SEGUNDA LEITURA
A palavra autoridade é usada, via de regra, para descrever o poder que o Estado confere a determinada pessoa. Autoridades do Executivo, Legislativo e Judiciário, nas mais diversas graduações, exercem o poder que lhes é conferido por lei e do qual estão investidas por nomeação regular. O desrespeito à ordem legal de uma autoridade pode gerar penalidades diversas, desde uma advertência até a prisão, sendo esta uma sanção permitida apenas à autoridade judiciária em ação penal própria.
Nas relações privadas também pode haver o exercício de autoridade, muito embora as sanções sejam de outra ordem. Por exemplo, se em um clube alguém desobedecer a ordem de não usar a quadra de tênis, certamente sofrerá algum tipo de sanção disciplinar.
Na família também se exerce a autoridade. Os pais, a todo o tempo, dão ordens aos filhos pequenos, que, se desobedecidas, são punidas com suspensão de algo prazeroso. São aplicadas regras não escritas, passadas por gerações. E elas, evidentemente, mudam na medida em que o mundo e as famílias se transformam.
Assim, visto que se reconhece autoridade a quem tem o poder de decisão e de sanção, passa-se ao terceiro componente do conceito. Segundo a Enciclopédia Temática, “o conceito de autoridade está relacionado com o conceito de hierarquia e corresponde ao poder de comandar os outros e levá-los a agir da forma desejada e constitui a base para a responsabilidade. É portanto uma relação de poder que se estabelece de superior para subordinado”.
Aí está, pois, a síntese do que vem a ser autoridade e o seu exercício, na esfera pública ou privada. Nada mais é do que uma ordem de subordinação entre membros de um grupo. Mas, sabidamente, autoridade e hierarquia vêm perdendo espaço no mundo ocidental.
As relações entre a cúpula da administração pública e os setores hierarquicamente inferiores não se caracteriza mais pelo abismo que existia outrora. As relações são mais diretas e democráticas.
Entre o Estado e a sociedade dá-se o mesmo. A chamada Governança Pública nada mais é do que uma tentativa de participação popular nos atos da administração.
No mundo empresarial a mesma situação acontece. Para ficar apenas em um exemplo, confira-se o sistema de administração do Google, no inteligente filme “Os Estagiários”, de Shawn Levy, com Vince Vaughn e Owen Wilson. Redes para descanso, mesas de jogos, em vez de escada um escorregador. Uma maneira nova de viver e de ser, que afeta todas as relações em comunidade, públicas ou privadas.
Porém, esta flexibilização de costumes ─ na maioria das vezes salutar ─ no Brasil nem sempre é bem compreendida. Como ela não tem direção única, pairando absoluta incerteza sobre os seus limites, vê-se surgir um silencioso e pouco perceptível movimento de desrespeito geral às normas e à disciplina.
Alguns acreditam que esta mudança nos costumes é parte da vida contemporânea, algo inevitável e mais inteligente. Enganam-se. Os países econômica e socialmente mais evoluídos não abandonaram as regras mínimas de comportamento, porque elas são necessárias para uma existência em harmonia. E para que isto ocorra é preciso que alguém delas cuide com poder de autoridade, a fim de dissuadir os que não querem adequar-se às regras da vida em comum.
No Chile, o mais avançado país da América do Sul, é evidente o respeito da população pelos Carabineiros, uma guarda nacional que se encontra em todo o território.
Nos Estados Unidos as regras são rígidas e obedecidas por todos, por exemplo, no tráfego de veículos. Em Barbados, no Caribe, terceiro Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) das Américas, atrás apenas dos EUA e do Canadá, bares na areia da praia proíbem que se jante sem camisa ou de camiseta regata. Na emergente China o respeito ao próximo e às regras é cultivado desde Confúcio, seis séculos antes de Cristo. Para dar um exemplo, nos trens há vagões separados para homens e mulheres, sendo que eventual invasão por pessoa do outro sexo gera imediata expulsão do trem e multa.
Pois bem, no Brasil o que se passa é o inverso. Infrações legais, éticas ou mesmo às regras de educação, crescem aceleradamente. O descrédito da autoridade é cada vez maior.
Professores de escolas públicas sujeitam-se a ser punidos caso façam qualquer exigência em sala de aula. Não raramente, são ofendidos e permanecem calados para não se incomodar, às vezes até por receio de serem agredidos.
Evidentemente, desmotivados, pouco ou nada ensinam. Nas escolas particulares só mudam as circunstâncias. Pais cobram explicações de professores intimados, discutindo até se seus filhos devem sentar-se à frente ou nos fundos da sala de aula. Donos de escolas cedem ao máximo, intimidados por ações judiciais que por quaisquer motivos os condenam em danos morais.
Policiais Militares, que fazem atendimento de rua, disputam com os professores a liderança no rol dos ofendidos. Moradores dos bairros onde atuam não lhes dispensam sequer um bom dia. Outros, chamam-nos pedindo providências, mas depois sequer descem de seu apartamento porque não desejam ser testemunhas. Os que são detidos dedicam-lhe as mais pesadas ofensas, acompanhadas da célebre frase “se eu fosse rico seria diferente, rico não vai para a cadeia”. Sentindo-se rejeitados, tendem os PMs a reagir da mesma forma, pois isto é da natureza humana.
Juízes e Tribunais não passam ao largo desta onda. Além de incidentes na primeira instância (advogado abandonar o julgamento no Tribunal do Júri), ocorrências como a tentativa de invasão do Supremo Tribunal Federal, em 12 de abril de 2014, por pessoas de um movimento social, merece reflexão (http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2014/02/12/sob-ameaca-de-invasao-do-mst-stf-suspende-sessao.htm).
Fatos menores do cotidiano também revelam a tendência ao desrespeito às regras de convivência. Por exemplo, em cidade praiana, ir de sunga e sem camisa ao supermercado. Assistir aula na Faculdade de Direito de shorts. Falar no telefone celular no cinema. Mandar currículo a um escritório de advocacia pedindo emprego, com mensagem absolutamente informal (“Oi Vladimir, ...). Estacionar o carro em vaga de deficiente.
Qual a causa destes novos procedimentos que, ao invés de revelarem evolução natural são, na verdade, um retrocesso social? Será inevitável? Como proceder?
As causas são de difícil identificação. Mas para isto contribuem, significativamente, os casos de corrupção envolvendo as mais altas autoridades do país.
As notícias diárias levam à crença de que o mau procedimento é a rotina e isto leva à descrença e à desobediência como princípio. Mas aí há um erro de avaliação. Na verdade, o que deve ser levado em conta é que nunca na história da Justiça Criminal do Brasil foram levados à prisão políticos e empresários de grande poder econômico. O foco, portanto, não deve ser pessimista, ao contrário, deve ser de otimismo.
Outra causa, esta mais individual do que coletiva, é o despreparo de algumas autoridades. O poder de mando deve impor-se pelo respeito e não pelo autoritarismo. A autoridade tem o dever de dar o exemplo, é um ônus do cargo. Por exemplo, respeitando o horário marcado para o início de um ato.
Se a autoridade for mal exercida deve, assim, ser apontada. Não com malcriações infantis, mas sim formalmente (carta ou e-mail), com firmeza, sem agressividade inútil e expresso pedido de informações sobre a decisão que vier a ser dada.
Por último, mas não menos importante, a educação em casa. Pais devem dar o exemplo de respeito à autoridade e também de inconformismo quando, dela, sobrevier abuso.
O exemplo vale mais do que palavras. Pais que se valem de expedientes para não se submeter a uma fila ou coisas semelhantes, estão ensinando aos filhos que vale a pena vencer a qualquer preço, desconsiderar seu próximo.
Em suma, o respeito às instituições, à autoridade, às normas, é a única via da harmonia social e a busca deste objetivo é dever de todos, dos que detêm o poder, exercendo-o corretamente, e da sociedade, cumprindo as regras escritas ou costumeiras.
Vladimir Passos de Freitas é desembargador federal aposentado do TRF da 4ª Região, onde foi corregedor e presidente. Mestre e doutor em Direito pela UFPR, pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP, é professor de Direito Ambiental no mestrado e doutorado da PUC-PR. Presidente eleito da "International Association for Courts Administration - IACA", com sede em Louisville (EUA). É vice-presidente do Ibrajus.
Revista Consultor Jurídico
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Seu comentário é sua opinião, que neste blog será respeitada