Quase 200 deputados e senadores respondem a inquéritos ou ações penais no Supremo Tribunal Federal. Crimes eleitorais e contra a administração pública predominam, mas também há acusações de homicídio, sequestro e tráfico
Responder a um processo judicial não faz de ninguém culpado da acusação que lhe é atribuída. Numa democracia digna desse nome, prevalece o princípio da presunção da inocência. Em bom português, significa que todos são inocentes até prova em contrário. Também é fato que homens públicos podem ser vítimas de denúncias falsas ou exacerbadas pela sua própria condição política e social. Autoridades, felizmente, tendem a ser mais vigiadas e denunciadas do que cidadãos anônimos.
Nada disso tira a gravidade da realidade descortinada pela Revista Congresso em Foco, na sua terceira edição, que chega às bancas nesta semana, ao levantar as acusações em andamento contra os atuais deputados federais e senadores na mais alta corte judicial do país, a única que pode apurar e julgar as denúncias criminais envolvendo congressistas.
O levantamento demonstra que um em cada três integrantes do Congresso Nacional está sob investigação no Supremo Tribunal Federal. Dos 594 parlamentares, pelo menos 191 (160 deputados e 31 senadores) são alvos de 446 inquéritos (procedimentos preliminares de investigação) e ações penais (processos que podem resultar na condenação). Quase 40% dos 81 senadores têm contas a acertar no STF.
Alguns detalhes tornam mais preocupantes as conclusões do trabalho. Pra começar, estamos falando de quem a população escolheu para legislar em seu nome, naqueles que deveriam ser para toda a sociedade exemplos de boa conduta.
Encrencas cabeludas
Chama atenção ainda o fato de as acusações terem extrapolado o repertório tradicional, e já grave, praticamente restrito às denúncias de crimes eleitorais ou de mau uso do dinheiro público. Atos praticados em campanhas eleitorais e no exercício de outros cargos públicos, no Executivo ou no Legislativo, continuam abarcando a grande maioria dos mais de 20 tipos diferentes de crimes imputados aos parlamentares. Mas alguns deles se veem às voltas agora com encrencas mais cabeludas, como suspeitas de envolvimento em homicídio, sequestro e associação ao tráfico de drogas.
Para completar, o passivo judicial dos congressistas acaba de alcançar patamar inédito. Desde que o Congresso em Foco começou a fazer essa pesquisa, de maneira pioneira, ainda em 2004, jamais houve número tão elevado de deputados e senadores respondendo a acusações criminais no Supremo.
Relação democrática
“Os números são assustadores”, constata o cientista político Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), acrescentando outro ingrediente que não pode passar em branco. “Para chegar ao STF, a denúncia tem de ter alguma solidez. Se levarmos em conta que também há parlamentares com problemas nos tribunais de contas, teremos perto da metade do Congresso sob suspeita”, afirma ele.
Apenas nos últimos 12 meses, o número de parlamentares com pendências no Supremo cresceu 40% e as investigações em curso saltaram mais de 50%. Já chegou a 85 o total de deputados e senadores que figuram como réus no STF, em 131 ações penais. Um inquérito se transforma em ação penal quando os ministros do Supremo entendem que há indícios de que os acusados cometeram mesmo algum tipo de crime.
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