O país registra uma morte a cada 28 horas. Só no ano passado, 312 gays, lésbicas e travestis foram mortos, a maioria com requintes de crueldade
Wanderson Silva faria 16 anos no dia 28 de outubro, mas foi brutalmente assassinado na semana passada. Hoje, faz parte das estatísticas de crimes homofóbicos registrados no Brasil. Segundo o Grupo Gay da Bahia (GGB), que registra os casos de assassinatos da população LGBT (lésbicas, gays,bissexuais e transgêneros) a partir de informações publicadas em jornais e enviadas por organizações não governamentais, um homossexual é morto a cada 28 horas no Brasil. Ano passado, foram 312 gays, travestis e lésbicas assassinados. Uma pequena redução em relação a 2012, quando foram registradas 338 mortes. Nas duas últimas semanas, já são 13 casos. O Brasil também lidera o ranking do assassinato de transexuais. Segundo relatório da ONG internacional Transgender Europe, o Brasil, entre janeiro de 2008 e abril de 2013, teve 486 mortes de transexuais.
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De janeiro até agora, foram 214 mortes, a maioria delas de forma violenta. Caso de Wanderson, assassinado quarta-feira, em Bayeux, no interior da Paraíba. Antes de ser morto com tiros na nuca e no peito, foi espancado e teve o cabelo, uma longa franja pintada de vermelho, raspado. Nenhum pertence do garoto foi levado. Mesmo fim teve João Antônio Donati, de 18, também homossexual, espancado e asfixiado, em 11 de setembro, com uma sacola plástica e pedaços de papel colocados à força em sua boca. E a travesti Karen Alanis, de 23, morta no início de setembro, em Caçapava, no interior de São Paulo, depois de ter sido jogada para fora de um veículo em movimento.
De acordo com um dos fundadores do Grupo Gay da Bahia, o antropólogo Luiz Mott, o Brasil segue campeão de assassinatos da população LGBT, segundo um ranking mundial feito pela Associação Internacional de Gays e Lésbicas, em inglês, International Lesbian and Gay Association (ILGA). Segundo ele, no ano passado, o Brasil foi responsável por 44% das mortes de LGBTs em todo o mundo. “E olha que os nossos números de mortes são subnotificados, pois, infelizmente, não existe no Brasil um banco de dados governamental sobre mortes de LGBT.”
Recentemente, no Rio de Janeiro, de acordo com Mott, a orientação sexual da vítima passou a constar nos boletins de ocorrência da Polícia Militar, o que facilita o levantamento desses casos. “Mas é uma atitude isolada.” Para Mott, a conquista de direitos e a população alcançada nos últimos anos são um dos motivos da escalada da violência contra a população LGBT. “Quanto mais pessoas saem do armário, mais ódio elas despertam.”
Responsabilidade
Para Majú Giorgi, de 48, jornalista e uma das fundadoras do movimento “Mães pela igualdade”, criada para combater o preconceito enfrentado pelas famílias que têm filhos homossexuais, o estado também é um dos responsáveis por essa escalada de violência. “Ele tem sim responsabilidade por essa realidade absurda à medida que se ajoelha ao fundamentalismo e às forças conservadoras e inibe ações de políticas públicas para essa população, quando não faz absolutamente nada para proteger a fragilidade dessas pessoas”, critica.
Um exemplo disso, segundo ele, é a retirada do kit anti-homofobia das escolas. O material era um manual para preparar professores para lidar com a discriminação e o bullyng homotransfóbico na escola pública e que foi retirado pelo Ministério da Educação por causa da pressão da bancada evangélica, que acusava a cartilha de ser um incentivo à homossexualidade. “Não vejo saída se a sociedade não se levantar para defender essa minoria que está sendo perseguida, humilhada, vilipendiada, torturada e morta. Por isso, vamos debater com a sociedade, que é o caminho que nos resta e também o menos nebuloso e o mais isento”, defende Majú, mãe do fotógrafo André Giorgi, de 25, que na adolescência assumiu ser gay e sempre teve o apoio da família.
Avelino Fortuna, de 59, agrimensor, também faz parte do movimento “Mães pela diversidade”. Ele entrou no grupo depois que seu filho, o jornalista Lucas Fortuna, de 28, foi assassinado no final de 2012, em Pernambuco, também vítima de homofobia. “Ele foi espancado brutalmente e depois jogado no mar. A carteira dele não foi levada. Para a gente, a motivação foi a homofobia”, conta seu Avelino, que só se refere ao filho como “meu menino”. Segundo ele, cada “menino” que morre como o dele é como se Lucas tivesse sendo de novo assassinado.
Avelino cobra rigor na legislação que pune crimes de ódio, legislação ainda inexistente no Brasil. Desde 2010, tramita um projeto de lei que criminaliza a homofobia e este ano a deputada federal Maria do Rosário, que foi ministra da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, protocolou um projeto de lei que aumenta a pena para os chamados crimes de ódio, incluindo os motivados por preconceito em relação à orientação sexual.
Depoimentos
Avelino Furtado, de 59 anos , agrimensor, pai de Lucas Furtado, jornalista e militante LGBT, assassinado aos 28 anos
“A orientação sexual não tem nada a ver com o caráter da pessoa. Aprendi a amar mais ainda meu filho no dia em que descobri que ele não era o machão que a sociedade queria que ele fosse, mas era um grande homem. Um dos melhores que já conheci. Infelizmente, teve sua vida arrancada logo cedo por causa do preconceito, da homofobia. Como meu menino, muitos outros estão sendo mortos por aí, da mesma maneira cruel, pelos mesmos motivos. Sofro muito, Não podemos aceitar que isso continue acontecendo.”
Joselito Costa, de 46 anos, carreteiro, pai de Wanderson Silva, assassinado aos 15 anos
O preçio
“Tem muito preconceito contra homossexual, mas nada justifica a violência que vem sendo praticada. Meu filho só tinha 15 anos. Sempre foi um menino bom, extrovertido. Quando ficou rapazinho, virou gay e nem todo mundo aceita isso. Tem gente que não suporta conviver com gays. Acho que essa violência acontece por isso. A família está toda em choque com a violência. Foi muita perversidade.”
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