Comissão se reuniu para avaliar a situação dos atingidos pelo rompimento da barragem de rejeitos em Mariana - Foto: Flávia Bernardo
O Ministério Público Federal vai se manifestar contra a homologação judicial do recente acordo assinado com a mineradora Samarco pelos poderes públicos federal e dos estados de Minas Gerais e do Espírito Santo. O anúncio foi feito nesta terça-feira (29/3/16) pelo procurador da República em Minas Jorge Munhóz, durante audiência da Comissão Extraordinária das Barragens da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). O objetivo foi avaliar a situação dos atingidos pelo rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana (Região Central do Estado), ocorrido em 5 de novembro do ano passado.
Entre vários itens questionados pelo MP na audiência, o procurador citou como dos mais graves a cláusula terceira. Ela determina que serão extintas as ações relacionadas ao episódio de Mariana já ajuizadas, e listadas em anexo do acordo, bem como demais que vierem a ser propostas, à exceção da ação civil pública que corre em Mariana, que seguiria tramitando.
Essa limitação ganhou destaque no debate e motivou a sugestão de um requerimento do relator da comissão, deputado Rogério Correia (PT), que deverá ser apreciado numa próxima reunião. O objetivo é garantir que o acordo não fira o direito dos atingidos pela tragédia de recorrerem à Justiça a qualquer momento que julgarem oportuno.
Além de garantir esse direito, o MP defende que seja construído um novo acordo, que sirva de garantia mínima e que contemple maior participação das comunidades. Segundo expôs o procurador, o compromisso firmado privilegiaria o equilíbrio patrimonial da empresa, em detrimento da proteção social dos atingidos e da efetiva reparação dos danos ambientais causados pelo desastre.
No entendimento do MP, disse Munhóz, o acordo, ao limitar o aporte de recursos da mineradora em R$ 20 bilhões e o prazo para as ações em 15 anos, estabeleceu limites máximos com base em suposição, uma vez que nenhum órgão teria ainda um diagnóstico preciso dos danos ocorridos.
“O maior vício do documento é ser exaustivo em relação ao evento e suas consequências, e isso sem termos ainda um diagnóstico, até porque o dano continua ocorrendo”, frisou ele. Foi mencionado pelo procurador, e também por deputados e representantes dos atingidos pelo desastre, que ainda corre lama de rejeitos na região.
O procurador destacou, ainda, que um diagnóstico dos efeitos ambientais de um rompimento como o de Fundão depende de um "ano biológico", ou seja, de que os reflexos sobre a biodiversidade sejam avaliados ao londo das quatro estações do ano.
Sobre a falta de participação dos atingidos pelo desastre no processo de negociação do acordo, o procurador expôs à comissão que também o órgão teve pouco acesso à construção do documento. Segundo ele, para a negociação do acordo foram montados grupos de trabalho para encontros em Brasília, tendo sido o MP convidado para alguns praticamente na véspera e sem conhecimento prévio da pauta.
Procurador Jorge Munhós critica falta de participação das comunidades na construção do acordo - Foto: Flávia Bernardo
Conforme ressaltou o procurador, a única solicitação feita pelo órgão, não atendida, foi a de que a minuta final do acordo e a documentação técnica a ele relacionada fossem enviadas ao MP antes da assinatura pelas partes, para que o Ministério Público Federal se manifestasse a respeito em cinco dias, como forma de fazer parte do processo.
“Apesar de nossa visão crítica, não somos contra um acordo e reconhecemos os esforços das Advocacias dos Estados para construí-lo. Mas entendemos que ele deveria servir como garantia mínima, e não máxima”, criticou o procurador, esclarecendo que as análises do órgão foram feitas em documento divulgado como sendo o acordado, uma vez que o MP também não teria tido acesso, até então, ao documento assinado.
Pelo acordo, firmado pela Samarco e suas controladoras Vale e a holandesa BHP Billiton, uma fundação composta pelas empresas e representantes dos poderes públicos mineiro e capixaba será responsável pela gestão do que foi acordado. Segundo análise do procurador à comissão, o aporte de recursos da Samarco, que deve ser de R$ 2 bilhões no primeiro ano, na verdade cairá pela metade, porque dele pode ser descontado o montante de R$ 1 bilhão que o MP já conseguiu bloquear em decorrência de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) em benefício de atingidos pela tragédia.
“Esses detalhes precisam de análise, inclusive porque, a partir do terceiro ano, quem vai definir os próximos valores será a própria fundação, podendo variar em 30% para mais ou para menos o valor total do aporte citado no acordo”, frisou Munhóz. Em relação a questionamento do deputado Gustavo Valadares (PSDB), quanto a uma possível prorrogação do prazo de 15 anos, o procurador disse que, decorrido o prazo, está previsto um ano para medidas finais.
Deputados também defendem mudanças em documento
O deputado Celinho do Sinttrocel (PCdoB) considerou que ficou clara a ausência dos trabalhadores na negociação do acordo e sugeriu que o documento possa ser modificado também para ganhar maior celeridade no cumprimento das ações, por meio de aporte de recursos também da Vale e da BHP.
Já o deputado Rogério Correia manifestou ao MP preocupação com o fato de a não homologação do acordo vir a enfraquecer o cumprimento do que já foi acordado. Nesse sentido, ele indagou se o órgão não poderia sugerir mudanças no acordo na Justiça. Correia lembrou que o advogado-geral do Estado, Onofre Alves Batista Júnior, afirmou à comissão, em audiência anterior, que o acordo não iria tolher os atingidos nem o MP em outras possíveis ações judiciais.
Contudo, o também procurador da República Eduardo Aguiar afirmou que a homologação não seria condição para fazer valer o acordo, que, uma vez assinado pelas partes, já é de cumprimento imediato. A homologação na Justiça, frisou o procurador, serve, sim, para extinguir outras ações judiciais. “A situação atual é melhor do que ter um acordo que tira do Judiciário a possibilidade de ir além e funciona mais como uma blindagem da empresa do que como uma garantia para a sociedade”, considerou.
Mateus de Melo criticou a ausência do Movimento dos Atingidos por Barragens na negociação - Foto: Flávia Bernardo
Divergências - Membro da Coordenação do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Mateus Alves Vaz de Melo endossou a análise do MP e criticou a ausência do movimento na negociação. Segundo ele, a construção do acordo, ao excluir quilombolas e indígenas afetados, teria, ainda, ferido a convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. O dispositivo garante a comunidades indígenas e tribais o direito de consulta prévia em situações como a que envolve os desdobramentos do rompimento de Fundão.
Segundo Mateus, o MAB teve conhecimento na véspera de que o acordo seria assinado. Ele enumerou outras falhas que o documento teria, como não fazer menção a reassentamento de pescadores e nem a ações de geração de renda para as comunidades que viviam em áreas de preservação. Ele também criticou o documento por se referir aos atingidos como impactados, o que, na sua avaliação, descaracteriza um movimento que há pelo menos 30 anos vem negociando com grandes empresas em prol de atingidos por barragens.
Já Claudius Vinícius Leite, representante da Mesa de Diálogo e Negociação, instituída pelo governo do Estado para participar da definição do acordo, considerou que houve o atendimento de demandas das comunidades envolvidas. Segundo ele, isso se deu a partir do que a Mesa colheu no processo de escuta das populações em visitas às cidades de Mariana, Governador Valadares, Esplendor e Barra Longa.
“As solicitações feitas estão registradas em atas à disposição da comissão. Embora o acordo não agrade na forma de solução, ele contempla as principais reivindicações levantadas pela Mesa”, disse Claudius. Ele afirmou ver o acordo como um processo dinâmico, que sinaliza para uma aproximação com os envolvidos por meio de fóruns e processos de escuta permanentes.
Familiares de vítimas se emocionam em relato
Ana Paula Alexandre Auxiliadora não entrou no mérito do acordo, mas cobrou justiça no final da audiência. “Não tivemos Natal, não tivemos Ano Novo, não tivemos nada. Estou sem meu marido, desempregada e sem apoio. Não quero dinheiro, quero justiça”. Viúva de Ednaldo, uma das vítimas do rompimento de Fundão, ela fez um relato emocionado das perdas sofridas, ao mesmo tempo cobrando ações concretas da empresa e do poder público. Ela mora em Ouro Preto, e o marido era funcionário da Integral, que presta serviços à Samarco.
Advogada que tem dado assistência a várias famílias atingidas pela tragédia, Luíza Mara Ferreira Ribeiro também é uma delas. Perdeu o cunhado, vítima de Fundão. “A situação dos que choram é uma situação muito maior do que a que está exposta na mídia ou em acordos”, frisou ela, criticando a liberdade que, no seu entendimento, foi dada à Samarco “de falar quanto e quem vai receber” indenizações. “Sem falar no cerceamento de defesa, pois não se pode proibir uma pessoa de acionar a Justiça”.