"SOU CONTRA A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL.
QUEREM CONDENAR OS ADOLESCENTES A PRISÃO, SEM ANTES FAZER O DEVER DE CASA E ASSUMIR A RESPONSABILIDADE PELO FRACASSO DO QUE NUNCA FIZEMOS"
José Luiz Barbosa, Sgt PM - RR, especialista em segurança pública, ativista de direitos e garantias fundamentais e pós graduado em ciências penais.
Para alguns, punição para adolescentes infratores é branda; para outros, mudança na lei não vai solucionar a violência.
ANA JUNQUEIRA
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A redução da maioridade penal, objeto da Proposta de Emenda à Constituição Federal (PEC) 171/93, que tramita na Câmara dos Deputados, tem motivado discursos acalorados e dividido opiniões. Uma das justificativas de quem apoia a iniciativa é que a punição para crimes hediondos cometidos por adolescentes é branda. Para outras pessoas, no entanto, a redução da maioridade, além de não resolver o problema do aumento crescente da violência, também prejudicaria os segmentos marginalizados da população.
Enquanto a PEC 171/93 avança na Câmara dos Deputados, a sociedade espera medidas concretas do poder público e debate o que é preciso ser feito para reduzir o aumento da criminalidade. Neste ano, o tema aparece nas discussões do Parlamento Jovem de Minas, projeto da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) em parceria com a PUC Minas e câmaras municipais que tem como tema Segurança Pública e Direitos Humanos. O projeto de formação política é destinado a estudantes do ensino médio e superior. A redução da maioridade penal, aliás, foi o assunto do Parlamento Jovem em sua edição de 2005.
Pesquisa publicada pelo Instituto Datafolha em junho mostra que 87% dos entrevistados apoiam a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. Entre os que são a favor da redução, 73% acham que ela deveria ser aplicada em qualquer tipo de crime, enquanto 27% acham que a redução deveria valer apenas para crimes específicos. Foram ouvidas 2.840 pessoas em 174 municípios do País.
Contudo, para algumas entidades, esses jovens são mais vítimas do que autores da violência. Segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), entre 2006 e 2012, 33 mil jovens entre 12 e 18 anos foram assassinados no Brasil - a maioria deles pobres, negros e moradores de favelas e periferias.
De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), os homicídios já são a causa de 36,5% das mortes de adolescentes por causas não naturais, enquanto para a população em geral, esse tipo de morte representa 4,8% do total. Para a ONU, as estatísticas mostram que os adolescentes e jovens, especialmente os negros e pobres, estão sendo assassinados de forma sistemática no Brasil. "Essa situação coloca o País em segundo lugar no mundo em número absoluto de homicídios de adolescentes, atrás da Nigéria", afirma a ONU.
Segundo relatório do Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional (CIA-BH), dos 9.106 delitos cometidos por menores de 18 anos em Belo Horizonte em 2014, 92 correspondem a homicídio, estupro e sequestro (1,01% do total). O tráfico de drogas é o que lidera o ranking de atos infracionais de adolescentes: 2.278 ocorrências (25% do total). Em seguida, o roubo, 15,6%; o uso de entorpecentes, 11,4%; e o furto, 8,8%.
Autoridades defendem redução da maioridade penal
O presidente da Comissão de Segurança Pública da ALMG, deputado Sargento Rodrigues (PDT), defende a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos nos casos de crimes hediondos e crimes violentos contra a pessoa. “Não é a redução para todo e qualquer delito simplesmente”, explica. Para o parlamentar, para crimes hediondos e crimes violentos contra a pessoa, deveria ser aplicada a Lei Penal, independente da idade de quem os cometeu. “Esse tipo de crime tem que ter uma pena muito severa”, defende. Na sua opinião, o maior bem jurídico é a vida, e isso não pode ser visto apenas pela ótica do infrator, mas também da vítima.
Segundo o parlamentar, o legislador falhou ao formular o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) porque determinou o máximo de três anos de internação no sistema socioeducativo para diversos tipos de delitos. Ele explica que, pelo Código Penal, há o aumento da punição de acordo com a gravidade do crime. “À medida que os crimes atentam contra a vida, as penas ficam mais severas”, salienta. Ele lembra que, no caso de furto, por exemplo, a pena é de um a quatro anos; roubo, varia entre quatro e dez anos; homicídio, vai de seis a 20 anos; e latrocínio, vai de 20 a 30 anos. Outro argumento do deputado para a redução da maioridade penal é que a impunidade incentiva a prática de crimes.
O deputado federal Delegado Edson Moreira (PTN-MG) também é favorável à redução da maioridade penal. “A minha intenção é que, futuramente, a punição possa ser de acordo com o crime cometido, e não pela idade. Porém, a opção que temos atualmente é a redução da idade, o que não é a solução para os problemas da segurança pública, mas é um passo importantíssimo, visto que a impunidade gera mais violência”, destaca o parlamentar.
Edson Moreira cita o professor da Universidade de Chicago, Steven Levitt, autor da pesquisa "Crime Juvenil e Punição”, realizada em 1997. Segundo ele, esse estudo revela que a diferença de castigo pode ser responsável por 60% do aumento das taxas de crescimento da delinquência juvenil. “Os jovens são tão suscetíveis à perspectiva de punição severa quanto os adultos. Saber que o castigo será rigoroso intimida igualmente jovens e adultos com intenções criminosas. Daí a minha justificativa de que não quero encarcerar adolescentes, mas persuadi-los a desistir de cometer crimes”, afirma.
Também para o deputado federal Laudívio Carvalho (PMDB-MG), que integrou a Comissão Especial criada para analisar a PEC 171/93, a maioridade penal deve ser reduzida de 18 para 16 anos. “É simples: se um garoto com 16 anos pode eleger o presidente da República, também pode escolher o seu direito de ir e de vir, respeitando as pessoas, e responder pelos seus crimes cometidos”, afirma.
Outro que defende a redução da maioridade penal é o deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ). Para ele, o homem só respeita o que teme e, se não houver a possibilidade de encarceramento, ele vai continuar a cometer crimes à vontade. “Ninguém comete crime em favelas do Rio de Janeiro. Sabe por quê? Porque lá tem pena de morte. Então, eles descem até o asfalto para cometer crime. Menor que faz isso tem que ir para a cadeia. Se não quiser ir, é só não sequestrar e matar”, afirma.
Contraponto - O comandante-geral da Polícia Militar de Minas Gerais, coronel Marco Antônio Badaró Bianchini, destaca que a redução ou manutenção da idade penal não é o principal motivador para o aumento ou não da criminalidade. “Aspectos jurídicos, históricos, sociais, culturais, educacionais e humanos interferem nos índices criminais", reflete. Ele acredita que uma nova idade penal não tem o poder de resolver os problemas de criminalidade, mas inibe a prática infracional. Na opinião do comandante-geral, para se atingir uma solução razoável é preciso lucidez.
Para mãe de vítima, pena deve ser de acordo com o crime
A economiária Angela Maria da Fonseca perdeu, em fevereiro de 2014, seu filho mais velho, vítima de latrocínio em Belo Horizonte. Matheus Salviano Botelho saía da casa de um amigo no bairro Gutierrez e, quando se aproximava do seu carro, estacionado na rua, foi abordado por dois menores de idade. O estudante de engenharia tinha 21 anos. Um terceiro envolvido, que deu cobertura aos outros, também tinha menos de 18 anos na data do crime.
Para Angela Fonseca, é preciso que haja mais rigor na punição, o que pode contribuir para reduzir os crimes, como o que vitimou seu filho. “É inocência achar que a redução da maioridade penal vai resolver o problema. São necessárias ações de curto, médio e longo prazos. É importante que se invista em educação e outras questões estruturais, por exemplo. Mas, a curto prazo, é preciso inibir a ação de menores de idade em crimes hediondos”, salientou.
A economiária defende que a pena deve ser atribuída de acordo com a natureza do crime e não pela idade, pois, mesmo jovem, a pessoa sabe o que faz, na sua opinião. Ela critica o recorte de 16 anos determinado pela PEC 171/93. “Não entendo por que foi escolhida essa idade. Isso é eleitoreiro”, diz. Ela acrescenta que a certeza da impunidade gera mais violência e diz não aceitar o fato de que o crime cometido contra seu filho foi considerado um ato infracional (devido à participação de menores de idade). “É muito mais sério do que isso. É triste a situação vivida no País, pois não temos a certeza de que nossos filhos vão voltar para casa. Despedir de um filho no caixão não é fácil. A dor é eterna”, enfatiza.
Para especialistas, redução da maioridade não reduzirá a violência
Por outro lado, para muitas autoridades e especialistas, a redução da maioridade penal não vai reduzir a criminalidade no País. Para o presidente da Comissão de Direitos Humanos da ALMG, deputado Cristiano Silveira (PT), o problema deve ser combatido com investimento em educação. “Nosso sistema penitenciário é falido: pune e não recupera. O índice de reincidência nos presídios chega a 70%. No sistema socioeducativo, que embora careça de melhorias, a recuperação é de 80%. Logo, aceitar a redução da maioridade penal é trocar um sistema que tem resultados positivos por outro que não dá resultado algum”, avalia o parlamentar.
O diretor da Faculdade de Direito da UFMG, Fernando Gonzaga Jayme, também condena a redução da maioridade. “O adolescente, de acordo com a Constituição, deve ser tratado com prioridade absoluta pelo Estado, família e sociedade. O Estatuto da Criança e do Adolescente lhe assegura direitos para lhe propiciar uma formação integral, humanística e educacional, em um ambiente adequado para o desenvolvimento e formação da sua personalidade. É absolutamente injusto negar aos adolescentes seus direitos humanos essenciais e agora querer criminalizá-los. Houvesse a sociedade, o Estado e a família cumprido com seus deveres de garantir os direitos dos adolescentes, essa discussão seria absolutamente esvaziada”, enfatiza.
Segundo o professor de Direito da PUC Minas e da UFMG, José Luiz Quadros de Magalhães, há atualmente no Brasil mais de 700 mil presos e mais de 300 mil mandados de prisão a serem cumpridos. “O Estado não dá conta de fiscalizar, julgar e punir. A redução da maioridade penal só servirá, nessa lógica, para aumentar a fila de mandados a serem cumpridos, só servirá para desmoralizar ainda mais o Estado, a polícia e o sistema penitenciário”, diz. Ainda segundo o professor, a polícia brasileira não soluciona nem 7% dos crimes, diferente de outros países, onde o índice de esclarecimento de crimes pode chegar a 80%.
Ele cita o filósofo e psicanalista esloveno Slavoj Zizek, que, no livro "Violência", destaca a impossibilidade de resolver ou reduzir a criminalidade com políticas de combate à violência subjetiva, aquela mais visível e superficial. “Quase todas as políticas públicas de combate à violência são nesse sentido: atacar a violência visível”, ressalta. De acordo com o professor, o psicanalista esloveno lembra que essas políticas de nada adiantarão, pois não compreendem as causas reais e profundas da violência. “Enquanto não tivermos a coragem de enxergar, compreender e desconstruir essas violências permanentes e estruturais (relações sociais e econômicas) e simbólicas (presentes na linguagem), não teremos chance de resolver o problema”, completa.
Já o pesquisador da Fundação João Pinheiro, Eduardo Cerqueira Batitucci, ressalta que a Justiça da Infância e da Adolescência não é ineficiente, como se fala. “Ao contrário, usualmente essa Justiça é muito mais efetiva que a Justiça dos adultos e consegue lidar de forma relativamente individual com os casos. A Justiça comum tem se mostrado absolutamente ineficaz para isso, sobretudo em Minas Gerais, Estado onde isso é mais evidente, pois a maioria das pessoas privadas de liberdade não tem a sentença transitada em julgado, isto é, não foi julgada de forma definitiva pela Justiça”, argumenta.
O pesquisador acrescenta que o ECA não é leniente com a punição de adolescentes que porventura tenham cometido crimes graves e oferece todos os procedimentos para punir de forma adequada. Por último, Batitucci afirma que a prisão não melhora ninguém e que, ao contrário do que se pensa, no Brasil se pune demais. “O Brasil é um dos países que mais prende no mundo, com a quarta população prisional do planeta, e como se sabe, isso não vem produzindo efeitos positivos de nenhuma natureza”, finaliza.
Desafio é mostrar que o crime não compensa
O diretor de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Daniel Ricardo de Castro Cerqueira, ressalta que os jovens infratores normalmente têm origem em famílias desestruturadas, vivem uma realidade de violência doméstica e não têm oportunidades educacionais e acesso a bens materiais e simbólicos. Para ele, o desafio é mostrar a esses adolescentes que o crime não compensa. “Precisamos repensar o Brasil, refletir sobre o que fazemos com esses jovens e possibilitar que políticas específicas cheguem a essas pessoas”, defende.
Ele questiona se realmente é diferente a medida socioeducativa que cumpre um adolescente infrator, no caso de internação pelo prazo de três anos, da que cumpre um adulto que cometeu um homicídio, por exemplo. Nesse último caso, com uma pena de 18 anos, ele cumpre 1/6 em regime fechado, se tiver bom comportamento, o que também corresponde a três anos.
Ainda de acordo com Daniel Cerqueira, aperfeiçoar o ECA pode ser uma alternativa à redução da maioridade penal. Antes disso, ele reforça que é preciso fazer cumprir o Estatuto. “Os direitos de crianças e adolescentes são descumpridos constantemente, e o Estado é o primeiro a violar esses direitos”, afirma.
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