Acorda, Policial e Bombeiro Militar!


O verdadeiro desafio não é inserir uma idéia nova na mente militar, mas sim expelir a idéia antiga" (Lidell Hart)
Um verdadeiro amigo desabafa-se livremente, aconselha com justiça, ajuda prontamente, aventura-se com ousadia, aceita tudo com paciência, defende com coragem e continua amigo para sempre. William Penn.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Crônica da longa tarde em que fomos reprimidos por defender a consciência — e decidimos voltar à luta






Por Bruno Torturra, do Coletivo DAR – Desentorpecendo a Razão

Sabem de uma coisa? Sábado eu fui à marcha da maconha e usei tóxicos. Usei mesmo! Eu e uma cambada que descia a Consolação. Ficamos com os olhos vermelhinhos, tossindo pra caramba. Como a gente descolou a parada? Ora, com a Polícia Militar de São Paulo, com quem mais? O tóxico, no caso, chama-se Clorobenzilidenemalononitrila, o gás CS, mais conhecido como gás lacrimogênio. É considerado uma “arma branca” pelas forças de segurança, e toda tropa de choque que se preza porta um belo estoque quando vai às ruas.
Sábado, tive a involuntária chance de tragar o gás em quatro oportunidades. A primeira foi na frente de um abandonado cinema Belas Artes. Uma bomba de efeito moral estourou bem ao meu lado, e meu ouvido zuniu pelo resto do dia. Corri, e tive a sabedoria de não olhar para trás quando escutei os tiros de escopetas com balas de borracha. Elas não matam, mas cegam facilmente quem as toma nos olhos. Estava seguindo em frente pelo canteiro do meio da Consolação, entre os desavisados cidadãos que esperavam um ônibus no ponto do corredor. Foi ali que o gás chegou primeiro em meus olhos e narinas. Bem como nas mucosas de crianças, jovens, adultos e idosos de ambos os sexos que esperavam uma condução apenas.
A última inalada, e mais intensa, foi entre as esquinas da Consolação com Sergipe e Maria Antônia. Eu já não estava mais no miolo da manifestação, mas seguia pelo outro lado da rua, tirando fotos da tropa de choque e me juntando ao coro de manifestantes que, já meio dispersos, apontavam suas palavras contra a polícia. Foi quando duas bombas foram atiradas na pista oposta, sentido Paulista, onde não havia marcha, nem manifestantes em grande número. Apenas automóveis engarrafados, pedestres atravessando a rua e o comércio aberto. Segui em frente, protegendo minhas vias com um lenço verde (distribuído aos montes no começo da marcha como mordaça pela censura, tornou-se máscara).
Vi dezenas de pessoas levando a mão ao rosto, vi senhoras correndo com dificuldade para fugir da fumaça, um pasteleiro sufocado, encurralado pelo gás dentro de seu trailler. Queima, quimicamente falando. A pior coisa que já respirei. Ainda pior do que o gás de pimenta que sorvi ano passado, na marcha da maconha de 2010, no Parque do Ibirapuera. Com o gás lacrimogênio, a pele e os olhos sentem uma agressão corrosiva, intolerável. Prendi a respiração e corri em frente. Tentando alcançar o resto do pessoal. Eu precisava estar lá para ver o desfecho.

A Consolação foi intoxicada porque a “lei” não tolera outra fumaça. Aliás, a “lei” não tolera quem fale sobre a tal fumaça sem condená-la. Pelo entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo, em uma decisão tomada menos de 24hs antes da realização da Marcha, é ilegal dizer que maconha não deveria ser ilegal. Proibido, o evento se concentrou no MASP, levantou cartazes e cantos, e acordou com o Capitão Benedito Del Vecchio, comandante da 1a companhia do 7o batalhão da PM, a realização da marcha pela liberdade de expressão, condenando a censura sofrida.
A interpretação do Tenente ao texto do TJ, foi a seguinte: qualquer um que leve cartaz, camiseta, material ou slogans que incluam a palavras maconha, ou legalização, ou qualquer referência que induza à maconha, serão punidos. Cobriu-se a maioria dos cartazes com faixas ou tinta preta, e a polícia disse que apenas iria escoltar a marcha – e seria esse o saldo do dia.

E quando o assunto é proibido?
Eu arrisco dizer que havia duas mil pessoas marchando pela Paulista. A causa não era mais a legalização da maconha, exatamente. Era um protesto pelo direito de pedir a legalização da maconha. Uma planta de inequívocas propriedades medicinais, industriais e e dona de uma amistosa psicoatividade. Eis todo o problema. Psicoatividade. Que, para mim, mostra o que está por trás dessa tarde de sábado: consciência. E o que fazer para alterá-la. Aos fatos:
Análises médicas do gás lacrimogênio indicam que ele causa danos ao fígado e ao coração. Também é indutor de anomalias genéticas em células mamárias (aka câncer de mama). Quando metabolizado, o gás CS deixa traços de cianureto no corpo humano… coisas assim. Fatos que duvido que conste nas cartilhas de formação de um PM como o capitão. Del Vacchio (no mesmo sábado, 93 novos soldados ganharam seus espadins, gaba-se o único tweet do dia do @pmesp). Ou nos calhamaços dos excelentíssimos desmbargadores do Tribunal de Justiça. Duvido que a toxidade do gás lacrimogênio conste no repertório do médico Geraldo Alckmin, hoje governador de São Paulo. Mas foi essa a substância que a força sobre seu comando atirou, em pleno sábado de sol, em gente indefesa, pelas costas, por discordar de uma lei – o que apenas circulavam por São Paulo na hora errada.

Tá aqui sua democracia. ass: Cap. Del Vecchio. (fonte AE)
A troco de que? O parecer do desembargador Teodomiro Mendes é claro: “o evento que se quer coibir não trata de um debate de ideias, apenas, mas de uma manifestação de uso público coletivo de maconha, presentes indícios de práticas delitivas no ato questionado, especialmente porque, por fim, favorecem a fomentação do tráfico ilícito de drogas (crime equiparado aos hediondos)”.
Sim, eu vi gente acendendo baseados na marcha. Imediatamente reprimidos pelos próprios participantes que, em grupo, falavam que “não era a hora”. Toda a argumentação que vi na Marcha é em torno de um debate de ideias que, invariavelmente, aponta para a extinção do tráfico (“equiparado aos crimes hediondos”) através do cultivo legal de canabis (equiparado à jardinagem).
Sim, eu vi gente sendo presa na marcha. Ninguém por porte de drogas. Apenas por distribuir um jornal, e debater ideias, chamado “O Anti-proibicionista”, feito pelo coletivo DAR. A polícia não deu satisfações aos jornalistas que questionavam o motivo da prisão. Tive uma escopeta (com balas de borracha, suponho) apontada para mim quando tentei me aproximar para fotografar um dos membros do coletivo indo em cana.
Marchei até o fim, e peguei um táxi para o 78º DP na Rua Estados Unidos, para tentar entrevistar o delegado e os presos na marcha. Saber qual era, enfim, o B.O. Cheguei no primeiro grupo de pessoas, e não pude, nem como repórter, falar com o delegado ou os presos. Foi de lá que mandei meu primeiro de muitos tweets do dia, e vi chegar mais tropa de choque, um helicóptero, e vi a rua Estados Unidos ser fechada para impedir a chegada dos manifestantes mais resolutos que subiram e desceram de novo a Augusta para pedir a soltura dos dois que ainda restavam presos no 78. E foi quando entendi que aquela não era mais uma marcha da maconha. Não era sequer uma marcha pela liberdade de expressão. Era um explícito enfrentamento da consciência coletiva consigo mesma.
A foto é mais ou menos, mas mostra o momento em que o gás lacrimogênio foi atirado entre cidadãos desavisados

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