Sinal amarelo
Meu falecido pai me dizia que as guerras sempre têm por detrás dos motivos aparentes uma razão econômica para acontecerem. E ele tinha razão. Ele dizia também que na guerra a primeira a morrer é a verdade. Mais uma vez ele tinha razão.
Há uma guerra surda, quase velada, e o parecer do Ministério Público Federal nos autos do RE 603.583, contrário ao Exame de Ordem, é apenas uma tênue manifestação dela. O pior é que talvez um dos combatentes sequer saiba de que está em guerra. E se não sabe, talvez essa ignorância seja resultado de uma sensação de intangibilidade. Sensação ilusória de intangibilidade...
Ontem me dei conta de que o risco de o Exame de Ordem acabar é real, extremamente real, e a OAB não está se apercebendo disso. Lembro-me bem da sensação de perplexidade ao tomar conhecimento do parecer do MPF contrário ao Exame. Perplexidade sentida não só por mim, mas pelos advogados e pela comunidade jurídica em geral.
Na cabeça da esmagadora maioria os advogados, a simples percepção da magnitude do estrago que o fim do Exame de Ordem imporia a classe passa a certeza quase absoluta da impossibilidade do fim do Exame: as consequências seriam funestas.
No entanto, essa sensação de intangibilidade, independente de sua lógica, não me parece agora muito adequada, pois seguramente existem forças tentando derrubar o Exame de Ordem. Eu explico.
Venho escrevendo há algum tempo sobre o plano de expansão do ensino superior e sobre a meta do Ministério da Educação de praticamente triplicar o número de universitários até o ano de 2020. Ou seja, em nove anos. É um longo prazo nem tão longo assim.
Conjecturei que na medida em que tal plano de expansão fosse produzindo seus efeitos, as demais corporações de classe, assim como hoje a OAB e o CFC, também iriam criar seus próprios exames de suficiência, pois a saturação dos respectivos mercados é inevitável em decorrência da própria expansão.
E de certa forma os exames de suficiência seriam um entrave ao próprio plano, pois os futuros universitários podem se assustar com a perspectiva de pegar um financiamento no FIES, agora muito facilitado, para ao fim, com o canudo na mão, não conseguirem passar em um Exame.
Todos acompanharam a repercussão que o percentual de reprovação do último Exame de Ordem produziu na sociedade: praticamente de 10 candidatos, nove reprovaram. É desestimulante para qualquer um. E aqui entramos em uma segunda abordagem: se é desestimulante para os futuros universitários, é péssimo para a imagem das instituições de ensino.
Bem recentemente a OAB divulgou os dados finais de aprovação do Exame de Ordem 2010.3, dados estes que causaram perplexidade geral, pois a esmagadora maioria das faculdades apresentaram desempenhos medíocres de aprovação entre seus egressos. E desempenho medíocre na prova responsável pelo ingresso no mercado de trabalho é um péssimo marketing.
Para piorar, a OAB, sem nenhuma contemplação, publicou uma lista com as instituições que não aprovaram nenhum candidato no Exame. Foi o bastante para o assunto fugir do mundo jurídico e ganhar ampla repercussão nacional. Naturalmente que as instituições começaram a publicar um sem-número de justificativas para explicar o injustificável.
Curiosamente, não mais de duas semanas depois, o MPF surpreende a todos dizendo que o Exame é inconstitucional. E o faz quando os procuradores estão de recesso e quando as instituições de ensino estão sob fogo cerrado. Não pode ser resultado do acaso.
Meu pai dizia que toda guerra tem um fundo econômico. Fazem ideia do dinheiro que as faculdades privadas irão movimentar com o Plano de Expansão do Ensino Superior? Com a quase triplicação do número de universitários? Dezenas de bilhões de reais por ano!
Seria péssimo para os negócios que os exames de proficiência denunciassem a cada resultado as péssimas condições de ensino e os lamentáveis dados de reprovação. Seria também ruim para o governo federal ver seu plano de expansão esbarrar no entrave gerado pelos exames de classe, frustrando perspectivas de fundo político.
Afinal, cursar uma faculdade e não poder trabalhar já é algo frustrante. E frustrar um universo gigantesco de futuros aprovados com os hipotéticos, mas possíveis, futuros exames de classe em várias profissões guarda um potencial efeito corrosivo sob o aspecto político.
Como evitar então esse problema? É muito simples! Derruba-se o Exame de Ordem, dizendo que ele é, exatamente, inconstitucional.
Ao me dar conta disso o então surpreendente parecer do MPF deixou de ser surpreendente e passou a fazer muito sentido, e mais do que fazer sentido, passou a ser aterrorizante. Esse parecer não é uma posição isolada: ele é apenas uma manifestação visível de um movimento muito maior. E se eu estiver certo nessa avaliação, o Exame de Ordem está por um fio. Realmente está por um fio.
O Exame de Ordem afronta o MEC, que quer desesperadamente dar mais autorizações de funcionamentos para um sem fim de faculdades, além de revelar a quase absoluta falta de critério e a ausência de fiscalização nas IES particulares.
O Exame de Ordem afronta as faculdades medíocres expondo o descalabro da oferta de ensino a quem não tem condições educacionais de cursar o ensino superior, fruto da negligência estatal de sempre com o ensino de base, mas que agora, com o aumento de renda experimentado pelas classes C e D nos últimos anos, já podem pagar para estudar. O Exame de Ordem afronta projetos políticos, os planos do Executivo Federal em expandir a rede de ensino superior.
Ontem a ConJur publicou uma reportagem em que um advogado afirmou que o parecer seria apenas uma retaliação de plano pessoal. Pode até ser. Posso estar errado no que eu estou escrevendo aqui, mas não creio que um subprocurador da República pense de forma tão mesquinha assim. Lembrem-se que o STF é um tribunal político e os atores que gravitam em sua órbita também podem agir por interesses políticos.
Não só acho que o Exame está sob um risco real como o julgamento desse recurso extraordinário ocorrerá em breve. Fica o alerta: ou a OAB acorda ou vai tomar a maior pancada da sua história. Pancada maior do que qualquer uma desferida até mesmo nos tempos da ditadura.
O fim do Exame de Ordem vai implodir a advocacia! De plano mais um milhão de pessoas podem se transformar em advogados quase que da noite para o dia. Nem as grandes bancas vão escapar. A competição exacerbada vai corroer todo o sistema, de baixo para cima, aviltando os honorários em nome do direito de sobrevivência.
Trágico? Certamente! Muitos irão sofrer, mas também colocaria um sorriso no rosto de muita gente. Entre esses, quem tem muito a ganhar... Sim, toda guerra tem por pano de fundo motivos econômicos, e por detrás dos efeitos desse julgamento há muito, mas muito dinheiro envolvido.
O Exame de Ordem não é intangível e se a OAB não abrir os olhos vai amargar sua pior derrota. Derrota que será apenas o início de um calvário infinitamente maior. Fica o alerta.
Há uma guerra surda, quase velada, e o parecer do Ministério Público Federal nos autos do RE 603.583, contrário ao Exame de Ordem, é apenas uma tênue manifestação dela. O pior é que talvez um dos combatentes sequer saiba de que está em guerra. E se não sabe, talvez essa ignorância seja resultado de uma sensação de intangibilidade. Sensação ilusória de intangibilidade...
Ontem me dei conta de que o risco de o Exame de Ordem acabar é real, extremamente real, e a OAB não está se apercebendo disso. Lembro-me bem da sensação de perplexidade ao tomar conhecimento do parecer do MPF contrário ao Exame. Perplexidade sentida não só por mim, mas pelos advogados e pela comunidade jurídica em geral.
Na cabeça da esmagadora maioria os advogados, a simples percepção da magnitude do estrago que o fim do Exame de Ordem imporia a classe passa a certeza quase absoluta da impossibilidade do fim do Exame: as consequências seriam funestas.
No entanto, essa sensação de intangibilidade, independente de sua lógica, não me parece agora muito adequada, pois seguramente existem forças tentando derrubar o Exame de Ordem. Eu explico.
Venho escrevendo há algum tempo sobre o plano de expansão do ensino superior e sobre a meta do Ministério da Educação de praticamente triplicar o número de universitários até o ano de 2020. Ou seja, em nove anos. É um longo prazo nem tão longo assim.
Conjecturei que na medida em que tal plano de expansão fosse produzindo seus efeitos, as demais corporações de classe, assim como hoje a OAB e o CFC, também iriam criar seus próprios exames de suficiência, pois a saturação dos respectivos mercados é inevitável em decorrência da própria expansão.
E de certa forma os exames de suficiência seriam um entrave ao próprio plano, pois os futuros universitários podem se assustar com a perspectiva de pegar um financiamento no FIES, agora muito facilitado, para ao fim, com o canudo na mão, não conseguirem passar em um Exame.
Todos acompanharam a repercussão que o percentual de reprovação do último Exame de Ordem produziu na sociedade: praticamente de 10 candidatos, nove reprovaram. É desestimulante para qualquer um. E aqui entramos em uma segunda abordagem: se é desestimulante para os futuros universitários, é péssimo para a imagem das instituições de ensino.
Bem recentemente a OAB divulgou os dados finais de aprovação do Exame de Ordem 2010.3, dados estes que causaram perplexidade geral, pois a esmagadora maioria das faculdades apresentaram desempenhos medíocres de aprovação entre seus egressos. E desempenho medíocre na prova responsável pelo ingresso no mercado de trabalho é um péssimo marketing.
Para piorar, a OAB, sem nenhuma contemplação, publicou uma lista com as instituições que não aprovaram nenhum candidato no Exame. Foi o bastante para o assunto fugir do mundo jurídico e ganhar ampla repercussão nacional. Naturalmente que as instituições começaram a publicar um sem-número de justificativas para explicar o injustificável.
Curiosamente, não mais de duas semanas depois, o MPF surpreende a todos dizendo que o Exame é inconstitucional. E o faz quando os procuradores estão de recesso e quando as instituições de ensino estão sob fogo cerrado. Não pode ser resultado do acaso.
Meu pai dizia que toda guerra tem um fundo econômico. Fazem ideia do dinheiro que as faculdades privadas irão movimentar com o Plano de Expansão do Ensino Superior? Com a quase triplicação do número de universitários? Dezenas de bilhões de reais por ano!
Seria péssimo para os negócios que os exames de proficiência denunciassem a cada resultado as péssimas condições de ensino e os lamentáveis dados de reprovação. Seria também ruim para o governo federal ver seu plano de expansão esbarrar no entrave gerado pelos exames de classe, frustrando perspectivas de fundo político.
Afinal, cursar uma faculdade e não poder trabalhar já é algo frustrante. E frustrar um universo gigantesco de futuros aprovados com os hipotéticos, mas possíveis, futuros exames de classe em várias profissões guarda um potencial efeito corrosivo sob o aspecto político.
Como evitar então esse problema? É muito simples! Derruba-se o Exame de Ordem, dizendo que ele é, exatamente, inconstitucional.
Ao me dar conta disso o então surpreendente parecer do MPF deixou de ser surpreendente e passou a fazer muito sentido, e mais do que fazer sentido, passou a ser aterrorizante. Esse parecer não é uma posição isolada: ele é apenas uma manifestação visível de um movimento muito maior. E se eu estiver certo nessa avaliação, o Exame de Ordem está por um fio. Realmente está por um fio.
O Exame de Ordem afronta o MEC, que quer desesperadamente dar mais autorizações de funcionamentos para um sem fim de faculdades, além de revelar a quase absoluta falta de critério e a ausência de fiscalização nas IES particulares.
O Exame de Ordem afronta as faculdades medíocres expondo o descalabro da oferta de ensino a quem não tem condições educacionais de cursar o ensino superior, fruto da negligência estatal de sempre com o ensino de base, mas que agora, com o aumento de renda experimentado pelas classes C e D nos últimos anos, já podem pagar para estudar. O Exame de Ordem afronta projetos políticos, os planos do Executivo Federal em expandir a rede de ensino superior.
Ontem a ConJur publicou uma reportagem em que um advogado afirmou que o parecer seria apenas uma retaliação de plano pessoal. Pode até ser. Posso estar errado no que eu estou escrevendo aqui, mas não creio que um subprocurador da República pense de forma tão mesquinha assim. Lembrem-se que o STF é um tribunal político e os atores que gravitam em sua órbita também podem agir por interesses políticos.
Não só acho que o Exame está sob um risco real como o julgamento desse recurso extraordinário ocorrerá em breve. Fica o alerta: ou a OAB acorda ou vai tomar a maior pancada da sua história. Pancada maior do que qualquer uma desferida até mesmo nos tempos da ditadura.
O fim do Exame de Ordem vai implodir a advocacia! De plano mais um milhão de pessoas podem se transformar em advogados quase que da noite para o dia. Nem as grandes bancas vão escapar. A competição exacerbada vai corroer todo o sistema, de baixo para cima, aviltando os honorários em nome do direito de sobrevivência.
Trágico? Certamente! Muitos irão sofrer, mas também colocaria um sorriso no rosto de muita gente. Entre esses, quem tem muito a ganhar... Sim, toda guerra tem por pano de fundo motivos econômicos, e por detrás dos efeitos desse julgamento há muito, mas muito dinheiro envolvido.
O Exame de Ordem não é intangível e se a OAB não abrir os olhos vai amargar sua pior derrota. Derrota que será apenas o início de um calvário infinitamente maior. Fica o alerta.
Maurício Gieseler de Assis advogado, pós-graduando em Direito do Trabalho e editor do Blog Exame de Ordem.
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