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O verdadeiro desafio não é inserir uma idéia nova na mente militar, mas sim expelir a idéia antiga" (Lidell Hart)
Um verdadeiro amigo desabafa-se livremente, aconselha com justiça, ajuda prontamente, aventura-se com ousadia, aceita tudo com paciência, defende com coragem e continua amigo para sempre. William Penn.

quarta-feira, 22 de julho de 2015

Encontro de prefeitos das maiores cidades do mundo encontram o Papa. A carta dos Movimentos Populares


O Papa Francisco convocou cerca de cem prefeitos das maiores cidades do Mundo. O encontro acontece no dia de hoje, 21 de julho, em Roma. Em pauta os temas do clima e das escravidões modernas.
Do Brasil participam os prefeitos de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Curitiba, Porto Alegre e Goiânia.
A secretaria do Encontro Mundial dos Movimentos Populares que se encontram com o papa Francisco, enviou uma carta que será lida e entregue no encontro.
Eis a carta.
Estimados Prefeitos das grandes cidades do Mundo!
Hoje, em cada urbe, duas cidades coexistem... Coexistem mas não convivem. Uma cidade amassa a outra. Os expulsos do campo, os descartados pelo mercado de trabalho, somos lançados à periferia como resíduos humanos, à mercê das piores formas de precariedade e exploração.
Nesse contexto de alta vulnerabilidade que afeta 2000 milhões de pessoas, a escravidão moderna se expande de maneira escandalosa. É um negócio em que o sangue é posto por nós pobres, mas o dinheiro, este se acumula em bancos do norte.
A resposta dos Estados costuma ser reducionista. Em ocasiões se persegue cruelmente os imigrantes, inclusive sob o pretexto de protegê-los. O muro entre EUA e México, os náufragos do Mediterrâneo ou a violência contra trabalhadores informais são exemplos de uma hipocrisia criminosa que deve acabar.
A escravidão moderna não é um problema meramente policial, mas sim a consequência de um sistema excludente. Para frear esse crime aberrante, não é preciso gastar mais em vigias, nem em sistemas biométricos. Muitas vezes, as polícias são elas mesmas parte das estruturas criminosas. Não precisamos dar a elas mais poder.
Para mudar essas realidades destrutivas – além de castigar peixes grandes e seus cúmplices -, é necessário escutar os pobres que se organizam e lutam por sua dignidade. O poder tem que ser dado aos pobres. Escravidão e exclusão são duas caras de uma mesma moeda. Há escravos porque há excluídos!
A partir do Comitê Organizador do Encontro Mundial de Movimentos Populares, que recentemente se reuniu com o Papa, junto a milhares de organizações de 40 países, queremos fazer com que cheguem 10 propostas para construir cidades sem escravos nem excluídos.
1.  Poder e participação ao povo
O poder político deve escutar o clamor dos pobres que, mesmo conformando uma maioria, quase nunca têm acesso a cargos públicos. Os funcionários, como indica o Papa, “vivem e refletem de uma perspectiva do conforto de um desenvolvimento e de uma qualidade de vida que não estão ao alcance da maioria”. Assim, nossas democracias costumam ser meramente formais. A participação das organizações populares é fundamente para revitalizá-las.
Propomos criar mecanismos permanentes de consulta e orçamento participativo, conselhos populares por setor (moradia, trabalho, etc) e outras formas de democracia direta. O protesto é um direito e não deve ser reprimido. O Papa reconhece que o futuro da humanidade está em grande medida nas mãos dos pobres organizados. Está na hora dos Estados também reconhecerem isso.
 
2.  Priorizar as periferias

O Papa indica que os excluídos “na hora da atuação concreta, ficam frequentemente em último lugar”. Isso é evidente quando se analisam os orçamentos municipais. A inclusão deve ser uma prioridade política e orçamentária.
É urgente investir nas periferias, especialmente nos assentamentos informais (favelas), onde vive um terço da humanidade. O Papa afirma “nem erradicação, nem marginalização: é preciso seguir na linha da integração urbana”.
Nesse sentido, fazemos da nossa a sua proposta de que “todos os bairros tenham uma infraestrutura adequada” e “segurança na posse”. Negar direitos básicos como a água potável é um crime seja qual for a situação legal do assentamento.
Propomos sua regularização e a criação de milhões de postos de trabalho mediante cooperativas de vizinhos, no contexto do planejamento urbano participativo para o desenvolvimento de infraestrutura social, a abertura de ruas, a implantação de luminárias, redes hídricas e de esgoto, deságues, aprimoramento habitacional, manutenção de praças, limpeza de córregos e construção de espaços comunitários.
3. Teto para todos
É um escândalo que haja famílias sem moradia quando há tantas casas sem famílias. Para garantir o direito ao teto, é preciso frear a especulação imobiliária, que gera lucros, mas não lares.
Deve-se proteger o inquilino e evitar a cobrança de alugueis com valores abusivos. Não podem permitir o despejo de famílias, muito menos sem uma alternativa habitacional. Quando o trabalhador não tem teto, fica exposto a todo tipo de exploradores.
Propomos a criação de milhões de postos de trabalho com programas de autoconstrução, provimento de “lotes com serviços” e terra de propriedade comunitária, além de reutilizar edifícios abandonados para moradia. Isso pode ser financiado com impostos a imóveis ociosos. Nem uma família sem teto!
4. Hospitalidade com imigrantes e refugiados
Pretender combater o tráfico e adotar uma política de desprezo aos migrantes é uma grande hipocrisia. Os traficantes de pessoa se nutrem da xenofobia institucional de alguns Estados. As cidades que pretendam erradicar o trabalho escravo devem receber com amor os migrantes, prover-lhes documentação, oportunidades de trabalho e direitos plenos.
Propomos a regularização migratória de todos. Nenhuma pessoa é ilegal. Ser migrante não é um crime. Criminosas são as causas que os obrigam a migrar.
5. Transporte público digno e ecológico
A utilização individualista do automóvel destrói a convivência e o meio ambiente: deve ser restringida. A alternativa pública costuma ser uma verdadeira tortura.
Propomos a utilização de ciclovias, fortes investimentos em metrô, trens e formas de transporte coletivo, integrando o transporte informal.
Reivindicamos sua gratuidade ou tarifas sociais diferenciadas.
6. Dignificar o setor informal
Perseguir os vendedores, artesãos, feirantes, recicladores, etc.é roubar o pão dos pobres. Hoje a economia popular emprega 1500 milhões de excluídos. O espaço público é seu principal meio de produção: tirá-lo deles é lançá-los à desesperança e isso implica em violência. A penalização dessas atividades só favorece organizações criminosas porque estas assim as monopolizam em cumplicidade com as polícias.
Propomos institucionalizar a economia popular. Criar, com participação popular, regulamentos inclusivos do espaço público que garantam a convivência harmônica e o trabalho digno para nossos companheiros.
Fomentar as “empresas recuperadas” e os polos produtivos populares como alternativa ao trabalho escravo. Os bens de falências e os ativos confiscados em processos judiciais devem ser socialmente reutilizados para criar trabalho.
As compras públicas deveriam potencializar a economia popular, não o “capitalismo de amigos”.
7.  Ecologia integral e popular
Os catadores são os máximos recicladores do mundo, mas em muitas cidades são perseguidos. Em outras, sua luta tem conquistado sistemas de reciclagem mistos que lhes conferem condições de trabalho dignas.
Propomos multiplicar e aprofundar as políticas de reciclagem com inclusão. A gestão de resíduos não deve ser um “eco-negócio”, mas sim uma oportunidade para incluir os recicladores e criar milhões de “cooperativas verdes”. “Sem catadores não há lixo!”. Eles demonstram que “uma verdadeira proposta ecológica se converte sempre em proposta social”.
8.  Integração campo-cidade
Nos municípios rurais se deve favorecer a agricultura camponesa, indígena e agroecológica. Lembremos como o Papa que a reforma agrária é uma “obrigação moral”. Os problemas da cidade nunca se resolverão se a expulsão de camponeses continua.
O tráfico de pessoas também se alimenta do desenraizamento rural. Para cada desenraizado, há um novo pobre urbano e possivelmente novo explorado. Os alimentos que produzimos podem contribuir a uma dieta saudável para as crianças das cidades, mal nutridos por escassez ou pela má alimentação (“junkfood”).
Propomos redes de distribuição e compras públicas para garantir renda aos camponeses e levar, sem intermediários, alimentos de qualidade às periferias urbanas.
9.  Cultura popular ecológica
Devemos frear o consumismo, o machismo e a objetificação da mulher, que são promovidos pelos meios de comunicação, fomentando o tráfico de mulheres. A cultura popular é o melhor antídoto.
Propomos: apoiar os meios de comunicação populares, rádios, televisão e revistas comunitárias, que expressam uma cultura solidária.
Proteger os espaços culturais autogeridos, que se desenvolvem em prédios abandonados e correm o risco de serem despejados. Fechar ruas centrais para espaços de arte popular (domingos e feriados).
10. Os únicos privilegiados dever ser crianças e idosos
Como destacou o Papa, falar em “crianças de rua” é uma eufemismo criminoso: são crianças abandonadas! Os jovens pobres, ao invés de amados, são vistos como perigosos e se tornam vítimas do “gatilho fácil”. Quanto aos idosos, estes são deixados para que morram.
Propomos garantir espaços comunitários de contenção e criar milhões de postos de trabalho para o cuidado de crianças e idosos. Também, criar creches nas periferias urbanas, como reivindicam as mulheres trabalhadoras. Nenhuma criança sem infância, nenhum jovem sem oportunidades, nenhum idoso sem uma velhice venerável! 
 
Estimados prefeitos. Mais além das propostas que esperamos que analisem, pedimos a vocês vocação de serviço, coragem e comprometimento orçamentário com os excluídos. Lembrem-se: Sem exclusão não há tráfico de pessoas! Também lhes rogamos que leiam nosso documento de Santa Cruz e o Discurso do Papa perante os Movimento Populares. 
Muito obrigado.

Encontro Mundial dos Movimentos Populares com Francisco
Roma/Buenos Aires/Mobaim/Madrid/São Paulo 
21 de julho 15

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