Roberto Gurgel critica Regime Diferenciado de Contratação e diz que “muito provávelmente” ajuizará Ação Direta de Inconstitucionalidade para derrubar a regra simplificada de concorrência para as obras do campeonato mundial de futebol
Roberto Gurgel cogita recorrer ao STF contra novas regras de licitação para a Copa do Mundo |
Eduardo Militão
O Ministério Público estuda recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para derrubar a futura lei que vai criar um regime especial para as licitações da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016. O procurador geral da República, Roberto Gurgel, criticou vários pontos do projeto e afirmou que “muito provavelmente” questionará a futura lei com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) assim que o Regime Diferenciado de Contratação (RDC) for aprovado pelo Senado e sancionado pela presidenta Dilma Rousseff.
“Isso vai ser examinado com toda a prioridade e é muito provável que seja arguida a constitucionalidade”, afirmou ele ao Congresso em Foco no final da tarde de ontem (30) em Brasília. Embora ainda não assegure que recorrerá contra o RDC, Gurgel deixa claro que tem profundas restrições ao regime de licitação simplificada proposto pelo governo. “A posição do Ministério Público é que a gente está criando todo um cenário, todas as condições para gravíssimos problemas de mau trato ao patrimônio público.” Gurgel disse que a intenção é “agir muito rapidamente”, assim que a futura lei for sancionada, para evitar danos aos cofres públicos. O procurador tem pressa em eventualmente entrar com uma Adin no STF, inclusive porque o governo quer acelerar as licitações das obras da Copa, muitas delas atrasadas conforme atestam o Ipea e o próprio Ministério do Esporte.
Gurgel conversou ontem com o coordenador do grupo de trabalho de procuradores da República encarregado de fiscalizar a organização da Copa do Mundo, Athayde Ribeiro. Atahayde já fez uma nota técnica repudiando o Regime Diferenciado de Contratação e fará uma representação ao procurador geral da República pedindo a Adin.
“A linha de argumentação é aquela que constou da nota técnica, em que são apontados os problemas principais. Agora, nesta representação serão agregados outros pontos”, contou Gurgel, depois de falar com Athayde. O procurador geral disse que concorda com todos os pontos do parecer jurídico feito pelo GT que considera o regime especial uma forma de desviar de dinheiro nas licitações.
Athayde Ribeiro confirmou que a representação pedindo uma ação de inconstitucionalidade vai incluir ainda mais argumentos do que a nota técnica anterior, mostrando outras contradições do RDC com a Constituição. Por isso, Gurgel não garante neste momento que vai ao Supremo, embora demonstre ter convicções de que o modelo de licitações seja altamente prejudicial ao bolso dos contribuintes. “Não vi ainda os outros pontos que ele [Athayde] diz que ainda serão agregados na representação, por isso digo ‘muito provavelmente’, porque a gente vai examinar o conjunto”, afirma o procurador geral.
Aprovado na Câmara e em discussão no Senado, o RDC entrega às construtoras toda a responsabilidade para entregar o projeto básico e a obra pronta em condições de uso, cria o "anteprojeto de engenharia", considerado risco de sobrepreço por órgãos de fiscalização, põe em sigilo as estimativas de orçamento do governo e simplifica as concorrências reduzindo recursos e prazos. A proposta deve ser votada até o dia 15 para não perder a validade, mas a base aliada no Senado quer aprová-la já na semana que vem.
Além das inconstitucionalidades, Gurgel e Athayde elegem o turn key, a chamada contratação integrada, como um dos principais vilões do RDC. O sistema é exatamente a maior inovação do regime de contratações bancado pelo governo Dilma e sua base no Congresso.
O procurador geral obteve informações com colegas do Ministério Público sobre experiências negativas do turn key no Brasil, usado sem base legal em licitações de aeroportos. “Os resultados foram péssimos. Não houve economia, pelo contrário”, reclamou Gurgel.
De acordo com o procurador Athayde, o grande defeito do turn key são os anteprojetos de engenharia, que são genéricos e permitem sobrepreços, na visão do coordenador do GT da Copa. Hoje, a lei das licitações determina que o governo tem que fazer um projeto básico da obra – com a definição clara do que quer comprar, incluindo os itens que serão utilizados na construção – e só depois o edital de concorrência é publicado. No RDC, haverá apenas um anteprojeto feito pelos administradores públicos. As empreiteiras é que terão que fazer o projeto básico, dar o preço e tocar todo o serviço, entregando a obra em condições de uso.
“O anteprojeto é genérico. Ou serão necessários aditivos contratuais ou as obras serão superfaturadas em níveis descontrolados. Não é possível, com base em um simples desenho, se definir o que vai ser colocado dentro da obra”, dispara Athayde.
Para o procurador, a regra atual permite que os concorrentes tenham igualdade de oportunidade e que as condições da licitação sejam mantidas. O coordenador do GT da Copa lembra que o texto diz que o valor estimado das obras será calculado com base em “orçamento sintético” e “expedito” ou por “metodologia expedita”, ou seja, rápida e desembaraçada.
Lista livre de obras
Para Athayde, a lista de obras da Copa do Mundo é um problema grave, porque ele entende que os governos federal, estaduais e municipais terão liberdade demais para definir o que vai ou não utilizar o regime especial. Existe uma matriz de responsabilidades que indica que empreendimentos poderão ser beneficiados, mas o Tribunal de Contas da União cobra a atualização dessa lista, como mostrou o Congresso em Foco.
“Isso é uma arbitrariedade”, afirmou Athayde ao site. O procurador lembra que um dos problemas mais graves dos Jogos Panamericanos do Rio de Janeiro, em 2007, foi a matriz desatualizada. O custo antes estimado em menos de R$ 1 bilhão, superou os R$ 4 bilhões ao final do evento.
O mesmo pode acontecer com as Olimpíadas. Um artigo do regime diz que, enquanto a lista de obras dos Jogos de 2016 não estiver pronto, o governo tem liberdade para indicar quais são os “empreendimentos imprescindíveis” para a realização do evento. “Isso chancela todo o mau planejamento do gestor público brasileiro”, criticou Athayde.
Sigilo
Gurgel afirmou que há pontos mais importantes e críticos no projeto do que o sigilo das estimativas orçamentárias das obras, embora ele ainda nutra desconfianças sobre o texto aprovado na Câmara e que teve uma emenda para melhorar a redação. “Eu sou uma pessoa que não acredita em milagres. Isso é vendido como isso: que a partir daí os preços vão cair muito. Tomara que eles estejam certos”, disse o procurador geral, cético.
O governo discorda diametralmente do Ministério Público. Na quarta-feira (28), o ministro do Esporte, Orlando Silva, disse que “genérica” era a crítica dos procuradores da República contra o anteprojeto. O líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP), já chamou de “panfleto” a nota técnica do GT da Copa. Acionada pelo Executivo, a Advocacia Geral da União (AGU) fez um parecer jurídico para se contrapor às posições da Procuradoria Geral da República. Até as empreiteiras, supostas beneficiárias das mazelas do novo sistema, se posicionam contra a modalidade de licitações proposta.
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