra a metade dos assassinatos de policiais no Brasil; com 20% da população nacional, tem 50% dos crimes cometidos nessa guerra. É coisa que vem de longe. Desde que Franco Montoro foi eleito governador, em 1982, nas primeiras eleições diretas para os governos estaduais permitidas pelo regime militar, criou-se em São Paulo, e dali se espalhou pelo Brasil, a ideia de que reprimir delitos é uma postura antidemocrática - e que a principal função do estado é combater a violência da polícia, não o crime. De lá para cá, pouca coisa mudou. A consequência está aí: mais de 100 policiais paulistas assassinados em 2012.

O jornalista André Petry, num artigo recente publicado nesta revista, apontou um fato francamente patológico: o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, conseguiu o prodígio de não comparecer ao enterro de um único dos cento e tantos agentes da sua polícia assassinados ao longo do ano de 2012. A atitude seria considerada monstruosa em qualquer país sério do mundo. Aqui ninguém sequer percebe o que o homem fez, a começar por ele próprio. Se lesse essas linhas, provavelmente ficaria surpreso: "Não, não fui a enterro nenhum. Qual é o problema?". A oposição ao governador não disse uma palavra sobre sua ausência nos funerais. As dezenas de grupos prontos a se indignar 24 horas por dia contra os delitos da polícia, reais ou imaginários, nada viram de anormal na conduta do governador. A mídia ficou em silêncio. É o aberto descaso pela vida, quando essa vida pertence a um policial. É, também, a capitulação diante de uma insensatez: a de ficar neutro na guerra aberta que os criminosos declararam contra a polícia no Brasil.

Há mais que isso. A moda predominante nos governos estaduais, que vivem apavorados por padres, jornalistas, ONGs, advogados criminais e defensores de minorias, viciados em crack, mendigos, vadios e por aí afora, é perseguir as sua próprias polícias - com corregedorias, ouvidorias, procuradorias e tudo o que ajude a mostrar quanto combatem a "arbitrariedade". Sua última invenção, em São Paulo, foi proibir a polícia de socorrer vítimas em cenas de crime, por desconfiar que faça alguma coisa errada se o ferido for um criminoso; com isso, os policiais paulistas tornam-se os únicos cidadãos brasileiros proibidos de ajudar pessoas que estejam sangrando no meio da rua. É crescente o número de promotores que não veem como sua principal obrigação obter a condenação de criminosos; o que querem é lutar contra a "higienização" das ruas, a "postura repressiva" da polícia e ações que incomodem os "excluídos". Muitos juízes seguem na mesma procissão. Dentro e fora dos governos continua a ser aceita, como verdade científica, a ficção de que a culpa pelo crime é da miséria, e não dos criminosos. Ignora-se o fato de que não existe no Brasil de hoje um único assaltante que roube para matar a fome ou comprar o leite das crianças. Roubam, agridem e matam porque querem um relógio Rolex; não aceitam viver segundo as regras obedecidas por todos os demais cidadãos, a começar pela que manda cada um ganhar seu sustento com o próprio trabalho. Começam no crime aos 12 ou 13 anos de idade, estimulados pela certeza de que podem cometer os atos mais selvagens sem receber nenhuma punição; aos 18 ou 19 anos já estão decididos a continuar assim pelo resto da vida.

Essa tragédia, obviamente, não é um "problema dos estados", fantasia que os governos federais inventaram há mais de 100 anos para o seu próprio conforto - é um problema do Brasil. A presidente Dilma Rousseff acorda todos os dias num país onde há 50 000 homicídios por ano; ao ir para a cama de noite, mais de 140 brasileiros terão sido assassinados ao longo de sua jornada de trabalho. Dilma parece não sentir que isso seja um absurdo. No máximo, faz uma ou outra reunião inútil para discutir "políticas públicas" de segurança, em que só se fala em verbas e todos ficam tentando adivinhar o que a presidente quer ouvir. Não tem paciência para lidar com o assunto; quer voltar logo ao seu computador, no qual se imagina capaz de montar estratégias para desproblematizar as problematizações que merecem a sua atenção. Não se dá conta de que preside um país ocupado, onde a tropa de ocupação são os criminosos.

Muito pouca gente, na verdade, se dá conta. Os militares se preocupam com tanques de guerra, caças e fragatas que não servem para nada; estão à espera da invasão dos tártaros, quando o inimigo real está aqui dentro. Não podem, por lei, fazer nada contra o crime - não conseguem nem mesmo evitar que seus quartéis sejam regularmente roubados por criminosos à procura de armas. A classe média, frequentemente em luta para pagar as contas do mês, se encanta porque também ela, agora, começa a poder circular em carros blindados; noticia-se, para orgulho geral, que essa maravilha estará chegando em breve à classe C. O número de seguranças de terno preto plantados na frente das escolas mais caras, na hora da saída, está a caminho de superar o número de professores. As autoridades, enfim, parecem dizer aos policiais: "Damos verbas a vocês. Damos carros. Damos armas. Damos coletes. Virem-se."

É perturbadora, no Brasil de hoje, a facilidade com que governantes e cidadãos passaram a aceitar o convívio diário com o mal em estado puro. É um "tudo bem" crescente, que aceita cada vez mais como normal o que é positivamente anormal - "tudo bem" que policiais sejam assassinados quase todos os dias, que 90% dos homicídios jamais cheguem a ser julgados, que delinquentes privatizem para seu uso áreas inteiras das grandes cidades. E daí? Estamos tão bem que a última grande ideia do governo, em matéria de segurança, é uma campanha de propaganda que recomenda ao cidadão: "Proteja a sua família. Desarme-se". É uma bela maneira, sem dúvida, de namorar com o suicídio.

Fonte: Blog do Cabo Júlio

Aluno inadimplente não tem direito a renovação de matrícula


O juiz federal EULER DE ALMEIDA SILVA JÚNIOR denegou a segurança em mandado impetrado por uma ALUNA do curso de Pedagogia em face do Reitor da UNIVERSIDADE PAULISTA-UNIP, para obter a matrícula que lhe foi negada em razão dos débitos acumulados nos últimos três meses do semestre.

A parte RÉ, em síntese, alegou que a não renovação do contrato com aluno inadimplente está amparada por lei e que para exercer a função que lhe foi denegada pelo Estado, a Universidade particular tem que cobrar mensalidades de seus alunos a fim de atender as suas despesas, sendo que o requisito de autofinanciamento é fundamental para a própria instalação do curso universitário.

O magistrado acolheu a argumentação da parte IMPETRADA, em atenção ao art. 5º da Lei 9.870/99, que dispõe que "os alunos já matriculados, salvo quando inadimplentes, terão direito à renovação das matrículas, observado o calendário escolar da instituição, o regimento da escola ou cláusula contratual".

A avalizar sua fundamentação, o juiz citou julgados do TRF-1ª Região, da relatoria dos desembargadores federais Daniel Paes Ribeiro e Carlos Moreira Alves.

Fonte: Justiça Federal

Justiça decreta prisão de secretários do RN por descumprirem ordem de reajuste a servidores estaduais



UOL
O TJ-RN (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte) decretou, nesta segunda-feira (28), a prisão dos secretários estaduais de Administração e Recursos Humanos, Antonio Alber da Nóbrega; e do Planejamento e Finanças, Francisco Obery Rodrigues Júnior.
Segundo decisão do desembargador Virgílio Macedo Júnior, a prisão em flagrante foi decretada por "reiterados descumprimentos de decisões judiciais que determinam a concessão de reajuste salarial a servidores públicos estaduais, conforme a Lei Complementar nº 432/2010, que instituiu o Plano de Cargos, Carreiras e Remuneração dos Órgãos da Administração Direta do Poder Executivo, e que não vinha sendo respeitada pelo Governo do Estado".
O Estado do Rio Grande do Norte é administrado pela governadora Rosalba Ciarlini (DEM).
Segundo informou o judiciário em nota na tarde desta segunda-feira, já houve tentativa do cumprimento do mandado de prisão, mas nenhum dos dois secretários foram encontrados pela polícia.
Decisão
Na decisão, o desembargador alega que tentou coagir os secretários a que cumprissem a decisão, por meio da imposição de multa.
Destacou também que não foi o primeiro caso de descumprimento de decisão judicial por parte dos secretários estaduais e que eles "sequer apresentaram justificativas para sua omissão ou inércia, o que revela total desídia no cumprimento de suas obrigações funcionais, além de descaso para com os atos proferidos pelo Poder Judiciário".
Na primeira decisão, os dois secretários foram notificados nos dias 10 e 12 de dezembro sobre a liminar que determinava o reajuste imediato nas remunerações, inclusive com a fixação de multa diária no valor de R$ 1.000 a cada uma das autoridades em caso de descumprimento. Entretanto, segundo o TJ, não houve o cumprimento da determinação.
Segundo a determinação, quando forem presos, os secretários deverão ser recolhidos ao Quartel do Comando da Polícia Militar, após realizarem exames de corpo de delito no Itep (Instituto Técnico-Científico de Polícia do Rio Grande do Norte).
Alegações
A decretação da prisão foi decidida após mandado de segurança liminar ingresso por vários servidores públicos estaduais. O pedido foi feito por dois advogados: Manoel Batista Dantas Neto e João Helder Dantas Cavalcanti. Eles representaram os funcionários públicos afetados pelo não cumprimento da lei.
Segundo os advogados, essa teria sido a "última medida para cumprimento da ordem judicial, já que repetidas decisões do Tribunal de Justiça proferidas por outros desembargadores foram descumpridas, assim como a aplicação de multas não vinham surtindo os efeitos desejados pelo sistema jurídico."
Ainda segundo a ação, o governo do Estado teria concedido, desde setembro de 2010, apenas 30% do aumento salarial que seria assegurado pela lei.
Outro lado
Em nota oficial divulgada no fim da tarde desta segunda-feira, o governo do Estado disse estar "surpreso" com a decisão da Justiça e destacou que a "honradez, lisura, honestidade e idoneidade" dos acusados de descumprimento judicial são "inquestionáveis."
"Os dois secretários têm longa experiência profissional, tendo ocupado diversos cargos na administração pública e na iniciativa privada, sempre desempenhando suas atividades com zelo e probidade", informou.
Sobre a acusação de descumprimento de decisão judicial, o governo alega que o plano de cargos, carreiras e salários foi aprovado às vésperas das eleições de 2010 e "não atende aos critérios da Lei de Responsabilidade Fiscal e não condiz com a realidade financeira do Estado".
Ainda segundo a nota, o Estado recorreu de todas as decisões judiciais e aguarda decisão definitiva da Justiça. "Os dois secretários, ao aguardarem o desfecho dos recursos judiciais, estão defendendo o equilíbrio das finanças públicas e também agindo em defesa do Estado do Rio Grande do Norte." Os secretários não foram localizados.

Frustração e apelo. Conheça a ti mesmo.



Confesso que estou decepcionado com a repercussão da publicação do álbum sobre o movimento dos praças da Polícia e Corpo de Bombeiros Militar -www.facebook.com/MovimentoIndependenteDosPracasDeMinasGerais -, e fiz agora esta confissão a meu filho, e no momento em que escrevo abro mão do indubio pro réu.

Talvez por ver tanta bobagem sendo compartilhada e vista nas redes sociais, avanço dos sinais dos novos tempo, mesmo que sempre tenhamos os saudosistas, coisa de gente velho, ou gente nova, vá saber.

Sei, obviamente, que quem vive de velho é INPS, e quem gosta de coisa antiga é museu, mas sei também que o passado não garante o presente e muito menos o futuro, pois isto é uma construção de todos os dias.

Sou certamente um praça velho, e são poucos que se tornam referência para os "novatos", ou recrutas como ainda nos referimos ao recéns formados nos cursos da Polícia e Corpo de Bombeiros Militar, herança da formação militarizada e hierarquizada da segurança pública.

Mas me sinto um construtor da história, e em todas as vezes que a vida me apresentou situações de incompreensão, contradição e negação de direitos, fiz opção pela justiça, com todo seu conceito abstrato e impreciso, mas não me furtei a luta e a escrever com outros autores um novo capitúlo de uma nova história. 

Entretanto, como seres pensantes e capazes de compreender a realidade que nos cerca, e livres para formar juízo de valor pela experiência que no amadure ao longo da vida, é um direito e dever de cada um que ingressa nas instituições militares, que questionem sobre sua história e trajetória, pois centenárias na responsabilidade de zelar pela proteção e segurança dos cidadãos, e em muitos periódos na proteção do estado, o que mudou muito pouco com o regime democrático.

O que não importa em desinformação, desconhecimento, ou desconsideração sobre a importância e efeitos do movimemto dos praças de 1997, marca histórica e sem qualquer signficado para os detentores do poder institucionalizado na vida castrense.

Assim, sem embargo de opinião divergente, é fundamental que os novatos ou recrutas conheçam, ainda que o suficiente para o tempo que ficarem nas fileiras, a longa e dolorosa luta dos praças por cidadania, dignidade e valorização profissional.

Seja mais um a conhecer e compreender a luta dos praças da Polícia e Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais.

E se tudo que leu não te inclinou a conhecer, passe para outro, assim quem sabe!

José Luiz Barbosa, Sgt PM - RR

Presidente da Associação Mineira de Defesa e Promoção da Cidadania e Dignidade e ativista de direitos humanos.

Insegurança ronda boates e casas noturnas de Belo Horizonte


Boate
A presença da reportagem levou seguranças a tirar o cadeado da porta de emergência 

Basta uma volta rápida por Belo Horizonte para constatar indícios de irregularidades em boates e encontrar frequentadores de casas de shows alheios aos riscos de tragédias como a que ocorreu ontem em Santa Maria (RS).
No início da noite de domingo (27), o Hoje em Dia percorreu o bairro Barro Preto, na região Centro-Sul de Belo Horizonte. Em uma boate localizada na esquina das ruas Goitacazes e Ouro Preto, a música tocada por uma banda podia ser ouvida do lado de fora.
Na calçada, a fila de jovens em busca de diversão, entre eles muitos aparentemente menores de idade, era grande. O acesso era feito pela portaria principal. Mesmo com a festa já iniciada na boate, a saída de emergência estava fechada com grade e cadeado. Quando perceberam a presença da reportagem, os seguranças abriram a porta e se posicionaram na frente dela.
“Dentro da boate há sinalização da saída de emergência, mas não me lembro de já ter visto essa passagem aberta. Muitos seguranças circulam lá dentro, mas sinto falta de extintores de incêndio”, disse o estudante Higor Wesley Fonseca dos Santos, 17 anos.
Mesmo assim, ele afirma que se sente seguro dentro da casa de shows. “Aqui não tem espetáculo pirotécnico e não tem porque pegar fogo”, argumentou.
Frequentadores de várias boates da capital, o casal de namorados Moisés Fernandes, de 21, e Ítyla Monique, de 18, esteve ontem em uma casa noturna que funciona na rua Guajajaras.
Segundo eles, o estabelecimento tem apenas uma porta de acesso. “A gente sempre fica perto dessa porta, pois, se acontecer algum tumulto, fica mais fácil escapar”, disse Ítyla.
Nos locais frequentados pelo casal também não há shows pirotécnicos. “É uma coisa que a gente sempre observa, assim como o acabamento interno das boates. Quando há muita coisa de madeira, fico preocupado”, afirma Moisés.
Segundo Ítyla, nas rodas de amigos formadas ontem na casa de shows, o assunto mais comentado foi a morte dos 233 jovens na cidade gaúcha.
“Estou acompanhando todas as notícias desde cedo. Uma prima minha estava no (extinto) Canecão Mineiro quando houve aquele incêndio (em 2001). Ela ficou ferida ao ser pisoteada”



segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Album de fotos resgata memória do movimento de 1997

Atenção policiais e bombeiros militares,


O movimento independente dos Praças de Minas Gerais, hospedado no endereço: https://www.facebook.com/MovimentoIndependenteDosPracasDeMinasGerais?ref=hl, lança em sua página o inédito album, "Cabo Júlio lidera praças em 1997 na luta por respeito, cidadania, e valorização profissional".
Este momento da hitória está registrado em documentos, fotos, e artigos e obteve ampla cobertura da imprensa de Minas Gerais e do Brasil, e foi o estompim para deflagração de movimentos reivindicatórios em quase todas as Polícias e Corpo de Bombeiros Militares no Brasil.
Assim, como há muitos policiais e bombeiros militares que desconhecem esta parte da história da luta dos praças, e como também desde então, autoridades das instituições militares, abafam qualquer discussão sobre o movimento e suas naturais consequencias e desdobramentos, e ainda apresentam versão distorcida dos fatos, numa tentativa de desqualificar a luta dos praças, bem como de transformá-lo em um acontecimento que infringiu a disciplina e hierárquia, ensejando graves punições para seus autores, disseminando o medo como fator de dissuasor de possíveis e futuros movimentos reivindicatórios.

Cabo Júlio, se destacou entre os participantes do movimento que foi deflagrado em seu Batalhão, o famoso Batalhão de choque, que era sediado no Bairro Prado, atual Escola de Formação e aperfeiçoamento de Sargentos, sendo proclamado pelos praças como lider do movimento.
 
Conheça a verdade e ela te libertará.

Na oportunidade convidamos os praças para participarem do movimento, é só clicar em gostar e depois convidar seus amigos.

Um fraterno abraço.

José Luiz BARBOSA, Sgt PM - RR
Presidente da Associação Mineira de Defesa e Promoção da Cidadania e Dignidade, ativista de direitos e garantias fundamentais e fundador do movimento dos Praças.

Grandes questões da humanidade: no país do malfeito, xixi na rua é crime?




Nobre mija na rua do Rio, quadro de J.Baptiste Debret, entre 1817/29 


Nem precisou chegar o Carnaval para o debate recomeçar: fazer xixi na rua é crime?
Pode até ser. Dependendo do tamanho do atentado ao pudor, diria um sátiro de plantão.
No Rio, a polícia prendeu 96 por tal desfeita, agora nas prévias de rua do final de semana. Só do bloco “Me esquece” foram 51desobedientes mijões.
Outras cidades de grandes carnavais de rua, como o Recife, Olinda e Salvador, são mais tolerantes. Mas a polêmica é sempre viva nesse período.
Todas têm em comum a mesma história: a falta de banheiros públicos ou os vagabundos banheiros químicos insuficientes para os foliões.
E não apenas para os carnavalescos.
Tente, em qualquer período do ano, achar um banheiro público nestas cidades. Recife ainda se salva se o cidadão estiver na orla de Boa Viagem.
Esqueçamos o carnaval e lembremos do aperto que passamos em SP, por exemplo. Em qualquer período do ano.
Você conhece algum banheiro público, decente ou indecente, na capital paulistana?
Desconheço. E olhe que sou um caminhador profissional que flano por todos os cantos da cidade.
De qualquer maneira, com ou sem privadas públicas –essa contradição em termos- o blog recomenda os bons modos de machos & fêmeas. Muita discrição nesta hora.
À guisa de descarga, uma inocente enquete geográfica e cultural. Em que cidade se faz mais xixi na rua no Brasil?

O homem honesto e as idiossincrasias do sistema


DIÁRIO DE CLASSE


Na semana passada, me deparei com uma história absurda que desnuda as idiossincrasias do atual sistema penitenciário (para ver a notícia original, cliqueaqui). O título da manchete — kafkiano, certamente — era “Rapaz enfrenta maratona para ser preso”. Sem dúvida alguma, o fato é sui generis e serve, no mínimo, para refletirmos acerca da crise sem precedentes na qual nos encontramos mergulhados.

Rapaz enfrenta maratona para se preso
A.F.M., de 21 anos, foi denunciado por praticar assalto a ônibus, na cidade de Viamão (RS), em fevereiro do ano passado. Em maio, o réu foi preso cautelarmente e, em outubro, teve a sentença prolatada, condenando-o à pena de seis anos e nove meses de reclusão, a ser cumprida em regime semiaberto.
Mantida a prisão preventiva, a magistrada determinou a expedição de PEC provisório imediatamente, “a fim de viabilizar a transferência do acusado para estabelecimento compatível com a condenação”.
Todavia, a transferência não aconteceu, e o réu permaneceu no Presídio Central (aquele cujas péssimas condições resultaram na denúncia do Brasil à OEA, conforme noticiado recentemente pelaConJur).
Em janeiro, considerando o descumprimento da decisão, o juízo da execução criminal deferiu, ex officio, a prisão domiciliar pelo período de 48 horas. Findo o prazo, o apenado deveria se apresentar à Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), até às 18h, para ser encaminhado ao regime semiaberto.
Então, A.F.M. passou dois dias com sua família. Todavia, quando se dirigiu à Susepe, por volta do meio dia, acompanhado de seus pais, deu de cara com as portas fechadas (pois o funcionamento não é ininterrupto!).
Às 13h30min, o apenado foi atendido e recebeu a informação de que iria cumprir sua pena em Charqueadas (distante 60 km de Porto Alegre e 90 km de Viamão), porém não seria oferecida escolta. Para agravar a situação, seus familiares não tinham dinheiro suficiente para custear o transporte intermunicipal.
Se ele não se apresentasse no horário, seria considerado foragido e, se fosse capturado, seria encaminhado, novamente, para o regime fechado.
A família toda corria desesperada contra o relógio — para que o apenado pudesse ser preso —, até que uma tia buscou ajuda na Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, que o orientou a se apresentar no Instituto Penal Pio Buck, na zona leste de Porto Alegre.
Com medo de perder o horário, a família conseguiu uma carona. Ao chegarem no albergue penal, todavia, foram barrados, pois não havia vaga. A.M.F. manifestou seu desejo de cumprir a pena, argumentando que não pretendia ser foragido, sobretudo porque poderia receber o livramento condicional em quatro meses. A administração respondeu para que fossem embora...
Então, correram de volta à Susepe, onde, por volta das 17h, conseguiram uma recomendação para que o apenado se apresentasse no albergue de Gravataí, até às 20h. Mesmo diante da incerteza de que seria admitido, a viagem foi realizada às custas da família.
Ao entardecer, por volta das 19h, A.F.M. foi aceito e, finalmente, preso. Seus pais comemoraram, antes de voltarem aliviados para casa: “Estou feliz — disse a mãe”.
A ovelha negra, de Calvino
Há alguns anos, mais precisamente em 2008, escrevi um ensaio em coautoria com Marcelo Cattoni acerca do conto A ovelha negra, de Ítalo Calvino — publicada no livro A biblioteca do general (Ed. Companhia das Letras), em que discutíamos o papel do Direito, da normatividade e, de um modo geral, das próprias instituições numa sociedade que se retroalimenta das suas próprias crises.

Esta talvez seja a questão que melhor expresse o problema representado na irônica e fantástica alegoria formulada por Calvino, que ora transcrevo:
Havia um país onde todos eram ladrões.
À noite, cada habitante saía, com a gazua e a lanterna, e ia arrombar a casa de um vizinho. Voltava de madrugada, carregado, e encontrava a sua casa roubada.
E assim todos viviam em paz e sem prejuízo, pois um roubava o outro, e este, um terceiro, e assim por diante, até que se chegava ao último, que roubava o primeiro. O comércio naquele país só era praticado como trapaça, tanto por quem vendia como por quem comprava. O governo era uma associação de delinquentes vivendo às custas dos súditos, e os súditos por sua vez só se preocupavam em fraudar o governo. Assim a vida prosseguia sem tropeços, e não havia ricos nem pobres.
Ora, não se sabe como, ocorre que no país apareceu um homem honesto. À noite, em vez de sair com o saco e a lanterna, ficava em casa fumando e lendo romances.
Vinham os ladrões, viam a luz acesa e não subiam.
Essa situação durou algum tempo: depois foi preciso fazê-lo compreender que, se quisesse viver sem fazer nada, não era essa uma boa razão para não deixar os outros fazerem. Cada noite que ele passava em casa era uma família que não comia no dia seguinte.
Diante desses argumentos, o homem honesto não tinha o que objetar. Também começou a sair de noite para voltar de madrugada, mas não ia roubar. Era honesto, não havia nada a fazer. Andava até a ponte e ficava vendo passar a água embaixo. Voltava para casa, e a encontrava roubada.
Em menos de uma semana o homem honesto ficou sem um tostão, sem o que comer, com a casa vazia. Mas até aí tudo bem, porque era culpa sua; o problema era que seu comportamento criava uma grande confusão. Ele deixava que lhe roubassem tudo e, ao mesmo tempo, não roubava ninguém; assim, sempre havia alguém que, voltando para casa de madrugada, achava a casa intacta: a casa que o homem honesto deveria ter roubado. O fato é que, pouco depois, os que não eram roubados acabaram ficando mais ricos que os outros e passaram a não querer mais roubar. E, além disso, os que vinham para roubar a casa do homem honesto sempre a encontravam vazia; assim, iam ficando pobres.
Enquanto isso, os que tinham se tornado ricos pegaram o costume, eles também, de ir de noite até a ponte, para ver a água que passava embaixo. Isso aumentou a confusão, pois muitos outros ficaram ricos e muitos outros ficaram pobres.
Ora, os ricos perceberam que, indo de noite até a ponte, mais tarde ficariam pobres. E pensaram: “Paguemos aos pobres para irem roubar para nós”. Fizeram-se os contratos, estabeleceram-se os salários, as percentagens: naturalmente, continuavam a ser ladrões e procuravam enganar-se uns aos outros. Mas, como acontece, os ricos tornavam-se cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres.
Havia ricos tão ricos que não precisavam mais roubar e que mandavam roubar para continuarem a ser ricos. Mas, se paravam de roubar, ficavam pobres porque os pobres os roubavam. Então pagaram aos mais pobres dos pobres para defenderem as suas coisas contra os outros pobres, e assim instituíram a polícia e construíram as prisões.
Dessa forma, já poucos anos depois do episódio do homem honesto, não se falava mais de roubar ou de ser roubado, mas só de ricos ou de pobres; e no entanto todos continuavam a ser pobres.
Honesto só tinha havido aquele sujeito, e morrera logo, de fome.
Afinal, que países são estes?
Seria o homem honesto o mesmo que precisou enfrentar uma maratona para conseguir ser preso? Caso positivo, estaríamos, então, diante da figura do apenado-honesto... Caso negativo, eu apostaria que são parentes, eis que possuem, no mínimo, um traço genético comum.

O éthos que orienta os comportamentos do homem-honesto, no sentido dele não furtar, e do apenado-honesto, no sentido dele não fugir, não corresponde ao hábito e tampouco às expectativas normativas das sociedades em que eles vivem, ambas marcadas, nitidamente, pelo páthos.
Com efeito, as idiossincrasias do sistema no país (fictício) onde todos eram ladrões, cenário do conto de Calvino, não se diferem daquelas verificadas no sistema do país (real) do apenado que precisou enfrentar uma maratona para conseguir ser preso.
No fundo, tudo está literalmente invertido: num país, o Estado estimula o homem-honesto a cometer furtos todas as noites para que a riqueza possa circular; noutro, o Estado se empenha para que o apenado-honesto não possa cumprir a pena que lhe foi imposta.
Afinal, que países são estes? A resposta não podia ser pior. Ambos são o nosso país: aquele quepune quando não precisa e que, quando precisa, não pune. Aquele onde “herói” é quem está na “casa”, e não quem sobrevive, diariamente, às injustiças promovidas pelo sistema.
André Karam Trindade é doutor em Teoria e Filosofia do Direito (Roma Tre/Itália), mestre em Direito Público (Unisinos) e professor universitário.
Revista Consultor Jurídico

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