DEBATE ABERTO
Durante seus 69 anos de sacerdócio, destacou-se por seu conservadorismo teológico (muito próximo dos papas Woityla e Ratzinger) e por uma ação, oculta, longe dos holofotes, de intensa defesa dos direitos humanos, incluindo aí a literal salvação de cerca 4 mil refugiados políticos de todo o continente sul-americano.
Francisco Carlos Teixeira
Morreu ontem, 9/07/2012, aqui no Rio de Janeiro – no Palacete São Joaquim, no Alto da Floresta do Sumaré, o cardeal emérito do Rio de Janeiro, Dom Eugênio Salles. Durante seus 69 anos de sacerdócio, incluindo aí 43 anos como cardeal, destacou-se por seu conservadorismo teológico ( muito próximo dos papas Woityla e Ratzinger ) e por uma ação, oculta, longe dos holofotes, de intensa defesa dos direitos humanos, incluindo aí a literal salvação de cerca 4 mil refugiados políticos de todo o continente sul-americano.
Um pastor nordestino
Eugenio Salles nasceu na fazenda Catuana, na pequena Acari, no Rio Grande do Norte, em 1920. Sua ligação com a terra, com os homens da terra, sempre foi intensa. O sofrimento e as injustiças da Questão Agrária no Brasil estavam vivas, de primeira mão, na sua consciência. Mesmo antes de tornar-se sacerdote pensou em ajudar os pobres do campo, optando por ser agrônomo. Contudo, sua vocação religiosa – uma marca de família – o manteve no sacerdócio. Ainda assim, como padre, buscou minorar as condições de vida dos trabalhadores rurais do Rio Grande Norte através da criação dos primeiros sindicatos rurais – o que lhe valeu, na época, o epíteto de “padre vermelho” por parte da oligarquia desalmada e da mídia reacionária. Não se tratava, ao contrário da Teologia da Libertação, que viria depois, de uma opção política ou ideológica “preferencial pelos pobres”. Para o padre Eugênio simplesmente a pobreza e exploração feriam, espiritualmente e fisicamente, o corpo criado por deus, que deveria ser santificado.
Um conservador eclesiástico
Como bispo e cardeal Eugênio Salles não titubeou em usar seus poderes e a hierarquia eclesiástica para impedir a expansão da Teologia da Libertação e dos exegetas progressistas.
Manteve-se, desde 1964, perto dos militares e das autoridades civis do regime, a quem nunca desafiou ou criticou abertamente. Contudo, em 1972, quando o arqui-reacionário católico Gustavo Corção – que das páginas de O GLOBO atacava intelectuais de esquerda e religiosos progressistas – Dom Eugênio achou por bem condenar a virulência do autor e, em carta pastoral, conclamar os católicos a não darem ouvidos as catilinárias de Corção.
Para o bispo-cardeal, contudo, a militância da esquerda católica era, ela também, um desafio ao que considerava a verdadeira mensagem dos Evangelhos. Assim, Frei Beto, e os irmãos Boff foram alvo, sistematicamente, de duras críticas e, mesmo, de interditos. O próprio professorado na PUC foi impedido aos progressistas. Da mesma forma, assumiu uma postura dura e, no limite, uma justiça “bíblica” sobre questões sociais da magnitude da epidemia de Aids, a questão da união civil do clero e do aborto.
Chegou, mesmo, a assumir uma polêmica desnecessária, pouco inteligente, com a Escola de Samba Beija-Flor, ao entrar na Justiça e impedir o desfile da escola com a imagem do Cristo Redentor vestido de mendigo.
Porém, não era só a esquerda que se tornava alvo do cardeal do Rio. As novas modalidades de evangelização, a busca dos católicos em imitação aos cultos “televisivos” dos pentecostais, foi duramente condenada por Dom Eugênio. Assim, o Rio tornou-se terra “não grata” aos “shows” de Padre Marcelo, e de seus êmulos, e em especial a “socialização” destes em programas de televisão onde eram tratados, e misturavam-se, a celebridades e escândalos televisivos.
O Pastor dos perseguidos
No entanto, mostrando e comprovando como pessoas são complexas, múltiplas, Dom Eugênio, a partir de 1976, desenvolveu, manteve e sustentou, uma rede subterrânea de abrigo e proteção para alguns milhares de perseguidos políticos da Argentina, Uruguai, Paraguai e Chile, além de dezenas de brasileiros.
Eram militantes políticos de oposição – muitos ateus convictos! – que conseguiam, por sorte, escapar aos horrores da “guerra sucia” na Argentina ou aos “campos de concentração” chilenos e chegavam, exaustos, por terra, muitos caminhando, ao Brasil. Outros eram refugiados paraguaios e uruguaios e, em fim, foragidos brasileiros. Ao todo foram cerca de 4 mil refugiados que encontraram abrigo no palácio São Joaquim, no alto do Sumaré. Em alguns momentos tratava-se de cerca de 15 pessoas por semana. Dom Eugênio criou uma vasta, financiou e protegeu uma rede de pequenos apartamentos, todos em nome da Cúria (chegaram a 80 residências ) e abrigou tais pessoas. Em outros casos, conseguia passaportes – de países europeus – e os escoltava em seu carro até o aeroporto.
No Rio, em nome da Pastoral dos Presídios, visitava presos políticos, reclamava de maus tratos, impunha visitas de familiares e transferências para presídios “normais”.
Dom Eugênio nunca se sentiu herói ou defendeu posturas progressistas da Teologia da Libertação (muito ao contrário), tratava-se, para ele, da dignidade do corpo, imitação e criação de deus. Assim, na sua visão conservadora, tornou-se um dos dignos da história da nossa resistência.
Que o deus dos justos o receba.
Um pastor nordestino
Eugenio Salles nasceu na fazenda Catuana, na pequena Acari, no Rio Grande do Norte, em 1920. Sua ligação com a terra, com os homens da terra, sempre foi intensa. O sofrimento e as injustiças da Questão Agrária no Brasil estavam vivas, de primeira mão, na sua consciência. Mesmo antes de tornar-se sacerdote pensou em ajudar os pobres do campo, optando por ser agrônomo. Contudo, sua vocação religiosa – uma marca de família – o manteve no sacerdócio. Ainda assim, como padre, buscou minorar as condições de vida dos trabalhadores rurais do Rio Grande Norte através da criação dos primeiros sindicatos rurais – o que lhe valeu, na época, o epíteto de “padre vermelho” por parte da oligarquia desalmada e da mídia reacionária. Não se tratava, ao contrário da Teologia da Libertação, que viria depois, de uma opção política ou ideológica “preferencial pelos pobres”. Para o padre Eugênio simplesmente a pobreza e exploração feriam, espiritualmente e fisicamente, o corpo criado por deus, que deveria ser santificado.
Um conservador eclesiástico
Como bispo e cardeal Eugênio Salles não titubeou em usar seus poderes e a hierarquia eclesiástica para impedir a expansão da Teologia da Libertação e dos exegetas progressistas.
Manteve-se, desde 1964, perto dos militares e das autoridades civis do regime, a quem nunca desafiou ou criticou abertamente. Contudo, em 1972, quando o arqui-reacionário católico Gustavo Corção – que das páginas de O GLOBO atacava intelectuais de esquerda e religiosos progressistas – Dom Eugênio achou por bem condenar a virulência do autor e, em carta pastoral, conclamar os católicos a não darem ouvidos as catilinárias de Corção.
Para o bispo-cardeal, contudo, a militância da esquerda católica era, ela também, um desafio ao que considerava a verdadeira mensagem dos Evangelhos. Assim, Frei Beto, e os irmãos Boff foram alvo, sistematicamente, de duras críticas e, mesmo, de interditos. O próprio professorado na PUC foi impedido aos progressistas. Da mesma forma, assumiu uma postura dura e, no limite, uma justiça “bíblica” sobre questões sociais da magnitude da epidemia de Aids, a questão da união civil do clero e do aborto.
Chegou, mesmo, a assumir uma polêmica desnecessária, pouco inteligente, com a Escola de Samba Beija-Flor, ao entrar na Justiça e impedir o desfile da escola com a imagem do Cristo Redentor vestido de mendigo.
Porém, não era só a esquerda que se tornava alvo do cardeal do Rio. As novas modalidades de evangelização, a busca dos católicos em imitação aos cultos “televisivos” dos pentecostais, foi duramente condenada por Dom Eugênio. Assim, o Rio tornou-se terra “não grata” aos “shows” de Padre Marcelo, e de seus êmulos, e em especial a “socialização” destes em programas de televisão onde eram tratados, e misturavam-se, a celebridades e escândalos televisivos.
O Pastor dos perseguidos
No entanto, mostrando e comprovando como pessoas são complexas, múltiplas, Dom Eugênio, a partir de 1976, desenvolveu, manteve e sustentou, uma rede subterrânea de abrigo e proteção para alguns milhares de perseguidos políticos da Argentina, Uruguai, Paraguai e Chile, além de dezenas de brasileiros.
Eram militantes políticos de oposição – muitos ateus convictos! – que conseguiam, por sorte, escapar aos horrores da “guerra sucia” na Argentina ou aos “campos de concentração” chilenos e chegavam, exaustos, por terra, muitos caminhando, ao Brasil. Outros eram refugiados paraguaios e uruguaios e, em fim, foragidos brasileiros. Ao todo foram cerca de 4 mil refugiados que encontraram abrigo no palácio São Joaquim, no alto do Sumaré. Em alguns momentos tratava-se de cerca de 15 pessoas por semana. Dom Eugênio criou uma vasta, financiou e protegeu uma rede de pequenos apartamentos, todos em nome da Cúria (chegaram a 80 residências ) e abrigou tais pessoas. Em outros casos, conseguia passaportes – de países europeus – e os escoltava em seu carro até o aeroporto.
No Rio, em nome da Pastoral dos Presídios, visitava presos políticos, reclamava de maus tratos, impunha visitas de familiares e transferências para presídios “normais”.
Dom Eugênio nunca se sentiu herói ou defendeu posturas progressistas da Teologia da Libertação (muito ao contrário), tratava-se, para ele, da dignidade do corpo, imitação e criação de deus. Assim, na sua visão conservadora, tornou-se um dos dignos da história da nossa resistência.
Que o deus dos justos o receba.
(*) Professor na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
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