Estado repressor
A população carcerária mais que dobrou nos últimos dez anos. Saiu de 233 mil presos, em 2000, para 496 mil no ano passado – um salto de 113%. Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), do Ministério da Justiça, só entre 2000 e 2005, a quantidade de encarcerados subiu para 361 mil, um aumento de 55%. Enquanto isso, o índice de homicídios país passou de 28,9 em cada grupo de 100 mil habitantes, em 2003, para 25,6, em 2008 (dado mais recente). Nos últimos anos, a taxa tem permanecido em torno de 26 mortes em cada 100 mil habitantes.
Os dados são da Ong Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Várias explicações podem ser encontradas para se entender o fenômeno do crescimento da população carcerária. Os números mostram que o endurecimento na punição de certos crimes levou mais gente às prisões. O exemplo mais claro é o do tráfico de drogas. Enquanto em 2005 havia 31 mil presos por tráfico, nacional e internacional, em 2010, o número era de 100 mil presos. Na comparação com os 91 mil presos de 2009, a alta de 2010 foi de mais de 10%.
Movimento semelhante é visto nos números de presos por homicídio. Em dezembro de 2010 o Depen contabilizou 49 mil, 88% acima das 26 mil pessoas registradas no mesmo mês de 2005. Em 2009, os presos por homicídio eram 50,6 mil. Ou seja, no último ano contabilizado, registrou-se uma pequena queda no número de homicidas presos. O número de homicídios, contudo, manteve-se estável. Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública foram registrados 43 mil homicídios em 2005 e em 2008.
Só que o maior rigor das leis não pode ser considerado uma vitória na luta contra o crime. Para o advogado Augusto de Arruda Botelho, vice-presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa, os dados do Depen mostram os “equívocos da política de combate à criminalidade”. Em vez de tentar resolver os crimes e apurar suas causas, procura-se a repressão, “que invariavelmente passa pelo aumento da pena”, diz.
Esse aumento, para Botelho, é sempre em resposta ao clamor popular, ou a alguma observação feita pelo Legislativo: “Aumentou o tráfico de drogas no país? Aumenta-se a pena para traficantes; se a sociedade ficou mais violenta, aumentam a pena para homicídios, sem que se pense nas causas da criminalidade”. Historicamente, para ele, o Estado brasileiro exerce a função de repressor, sem se preocupar com o verdadeiro problema — o que leva as pessoas ao crime.
No caso do tráfico de drogas, Botelho acredita que o problema está no entendimento do que é porte para venda e para uso. O critério da lei, segundo ele, é flexível demais, o que gera inúmeros flagrantes e, consequentemente, prisões provisórias.
Outro ponto apontado pelo advogado é que o tráfico acabou taxado como crime em que não cabe liberdade provisória, sem que se analisem os casos concretos - para ele, a liberdade condicional é aplicada às pessoas, e não aos crimes. Cada caso é um caso.
O encarceramento provisório, que engloba os flagrantes e as medidas cautelares, de fato se multiplicou nos últimos anos. Em 2010, eram 165 mil presos provisórios, cerca de 40% do total de presos no ano. Desde 2005, quando os provisórios eram 91 mil, o aumento foi de 80%.
Botelho aponta três fatores para explicar o aumento do número de presos por homicídio: o aumento da criminalidade, a melhoria na qualidade das investigações policiais, que resultam em mais prisões, e, principalmente uma mudanças na mentalidade dos magistrados.
Os juízes, diz o advogado, passaram a considerar a prisão provisória necessária em casos de assassinato. Em vez de exceção, aplicada apenas quando necessário, o encarceramento processual virou regra. Na opinião de Botelho, é um “reflexo absurdo da banalização da prisão preventiva no país”. “Infelizmente alguns juízes a transformaram em antecipação de pena. Esqueceram da presunção de inocência”.
O secretário da Administração Penitenciária de São Paulo, Lourival Gomes, reconheceu à Folha de S. Paulo que a ação repressora do Estado é mais eficiente hoje do que há dez anos, o que também contribui para o aumento da população carcerária: "Como as polícias Militar e Civil têm combatido mais os criminosos no estado, é natural que mais pessoas sejam presas". Em editorial, o mesmo jornal relacionou a queda nos índices de criminalidade no estado - maio registrou 9,77 homícios por 100 mil habitantes, o menor índice de violência social conhecido - com o crescimento da população nas prisões - a cada dia os presídios paulistas recebem 37 novos presos. E creditou essa façanha à atuação da polícia.
A situação paulista, que pode ser extrapolada para todo país, revela o lado perverso do fenômeno: a superlotação e desumanização dos presídios. O presídio de Hortolândia, no interior, construído para receber 2.600 presos, abriga hoje 6.100; o Cadeião de Pinheiros, na Capital, também guarda 5.200 detentos num espaço feito para 2.050. O estado tem 11 presídios em construção.
A média nacional da falta de espaço, embora um pouco melhor, também é dramática: faltam nas cadeias 198 mil vagas para os cerca de 500 mil presos. Mesmo assim, o sistema se dá ao luxo de manter na cadeia 50 mil presos de forma ilegal - gente que já deveria ter deixado a cadeia ou que sequer deveria ter sido presa. Outros 50 mil, que deveriam estar nas prisões, continuam nos xadrezes das delegacias.
O diretor-geral do Depen, Augusto Rossini, afirma que se a polícia continuar prendendo, a Justiça, quando couber, vai continuar condenando. No cargo desde 26 de janeiro, Rossini estabeleceu como meta encontrar soluções, não culpados. E adianta que o governo federal já liberou R$ 871 milhões aos estados para que sejam construídas 31 mil vagas em presídios.
O déficit carcerário, segundo ele, “já foi colocado de forma clara como prioridade do governo”. Exemplo disso, cita, são as novas leis de remissão de pena, em que para cada três dias de trabalho ou estudo, reduz-se um dia da pena. Há ainda a nova Lei das Cautelares, que prevê medidas cautelares alternativas à prisão, numa tentativa de diminuir o altíssimo índice de presos provisórios.
“Ônus da democracia”
Na conta do professor Fernando Salla, sociólogo do Núcleo de Estudos de Violência da USP, “de forma geral”, quando tem muita gente presa, é porque algo não vai bem. “É um ônus da democracia muito pouco discutido.”
Entretanto, ele não defende maior leniência do sistema penal, e sim estudar outras formas de punição que não passem necessariamente pela prisão. Ele corrobora a visão de Augusto Botelho, de que é preciso combater as causas que levam à criminalidade, e não apenas reprimir os ilícitos. Não adianta mexer em apenas uma ponta do problema.
Salla defende a criação de boas políticas sociais em “áreas sensíveis”, como ações relacionadas à inserção no mercado de trabalho, distribuição de renda e investimento em educação. Na opinião do sociólogo, o Brasil importou a cultura americana, “extremamente repressora e conservadora”, de combate à criminalidade. A política de tolerância zero ao crime, que determina a punição por mais insignificante que seja o crime, fez explodir o número de flagrantes e a quantidade de pessoas presas.
Segundo Salla, a política de “tolerância zero” ao crime nos Estados Unidos foi acompanhada de uma ação social correspondente. Foram mapeadas áreas de grande exclusão, altos índices de desemprego e baixa escolaridade e uma série de medidas foram tomadas. As autoridades brasileiras de Segurança Pública tentam emular o rigor penal da tolerância zero, mas esquecem da segunda parte do modelo americano.
Com 2,2 milhões de presos, os Estados Unidos têm a maior população carcerária do mundo, segundo o Escritório de Estatísticas da Justiça dos EUA (BJS, na sigla em inglês). Se contados os que estão em liberdade condicional ou em prisão cautelar, o número pula para 7,2 milhões, ou 3,1% dos adultos do país. Lá, a superlotação prisional é igual ou pior que aqui.
Em outros países desenvolvidos, principalmente na Europa, o encarceramento não deixa de ser um problema, mas é tratado de outra forma. O exemplo citado pelo professor Fernando Salla é o do tráfico de drogas: na maioria dos países do continente, ele não é considerado um crime violento, hediondo, então não resulta em flagrante e raramente em prisão – há penas alternativas. Na França, segundo o sociólogo, demorou dez anos para que a população carcerária crescesse 10%.
Questões proporcionais
A quantidade de crimes registrados não acompanha a evolução dos níveis de encarceramento no Brasil. Em 2005, segundo dados oficiais compilados pela ONG Fórum Brasileiro de Segurança Pública, foram cometidos 43 mil homicídios. Em 2008, o número manteve-se praticamente estável, em 43,6 mil assassinatos, alta de 1%. O número de presos por homicídio, no mesmo período, porém, aumentou 74%, passando de 26,2 mil para 45,8 mil encarcerados.
Situação diversa é vista com o tráfico de drogas. Entre 2008 e 2009, o número de ocorrências subiu 21%, de 54 mil para 66 mil. No mesmo período, o número de presos subiu 17%, de 77 mil para 91 mil.
Por outro lado, enquanto os investimentos federais em segurança pública, que incluem formação de policiais, construção de presídios e infraestrutura de segurança, foram de R$ 3,4 bilhões em 2009, o aporte da União em ações de reintegração social foi de R$ 1,5 bilhão no mesmo ano. Entre 2008 e 2009, a alta nos gastos com ações sociais foi de 7%. Com segurança, houve queda de 4%.
Seleção natural
A opção pelo enfoque nos pequenos ilícitos, na opinião do sociólogo Fernando Salla, acontece por causa de uma “seletividade da Justiça”. “É mais fácil ir à Cracolândia [região no centro de São Paulo onde há alto consumo de crack] e prender dez vendedores do que fazer uma investigação que chegue a grandes distribuidores. Se você fizer uma pesquisa, vai ver que não há grandes traficantes presos, só os pequenos, presos em flagrante”, provoca.
Segundo ele, a resposta do Estado à criminalidade é “muito mais política do que técnica”. Reprime-se o consumo de crack, os “aviõezinhos” de cocaína nas favelas e os vendedores de mercadorias contrabandeadas. Mas não se investigam as rotas de tráfico ou como os contrabandistas conseguem suas mercadorias. Para Salla, todo o sistema judicial é feito para prender os pequenos criminosos. Desde o flagrante, ao depoimento do policial, às condições de defesa de pessoas mais pobres.
Os dados são da Ong Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Várias explicações podem ser encontradas para se entender o fenômeno do crescimento da população carcerária. Os números mostram que o endurecimento na punição de certos crimes levou mais gente às prisões. O exemplo mais claro é o do tráfico de drogas. Enquanto em 2005 havia 31 mil presos por tráfico, nacional e internacional, em 2010, o número era de 100 mil presos. Na comparação com os 91 mil presos de 2009, a alta de 2010 foi de mais de 10%.
Movimento semelhante é visto nos números de presos por homicídio. Em dezembro de 2010 o Depen contabilizou 49 mil, 88% acima das 26 mil pessoas registradas no mesmo mês de 2005. Em 2009, os presos por homicídio eram 50,6 mil. Ou seja, no último ano contabilizado, registrou-se uma pequena queda no número de homicidas presos. O número de homicídios, contudo, manteve-se estável. Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública foram registrados 43 mil homicídios em 2005 e em 2008.
Só que o maior rigor das leis não pode ser considerado uma vitória na luta contra o crime. Para o advogado Augusto de Arruda Botelho, vice-presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa, os dados do Depen mostram os “equívocos da política de combate à criminalidade”. Em vez de tentar resolver os crimes e apurar suas causas, procura-se a repressão, “que invariavelmente passa pelo aumento da pena”, diz.
Esse aumento, para Botelho, é sempre em resposta ao clamor popular, ou a alguma observação feita pelo Legislativo: “Aumentou o tráfico de drogas no país? Aumenta-se a pena para traficantes; se a sociedade ficou mais violenta, aumentam a pena para homicídios, sem que se pense nas causas da criminalidade”. Historicamente, para ele, o Estado brasileiro exerce a função de repressor, sem se preocupar com o verdadeiro problema — o que leva as pessoas ao crime.
No caso do tráfico de drogas, Botelho acredita que o problema está no entendimento do que é porte para venda e para uso. O critério da lei, segundo ele, é flexível demais, o que gera inúmeros flagrantes e, consequentemente, prisões provisórias.
Outro ponto apontado pelo advogado é que o tráfico acabou taxado como crime em que não cabe liberdade provisória, sem que se analisem os casos concretos - para ele, a liberdade condicional é aplicada às pessoas, e não aos crimes. Cada caso é um caso.
O encarceramento provisório, que engloba os flagrantes e as medidas cautelares, de fato se multiplicou nos últimos anos. Em 2010, eram 165 mil presos provisórios, cerca de 40% do total de presos no ano. Desde 2005, quando os provisórios eram 91 mil, o aumento foi de 80%.
Botelho aponta três fatores para explicar o aumento do número de presos por homicídio: o aumento da criminalidade, a melhoria na qualidade das investigações policiais, que resultam em mais prisões, e, principalmente uma mudanças na mentalidade dos magistrados.
Os juízes, diz o advogado, passaram a considerar a prisão provisória necessária em casos de assassinato. Em vez de exceção, aplicada apenas quando necessário, o encarceramento processual virou regra. Na opinião de Botelho, é um “reflexo absurdo da banalização da prisão preventiva no país”. “Infelizmente alguns juízes a transformaram em antecipação de pena. Esqueceram da presunção de inocência”.
O secretário da Administração Penitenciária de São Paulo, Lourival Gomes, reconheceu à Folha de S. Paulo que a ação repressora do Estado é mais eficiente hoje do que há dez anos, o que também contribui para o aumento da população carcerária: "Como as polícias Militar e Civil têm combatido mais os criminosos no estado, é natural que mais pessoas sejam presas". Em editorial, o mesmo jornal relacionou a queda nos índices de criminalidade no estado - maio registrou 9,77 homícios por 100 mil habitantes, o menor índice de violência social conhecido - com o crescimento da população nas prisões - a cada dia os presídios paulistas recebem 37 novos presos. E creditou essa façanha à atuação da polícia.
A situação paulista, que pode ser extrapolada para todo país, revela o lado perverso do fenômeno: a superlotação e desumanização dos presídios. O presídio de Hortolândia, no interior, construído para receber 2.600 presos, abriga hoje 6.100; o Cadeião de Pinheiros, na Capital, também guarda 5.200 detentos num espaço feito para 2.050. O estado tem 11 presídios em construção.
A média nacional da falta de espaço, embora um pouco melhor, também é dramática: faltam nas cadeias 198 mil vagas para os cerca de 500 mil presos. Mesmo assim, o sistema se dá ao luxo de manter na cadeia 50 mil presos de forma ilegal - gente que já deveria ter deixado a cadeia ou que sequer deveria ter sido presa. Outros 50 mil, que deveriam estar nas prisões, continuam nos xadrezes das delegacias.
O diretor-geral do Depen, Augusto Rossini, afirma que se a polícia continuar prendendo, a Justiça, quando couber, vai continuar condenando. No cargo desde 26 de janeiro, Rossini estabeleceu como meta encontrar soluções, não culpados. E adianta que o governo federal já liberou R$ 871 milhões aos estados para que sejam construídas 31 mil vagas em presídios.
O déficit carcerário, segundo ele, “já foi colocado de forma clara como prioridade do governo”. Exemplo disso, cita, são as novas leis de remissão de pena, em que para cada três dias de trabalho ou estudo, reduz-se um dia da pena. Há ainda a nova Lei das Cautelares, que prevê medidas cautelares alternativas à prisão, numa tentativa de diminuir o altíssimo índice de presos provisórios.
“Ônus da democracia”
Na conta do professor Fernando Salla, sociólogo do Núcleo de Estudos de Violência da USP, “de forma geral”, quando tem muita gente presa, é porque algo não vai bem. “É um ônus da democracia muito pouco discutido.”
Entretanto, ele não defende maior leniência do sistema penal, e sim estudar outras formas de punição que não passem necessariamente pela prisão. Ele corrobora a visão de Augusto Botelho, de que é preciso combater as causas que levam à criminalidade, e não apenas reprimir os ilícitos. Não adianta mexer em apenas uma ponta do problema.
Salla defende a criação de boas políticas sociais em “áreas sensíveis”, como ações relacionadas à inserção no mercado de trabalho, distribuição de renda e investimento em educação. Na opinião do sociólogo, o Brasil importou a cultura americana, “extremamente repressora e conservadora”, de combate à criminalidade. A política de tolerância zero ao crime, que determina a punição por mais insignificante que seja o crime, fez explodir o número de flagrantes e a quantidade de pessoas presas.
Segundo Salla, a política de “tolerância zero” ao crime nos Estados Unidos foi acompanhada de uma ação social correspondente. Foram mapeadas áreas de grande exclusão, altos índices de desemprego e baixa escolaridade e uma série de medidas foram tomadas. As autoridades brasileiras de Segurança Pública tentam emular o rigor penal da tolerância zero, mas esquecem da segunda parte do modelo americano.
Com 2,2 milhões de presos, os Estados Unidos têm a maior população carcerária do mundo, segundo o Escritório de Estatísticas da Justiça dos EUA (BJS, na sigla em inglês). Se contados os que estão em liberdade condicional ou em prisão cautelar, o número pula para 7,2 milhões, ou 3,1% dos adultos do país. Lá, a superlotação prisional é igual ou pior que aqui.
Em outros países desenvolvidos, principalmente na Europa, o encarceramento não deixa de ser um problema, mas é tratado de outra forma. O exemplo citado pelo professor Fernando Salla é o do tráfico de drogas: na maioria dos países do continente, ele não é considerado um crime violento, hediondo, então não resulta em flagrante e raramente em prisão – há penas alternativas. Na França, segundo o sociólogo, demorou dez anos para que a população carcerária crescesse 10%.
Questões proporcionais
A quantidade de crimes registrados não acompanha a evolução dos níveis de encarceramento no Brasil. Em 2005, segundo dados oficiais compilados pela ONG Fórum Brasileiro de Segurança Pública, foram cometidos 43 mil homicídios. Em 2008, o número manteve-se praticamente estável, em 43,6 mil assassinatos, alta de 1%. O número de presos por homicídio, no mesmo período, porém, aumentou 74%, passando de 26,2 mil para 45,8 mil encarcerados.
Situação diversa é vista com o tráfico de drogas. Entre 2008 e 2009, o número de ocorrências subiu 21%, de 54 mil para 66 mil. No mesmo período, o número de presos subiu 17%, de 77 mil para 91 mil.
Por outro lado, enquanto os investimentos federais em segurança pública, que incluem formação de policiais, construção de presídios e infraestrutura de segurança, foram de R$ 3,4 bilhões em 2009, o aporte da União em ações de reintegração social foi de R$ 1,5 bilhão no mesmo ano. Entre 2008 e 2009, a alta nos gastos com ações sociais foi de 7%. Com segurança, houve queda de 4%.
Seleção natural
A opção pelo enfoque nos pequenos ilícitos, na opinião do sociólogo Fernando Salla, acontece por causa de uma “seletividade da Justiça”. “É mais fácil ir à Cracolândia [região no centro de São Paulo onde há alto consumo de crack] e prender dez vendedores do que fazer uma investigação que chegue a grandes distribuidores. Se você fizer uma pesquisa, vai ver que não há grandes traficantes presos, só os pequenos, presos em flagrante”, provoca.
Segundo ele, a resposta do Estado à criminalidade é “muito mais política do que técnica”. Reprime-se o consumo de crack, os “aviõezinhos” de cocaína nas favelas e os vendedores de mercadorias contrabandeadas. Mas não se investigam as rotas de tráfico ou como os contrabandistas conseguem suas mercadorias. Para Salla, todo o sistema judicial é feito para prender os pequenos criminosos. Desde o flagrante, ao depoimento do policial, às condições de defesa de pessoas mais pobres.
Pedro Canário é repórter da revista Consultor Jurídico.
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