Uma das principais autoridade no mundo na gestão de recursos hídricos, a secretária do Programa Hidrológico Internacional, Blanca Jiménez, discorda do governador Geraldo Alckmin (PSDB), que recentemente decretou o fim da crise da água em São Paulo.
À Folha, a executiva diz que a crise só vai acabar quando houver uma gestão correta dos recursos hídricos.
Segundo ela, a capital de São Paulo e outros pontos do Brasil padecem de um mesmo equívoco de outras cidades do mundo: a má gestão dos recursos hídricos, acompanhada do aquecimento global.
Se nada for feito para conter a crise de abastecimento, ela prevê queda de 20% no suprimento de água potável, em média, a cada 1º C de aumento na temperatura mundial.
"É importante que as pessoas tenham conhecimento sobre a problemática da água. Mas é somente se elas assumirem responsabilidades e atuarem localmente é que esses problemas serão tratados", disse a especialista.
Augusto Coelho/Ascom do MCTI | ||
Blanca Jiménez durante reunião na sede do Ministério da Ciência e Tecnologia, em Brasília |
Ela acumula os cargos de secretária do Programa Hidrológico Internacional, diretora da Divisão da Ciência da Água da Unesco, vice-presidente da ONU-Água e membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).
A seguir, trechos da entrevista de Jiménez à Folha.
Folha - O Estado de São Paulo, após quase dois anos de estiagem, começou a recuperar nível de suas represas. Com isso, governo abrandou o racionamento e afirmou que a crise estava encerrada. A sensação é que se trabalha no limite, torcendo para que fenômenos climáticos não surpreendam. Isso está certo?
Blanca Jiménez - A crise só vai acabar quando houver uma gestão correta dos recursos hídricos. Independentemente dos efeitos da mudança climática, existem secas periódicas. Os efeitos são agravados ainda mais em áreas onde a demanda de água aumenta.
O que São Paulo está enfrentando nós vemos em muitas outras cidades. As pessoas vivem mais e mais em centros urbanos, que ocupam menos de 1% do território mundial. Não há fontes suficientes para produzir água na quantidade e no ritmo que a população exige.
Manter equilibrada a disponibilidade e a demanda de água é tarefa de tomadores de decisão que devem basear as suas políticas em matéria de conhecimento técnico.
Mas o sistema Cantareira, por exemplo [atualmente com 49,6% de sua capacidade], demonstra números acima de anos anteriores.
Não se trata apenas de quantidade. A variedade e a qualidade desse recurso também mudariam em um planeta mais quente. Em alguns lugares, a perda atual por evaporação é de 30% a 40%. Uma das medidas em estudo é a construção de aquíferos.
A mudança climática está afetando a regularidade da precipitação. A chuva não acontece quando mais se necessita, como no verão, e, quando há precipitações intensas, não há como armazená-la. A água é perdida.
Abrandar as restrições à população em momentos de alívio [como o fim da sobretaxa anunciado nesta sexta-feira (25)], na expectativa de que a estiagem não voltará ao que era antes, é algo prudente?
Não. Do ponto de vista técnico é melhor manter um racionamento constante para evitar pressão negativa na rede de água que promove a deterioração da qualidade.
Faz sentido manter racionamento severo, privando as pessoas de água por muito tempo, como até 20 horas?
Também não. Aqueles que provocam os desequilíbrios não são os mesmos que estão sofrendo as consequências. Então, é preciso identificar e envolver os responsáveis. Se continuarmos com os mesmos padrões de uso de água, teremos crises mais severas do que essa que São Paulo passou.
O que é possível fazer no curto prazo para mitigar a crise?
O uso eficiente, a reciclagem e reutilização de água. Por exemplo, uma descarga regular de banheiro pode gastar até 30 litros de água, mas há modelos novos que usam só seis litros, além de economizar água, energia e transporte. A segunda preocupação deve ser com o reúso da água para outra finalidade, como agricultura.
Por fim, a reciclagem da água. As indústrias precisam reutilizar a água em seus próprios processos e estabelecer índices para a geração de produtos industriais que envolvem menos água. É importante que as pessoas tenham conhecimento sobre a problemática da água, mas é somente se elas assumirem responsabilidades e atuarem localmente é que esses problemas serão tratados.
A tendência é aumentar a cobrança pelo uso da água? Ou seja, as pessoas devem pagar mais diante de um bem cada vez mais restrito?
O serviço de água tem um custo e, portanto, alguém tem que pagar. A discussão para mim é se isso deve ser por meio de impostos ou através de taxas de uma só pessoa. Além disso, temos que discutir se todos devem pagar o mesmo valor pela água, independentemente de seus recursos econômicos e se esse consumo é humano ou industrial.
E a questão dos rios poluídos, como o Tietê e o Pinheiros?
É uma das coisas que temos de trabalhar. Os rios são usados como depósito de água contaminada. A maioria das cidades trata parcialmente a água despejada nos rios, porque é muito custoso, e espera que a natureza finalize o tratamento. Mas, muitas vezes, a natureza não tem essa capacidade de limpeza.
O consumo de água em São Paulo e no mundo ainda é muito alto ou irracional. Quais os principais problemas que precisam ser resolvidos?
A gestão integrada dos recursos hídricos, considerando a água superficial e subterrânea, a demanda e disponibilidade, a situação atual e do futuro e todos os usos e usuários de água, incluindo a utilização da água pelos ecossistemas.
Conforme os cenários registrados no relatório do IPCC [Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima, na sigla em inglês], qual será a disponibilidade de água potável no final do século?
Sem considerar a mudança climática, se continuarmos com os mesmos padrões de uso de água, teremos crise em poucas décadas. Com a mudança climática, isso será em três ou quatro décadas, dependendo da região.
Cada 1ºC de aumento na temperatura faz com que, em média, 7% da população mundial percam 20% da água potável disponível. Em zonas onde já há crise, a população afetada pode chegar a 90%. São regiões áridas e semiáridas tropicais, onde estão países em desenvolvimento: partes da África, do México, do Nordeste do Brasil.
RAIO-X
BLANCA JIMÉNEZ
IDADE
57 anos
NATURALIDADE
Cidade do México
FORMAÇÃO
Engenharia ambiental pela Universidad Autónoma Metropolitana (México). É doutora em tratamento de água e de esgoto pelo Institut National des Sciences Appliquées (França)
CARGOS
Secretária do Programa Hidrológico Internacional, diretora da Divisão da Ciência da Água da Unesco, vice-presidente da ONU-Água e membro do IPCC
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