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terça-feira, 10 de maio de 2011

A ação dos EUA foi ilegal, mas não deve ser punida

 
Pelas lentes do Direito, a morte do terrorista mais procurado dos últimos dez anos não poderia ter acontecido. Especialistas em Direito Internacional deixam de lado avaliações morais e políticas e criticam: os Estados Unidos não poderiam ter invadido outro país e assassinado uma pessoa como fizeram com Osama Bin Laden. Contudo, acreditam que o país não será punido por isso.
No último domingo (1°/5), o presidente Barack Obama declarou que Bin Laden, considerado líder da Al Qaeda e tido como responsável pelo ataque ao World Trade Center em 2001, tinha sido morto. Obama disse que autorizou a ação militar no interior do Paquistão que capturou Bin Laden. O saudita teria sido executado com um tiro na cabeça e seu corpo foi lançado ao mar.
Para Alysson Leandro Mascaro, professor de Direito da USP e do Mackenzie "o respeito à soberania não pode ser quebrado por uma legitimidade jurídica advinda de normas internas de um país alheio. A justificativa jurídica dos EUA de que se defendem ou vingam uma situação de guerra não é superior à soberania do Estado paquistanês".
Segundo Cláudio Finkelstein, coordenador do programa de pós-graduação em Direito Internacional Econômico da PUC-SP, "não existe nada que justifique uma ação militar como essa, que é estranha ao Direito Internacional". Para ele, no caso, foi violado, dentre outros, o princípio da restrição do uso da força. "É uma situação esdrúxula, parece que voltamos a época de bang bang", lamenta.
Cezar Britto, presidente da Comissão Nacional de Relações Internacionais da Ordem dos Advogados do Brasil, citou outro princípio. Segundo ele, a intervenção militar ou policial em qualquer país sem sua autorização infringe o princípio de auto-determinação dos povos.
Paulo Luiz de Toledo Piza, professor da GVLaw, diz que, "como membro da ONU, os EUA têm que respeitar integralmente a Carta de Direitos Humanos, cujo princípio básico é o direito à vida". O direito ao julgamento, reconhecido internacionalmente, também foi violado na opinião de Piza.
Para Fernando Fragoso, presidente do IAB (Instituto dos Advogados do Brasil) e membro do Tribunal Penal Internacional, o caso foi de uma operação para matar um cidadão, o que é um "homicídio como qualquer outro, violando as mais comezinhas regras de Direito Internacional", e "do ponto de vista técnico, a ação não se justifica".
SançãoQuestionados sobre uma possível sanção a ser imposta aos Estados Unidos, os experts tem opiniões diversas. Finkelstein acredita que essa é "uma situação diplomática, no máximo, e de Direito Internacional, talvez, dependendo dos termos de cooperação militar entre os países".
Segundo Cezar Britto, como os EUA não se submetem aos tribunais internacionais, a única instituição que poderia estabelecer sanção é o Conselho de Segurança da ONU, no qual, contudo, eles têm poder de veto. Além disso, diz, "eles contam com a impunidade e a cumplicidade de demais países que deles dependem econômica e politicamente".
O professor da USP, Umberto Celli Jr., explica que para que sejam aplicadas as sanções pelo conselho, elas devem ser aprovadas pela maioria dos 10 membros não permanentes e pela totalidade dos 5 permanentes, dentre eles, o EUA. Por conta disso, diz que "a sanção não funcionaria", e lembra que a ONU já se manifestou no sentido da ilegalidade da ação, "mas foi suave porque sabe que não existirão sanções".
"Corretamente, o Brasil quer a reformulação do Conselho de Segurança da ONU. Não podem os mesmos países de sempre terem controle desse tipo", critica Cezar Britto, ex-presidente da OAB. Ele acredita que é preciso democratizar o conselho para a nova realidade mundial já que o "mundo não é mais pós-guerra". A nova composição deve ter em conta valores democráticos e culturais diferentes.
De acordo com Fragoso do IAB, juridicamente, a situação foi de agressão e homicídio, crimes duplos que deveriam estar sujeitos a tribunais internacionais. Segundo ele, o ato de agressão dos EUA invadirem o Paquistão ilicitamente pode ser levado à Corte Internacional de Justiça pelo governo paquistanês, como estado ofendido. Ele explica que a Corte é o braço da ONU para julgar as disputas entre países, mas que não sabe se isso vai acontecer porque "o país deve estar sofrendo pressão" no sentido contrário. Além disso, do ponto de vista criminal, ele explica que "o Paquistão pode estabelecer um procedimento criminal em suas cortes e proceder contra o autor do delito e seus mandantes".
Cezar Britto acrescentou que, apesar de os EUA não terem assinado o Estatuto de Roma, e, portanto, não se submeterem à jurisdição do Tribunal Penal Internacional, tecnicamente é possível sua condenação. Nesse caso, "a sentença poderá ser cumprida quando o violador dos Direitos Humanos condenado sair do seu país e entrar em algum que se submeta à jurisdição do tribunal. Este pode dar voz de prisão e cumprir a decisão".
Alvo
Nessa quarta-feira (4/5), o procurador-geral dos Estados Unidos, Eric Holder Jr. defendeu a ideia de que Bin Laden era um alvo militar legítimo "um comandante inimigo em campo de batalha e tratou-se de uma missão de captura ou morte".
O procurador-geral afirmou que o tiro que matou o terrorista foi uma ação com respaldo legal e "coerente com nossos valores". Holder argumentou que não houve indicação de que Osama Bin Laden estava disposto a se render apesar de estar desarmado. 
Patriotismo
De acordo com Cezar Britto, a legislação interna dos EUA, por diplomas como o Ato Patriótico, pode isentar de culpa os agentes estatais que cometem infrações em defesa do Estado, mas ele alerta que essa interpretação não vincula os demais países. "É a teoria Bush", diz, referindo-se à ideia de que "para combater crime, tudo é possível, inclusive violações a normas internacionais". Como exemplo, cita a prisão de Guantánamo, em que violações legais são publicamente conhecidas através de torturas. Para o advogado, "a não submissão à legislação dos tribunais internacionais e o ato patriótico formam um sistema de auto-proteção dos EUA".
ChanceDe acordo com Finkelstein, a morte do terrorista seria legítima se o governo paquistanês tivesse autorizado a ação militar dos Estados Unidos e o levado a julgamento em um país cuja lei nacional permitisse pena de morte, à qual fosse condenado. Segundo Fragoso, a regra é: "se um país pretende capturar um criminoso em outro país deve utilizar-se do instituto da extradição". Ou seja, pedir a prisão dele pelo governo paquistanês e seu posterior envio aos EUA.
Para Celli Jr., os EUA deveriam ter pedido autorização ao Conselho de Segurança. Mas ele reconhece que as resoluções do órgão são públicas, e que a divulgação da autorização inviabilizaria o sucesso da busca. Nessa circunstância, explica que, ao menos, os EUA deveriam ter conseguido uma autorização do Paquistão. "Ainda que tivesse a autorização do Paquistão, os EUA deveriam ter capturado Osama e depois submetê-lo a julgamento. Não fazer isso vai contra todas normas do Direito Internacional."
Descrença
Apesar de apresentarem consequências diferentes para a ação norte-americana, os especialistas concordam em um ponto: os EUA não serão punidos pelos desrespeito às normas internacionais. "Os EUA não se submetem aos tribunais internacionais, como exigem que os demais países façam. Essa é uma das grandes contradições, em que eles contam com a omissão da ONU", declara Britto. Para ilustrar o pensamento dos Estados Unidos, o advogado cita o filme "O Incrível Hulk", lançado no Brasil em 2010, em que, para perseguir o inimigo Hulk, o exército norte-americano invade terras brasileiras sem comunicar o governo brasileiro. "Eles têm essa situação como de normalidade, talvez porque entendam que o mundo é seu próprio país", diz.
Fragoso complementa dizendo que como a violação das normas internacionais foi feita pelos EUA, "todo mundo finge que isso não aconteceu". Ele faz uma comparação: "se Kadafi fosse ao interior da África buscar um terrorista que atacou seu país ou se o Paraguai fizesse o mesmo com a Bolívia, o TPI iria partir com todas as suas garras" contra eles.
O advogado observou que a invasão não é incomum e lembrou que Adolf Eichmann, um dos organizadores do Holocausto, foi capturado por agentes israelenses da Mossad, em 1960, na Argentina, e levado para ser julgado por um tribunal israelense. Pela lei, o correto seria que Israel pedisse ao governo argentino para prendê-lo e enviá-lo para Israel. Condenado pela Justiça israelense, Eichmann foi enforcado em 1962. A agressão internacional não é comum, "mas não é por isso que vamos tratá-la como conduta lícita", diz.
Alysson Leandro Mascaro, por sua vez, contextualiza a falta de punição no fato de que, na prática, os cidadãos do mundo não são regidos pelo Direito Internacional Público, e o caso Bin Laden apenas revela a fraqueza da área.
Ilegítima defesaDe acordo com Fragoso, do ponto de vista penal, o argumento de legítima defesa levantado pelos EUA, como excludente de ilicitude, não cabe porque "não há legítima defesa enquanto não estiver presente uma situação de ataque". Ele lembra que, segundo informações divulgadas até o momento, quando foi morto, Bin Laden "não realizava qualquer conduta de ataque a quem quer que seja".
Celli Jr. diz que a tese é infundada, na medida em que tanto no direito interno quanto no internacional, a legítima defesa tem que ocorrer quase que imediatamente, e que ela não existe "quanto a um ato que ocorreu há 10 anos".
Ele cita que a legítima defesa é prevista no artigo 51 da Carta da Nações Unidas, em que é determinado que "nada na presente Carta prejudicará o direito inerente de legítima defesa individual ou coletiva no caso de ocorrer um ataque armado contra um Membro das Nações Unidas (...)".
Moral
De acordo com o professor Mascaro, discutir a legalidade ou não do ato estado-unidense não é a questão fundamental desse assunto porque "o Direito Internacional tem valido apenas quando interessa ou é sustentado por uma força prévia efetiva. O poder militar e econômico dos EUA tanto dá respaldo ao Direito Internacional quanto o quebra, sem ter grandes opositores".
Ao analisar filosófica e moralmente o caso, ele questiona: "Pode um país perseguir e vingar o causador de um grande mal ainda que as leis o impeçam? A legalidade seria um impedimento a um dever ético?". E cita a existência de defensores da ideia de que se a lei é injusta, a Justiça deve fazer o ilegal.
Contudo, foca na consideração de que, independente desse tipo de entendimento, o que acontece é que os EUA, "até aqui xerife do mundo, vagueiam, conforme o seu interesse ocasional, entre uma resposta ou outra". Ou seja, entre a defesa da legalidade e da Justiça sobre a lei. Para deixar clara sua opinião, cita que quando um país pobre não cumpre os "contratos extorsivos de pagamento de juros aos especuladores internacionais, diz-se que a lei deve ser o preceito sagrado das relações entre povos e pessoas, às custas do sacrifício dos pobres. Mas quando um país estrangeiro não é confiável para executar uma operação de perseguição dentro das leis, como no caso Bin Laden, a legalidade é rasgada em prol da imperiosidade dos meios de força". Ele resume dizendo que o Direito contemporâneo, no geral, é uma reprodução "automática da legalidade, que se quebra conforme as circunstâncias".
Uma solução para essa situação seria se apoiar na ética, e, nessa escolha entende-se que "a mesma regra deve valer, eticamente, para todos os casos". A consequência seria que "Portugal e Grécia devem poder não pagar sua dívida externa absurda" e que "os países africanos devem salvar seus cidadãos dos efeitos da Aids, quebrando patentes de remédios, tal qual os EUA atropelam a soberania paquistanesa para matar Bin Laden", afinal o argumento moral é o mesmo: salvar milhões de pessoas.
Ao comparar os diferentes casos, observa que em todos eles a legalidade foi um impedimento, mas que a medida moral não se aplica igualmente para os três porque "a comunidade internacional é informada pelos meios de comunicação que se encontram em simbiose com o poder econômico e militar capitalista, só o caso Bin Laden é considerado moralmente válido, porque a quebra da legalidade, nesse caso, interessa diretamente aos EUA".
Voltando ao começo de sua explicação de que a questão fundamental a ser discutida não é a legalidade, mas sim saber que parâmetro julga todas as ações políticas e jurídicas de nosso tempo, ele conclui dizendo que "a resposta trágica é que não há parâmetro, e o poder econômico e militar, sustentado por uma comunicação de massas que repercute exatamente o interesse da ordem, reina conforme a legalidade ou ilegalidade casualística de seus interesses maiores".

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