Muito além de um embate político entre ambientalistas e ruralistas, as novas regras atingem diretamente os moradores das áreas urbanas. Saiba como. Regras, que atingem moradores de áreas urbanas, tratam da regularização de imóveis e da ocupação à margem de rios e lagos.
A reportagem é de Vinicius Sassine, publicada pelo jornal Correio Braziliense e reproduzida por Amazonia.org.br, 02-05-2011.
As regras de uma nova legislação provocam um debate poucas vezes visto no Congresso e influenciam o cotidiano no campo e nas cidades. A controvérsia ainda prevalece nas negociações sobre o Código Florestal Brasileiro, que será votado no plenário da Câmara esta semana. Até agora, o embate entre dois grupos — ambientalistas e ruralistas — reduziu o assunto a uma simples oposição entre a preservação de biomas e o avanço do agronegócio. Mas a reforma do código vai além. Cada ponto da nova lei determina mudanças na qualidade de vida dos brasileiros.
O Correio apurou o resultado prático das alterações do Código Florestal. A decisão que sair do Congresso e for validada pela Presidência da República terá uma ressonância direta no campo e na cidade. O brasiliense que decidiu construir às margens do Lago Paranoá, por exemplo, numa área de preservação permanente (APP), poderá ver impedidas de vez as chances de regularização do imóvel. Será a mesma realidade de quem comprou uma chácara em Vicente Pires, na beira do córrego, ou da família que invadiu a encosta de um morro em Sobradinho 2. Boa parte dos produtores da zona rural estará dispensada de definir reserva legal. Pode ser um tiro no pé: a retirada de matas afetaria diretamente a qualidade e o ritmo da produção, diante da redução do fornecimento de água e de fatores indispensáveis a algumas culturas como a polinização. O alimento chegaria mais caro à mesa. A água, com menos frequência à torneira.
A consequência da diminuição das áreas de preservação permanente (APPs), segundo prevê o novo código, é ainda pior, como apontou um estudo divulgado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) na semana passada. A retirada da mata ciliar, às margens dos rios, amplia os processos de erosão. Em todo o Distrito Federal, já foram catalogadas 1,25 mil erosões, voçorocas e sulcos, facilmente encontrados nas áreas urbanas. Reduzir APPs aumenta as chances de transbordameento dos rios e inundações, piora a qualidade do ar, deteriora a água retirada para abastecimento, o que encarece os custos do tratamento. O consumidor paga a conta final.
Reserva legal
As regras que vigoram no Código Florestal foram insuficientes para conter o crime ambiental mais recorrente no DF: o avanço ilegal de imóveis, loteamentos, condomínios e da agropecuária por APPs. O zoneamento ecológico-econômico do DF precisou esse avanço. Ao todo, existem quase 85 mil hectares de áreas que deveriam estar intocadas, o equivalente a 15% da área do DF. São matas de Cerrado imprescindíveis para a regulação do microclima em Brasília, para o fornecimento de água e para a qualidade do solo.
Propriedades rurais no DF também estão deficitárias na definição de reservas legais — pelo menos 20% das áreas devem estar preservadas. O zoneamento ecológico-econômico mostra que tramitam no Governo do DF 1,2 mil processos para delimitação de reserva legal. O tamanho mínimo de um módulo rural na região é de dois hectares. Assim, a reserva deve medir, pelo menos, 0,4 hectare (ou 4 mil m²). Apenas 65 processos — 5,3% — pedem a configuração da reserva legal no tamanho mínimo exigido pela lei. Há ainda um outro aspecto questionável: de cada 10 processos para definição de reservas, quatro estão em área urbana. “Isso reforça um questionamento sobre a obrigatoriedade de averbação de reserva legal nesses tipos de zonas”, cita o zoneamento econômico-ecológico.
A proposta do deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB-SP), relator do novo Código Florestal Brasileiro, isenta da obrigação da reserva legal propriedades de até quatro módulos fiscais. Este é um dos pontos de maior discussão. Aldo ignorou, até agora, a defesa do governo da definição de reserva legal em todas as propriedades rurais. Grande parte dos produtores do DF pode se beneficiar com a medida. Os desmatamentos seriam mais frequentes, com consequências diretas à produção agrícola na região. Tradicionalmente, os agricultores não se preocupam com a reserva legal. O presidente da Cooperativa Agropecuária da Região do DF (Coopa-DF), Leomar Cenci, dá uma explicação: “As pessoas não têm procurado fazer reserva legal e APP porque não têm o título das terras nas mãos. Elas não se sentem obrigadas. É o governo do DF, o proprietário real, que deve fazer isso.”
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