Eugênio Moraes/Hoje em Dia
‘Prefiro educar, mas, se for necessário, vamos pesar a mão’, diz diretora do Detran
Aprovada a maioridade penal, dá-se o direito a essas pessoas de iniciarem o processo de habilitação


Em 103 anos de história, o Departamento de Trânsito de Minas Gerais (Detran-MG) é, pela primeira vez, chefiado por uma mulher. Desde fevereiro à frente do órgão, a delegada Andrea Cláudia Vacchiano, de 47 anos, já experimenta resultados das mudanças implementadas em sua gestão. Buscando priorizar a educação para o trânsito, ela não se intimida: se necessário, há punições. Nessa entrevista, ela fala da responsabilidade de chefiar o órgão que controla veículos e condutores de todo o Estado e sobre temas polêmicos, como a maioridade penal.

Mulher x carro sempre foi um assunto recheado de preconceito. Agora, uma mulher chefia o órgão que controla veículos e condutores de Minas. Qual o peso da responsabilidade?

Muito grande, mas, ao mesmo tempo, tranquilo porque praticamente fui criada dentro do Detran (ela entrou no órgão pela primeira vez em 1992). Não tenho problema com habilitação, nunca bati carro e nunca sofri preconceito por ser mulher na chefia.

Mas são muitos departamentos no órgão.
Trabalhamos com cinco eixos, que são a educação para o trânsito – um dos mais importantes –, a criminal, a de veículos, a de habilitação e a operacional. Na verdade, não é apenas o Detran, mas também 304 Circunscrições Regionais de Trânsito (Ciretrans) espalhados pelo Estado. Mas, frente aos desafios, fico muito tranquila. Temos que nos empenhar na educação, na formação do condutor para reduzir os acidentes de trânsito.


O toque feminino já mudou alguma coisa no Detran mineiro?

Muita coisa. O Detran é chamado de “A casa das sete mulheres”, porque hoje são mais seis no comando de departamentos. A chefia da Polícia Civil me deu autonomia para escolher a equipe. É para revolucionar mesmo, fazer uma coisa diferente de acordo com as estratégias e diretrizes estabelecidas pelo governador Fernando Pimentel.


O que já mudou no órgão com a sua gestão?

Estabelecemos diretrizes para a integração com a Polícia Civil, pois temos muitas informações em nosso banco de dados, facilitando a investigação criminal. A melhoria no controle de gastos nesse cenário de crise em todo o país, mas sem comprometer a qualidade do serviço. A descentralização de procedimentos, disponibilização de informações para investigação criminal em tempo real. A central de atendimento da sede, na avenida João Pinheiro, está sendo modificada e reforçando as parcerias com UAIs e órgãos executivos de trânsito.


A redução da maioridade penal preocupa o Detran?

Sim. O Código de Trânsito Brasileiro (CTB) estabelece, dentre outros requisitos, que o candidato à carteira seja penalmente imputável. Reduzindo a maioridade para 16 anos, a discussão é como passará esse projeto. Aprovada a maioridade penal, dá-se o direito a essas pessoas de iniciarem o processo de habilitação. Temos um índice grande de acidentes envolvendo jovens de 18 anos.


O que pode ser feito para evitar os impactos?

Prevalecendo a maioridade de 16 anos, teremos que modificar a formação para essas pessoas. A abordagem é diferenciada para uma pessoa de 18 anos. Por outro lado, é tentar mudar o CTB com um projeto de lei, no sentido de estabelecer os 18 anos para habilitar-se. Nos Estados Unidos é possível tirar a CNH aos 16 anos, mas não se pode dirigir à noite ou ir para bares, por exemplo. Lá, a habilitação de adolescentes é por etapas.


Vale importar esse exemplo?

É algo para se pensar.

O exame toxicológico para motoristas habilitados nas categorias C, D e E é viável para reduzir acidentes?
Pela detecção de larga janela, que é o tipo de exame proposto aqui, é possível saber se uma pessoa usou drogas e qual tipo foi num período de 90 dias. É por ele que começamos a impedir que uma pessoa consiga renovar a carteira. Nos Estados Unidos, onde tem o exame, houve redução de acidentes.

A aplicação da lei é polêmica.
A Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet) é totalmente contrária. O assunto ainda está muito nebuloso. Esperamos que o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) tenha uma solução até o fim do ano. Se começar a aplicação em janeiro de 2016, como está previsto, estamos preparados. Algumas empresas que têm um número grande de condutores dessa área, como a Fiat, já foram comunicadas.


A falta de laboratórios para fazer os exames é um entrave?

Os três credenciados foram cassados pelo Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), e eles estão no eixo Rio-São Paulo. Não sei se em Minas algum está apto a realizar esse tipo de exame.


Hoje, o condutor tem 30 dias para renovar o documento. Em até dez dias após a solicitação, ele pode estar regular. O prazo pode ser prejudicado caso não haja laboratório no Estado?

Uma pessoa que fizer o exame em Unaí (Noroeste), por exemplo, terá que ir a uma clínica credenciada do Detran na cidade, colher o material e remetê-lo para o laboratório. Ela terá que aguardar a resposta que, positiva, poderá pedir a contraprova. Estão dizendo que o resultado será célere, mas não sabemos. A CNH é um instrumento de trabalho. É uma resolução interessante, mas precisa ser estudada para não prejudicar o condutor.


Sete anos depois, a Lei Seca trouxe bons resultados?

Mudou a cultura do mineiro, principalmente em BH. A pessoa bebe, pega um táxi ou tem o motorista da vez. Não estamos privando a pessoa do prazer que ela tem, mas evitando uma consequência maior para ela e para terceiros. O trabalho que vem sendo feito em parceria fez dar certo os resultados. Temos a integração com a Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds), a Polícia Civil, PM, BHTrans, Guarda Municipal. Assim, conseguimos trabalhar em vários pontos de blitze, que não são escolhidos aleatoriamente. É feito um estudo sobre os locais considerados críticos.


O que precisa melhorar na prática?

Aumentar o número de postos de blitze se conseguirmos mais gente. No ano passado houve expansão desse modelo da capital para cidades de médio porte, visando estabelecer segurança no trânsito de todo o Estado. É uma boa prática que não pode parar. As pessoas reclamam, mas é uma segurança para elas e para os familiares.


Precisa mudar alguma coisa na Lei Seca?

Nada precisa ser alterado. Temos as abordagens administrativa e criminal. Muitos reclamam do prazo estabelecido de 12 meses de suspensão, mas é pesado mesmo. Temos que trabalhar na educação e, infelizmente, pesar a mão na fiscalização e na aplicação de penalidade. É para o sujeito pensar mesmo.


Critica-se o tempo que se leva para punir motorista embriagado.

Isso está sendo revisto. Hoje é assim: verifica-se o cometimento da infração, lavra-se o auto e o condutor é notificado a apresentar a defesa. Se ele perde, é aplicada a multa. Tenho 30 dias para expedir a notificação, o condutor tem 30 dias para entrar com recurso na Jari, que tem mais 30 dias para analisar. A Jari indefere, o infrator pode recorrer, em 30 dias, em segunda instância no Cetran, que tem mais 30 dias para analisar, caso não precise de fazer diligências. Nessa brincadeira, fiz apenas a penalidade multa. Só depois é que inicio o processo administrativo para aplicar a suspensão. Tudo com prazo: para notificar, para defesa, para Jari, para defesa, para recorrer ao Cetran.


Já se foi quase um ano...

Isso já levou quase três anos. Os Detrans discutem a possibilidade de o processo de suspensão correr em paralelo à aplicação da multa. A eficácia é muito maior na aplicação das penalidades, pois será apenas uma etapa, otimizando o processo e ganhando quase dois anos na análise, supondo que o infrator recorra.


O que tem de concreto sobre isso?

Um projeto de lei foi apresentado no início do ano, e o Denatran solicitou nota técnica. Os Detrans estão debatendo. Hoje, todo o processo administrativo é do Detran, mesmo que a multa aplicada seja em uma rodovia sob a responsabilidade da Polícia Rodoviária. Estamos debatendo se a própria PRF pode fazer todo o processo, e o Detran só recolhe a carteira.


Alguma novidade sobre mudanças na formação do motociclista?

Está vindo a alteração da resolução 168. Depois de dois anos, a Câmara Temática, do Denatran, terminou os estudos e, agora, as minutas estão sendo avaliadas pelos Detrans.


É viável levar um candidato à categoria A para treinar na rua?

Particularmente, acho importante porque ele vive a realidade. Mas alguns estados ponderam a dificuldade do trânsito, como em São Paulo. Preocupa-se com a segurança do aluno e do instrutor.


Profissionalizar motofretistas reduziu os acidentes?

Infelizmente, não. A capacitação e o monitoramento devem ser permanentes, o que não acontece. Estamos planejando, para este ano, um curso para instrutores de motos, e isso também para a categoria.