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O verdadeiro desafio não é inserir uma idéia nova na mente militar, mas sim expelir a idéia antiga" (Lidell Hart)
Um verdadeiro amigo desabafa-se livremente, aconselha com justiça, ajuda prontamente, aventura-se com ousadia, aceita tudo com paciência, defende com coragem e continua amigo para sempre. William Penn.

sábado, 23 de abril de 2016

A SOCIEDADE DO RISCO: O MEDO E O DIREITO PENAL




Por Iverson Kech Ferreira

O comportamento humano se transforma na convivência tomando para si novas nuances antes inauditas. Ao se confrontar com as dúvidas ou questionamentos rotineiros na sociedade, ou seja, na vida em comum, a perspectiva é forjada em prol daquilo que se pretende, ou, da resposta que mais lhe é aprazível, como estudado por Vigotski. O ser humano lida muito mal com as ideias contrárias a sua certeza subjetiva, causando assim a distancia dos que lhe são “desfavoráveis”.

Desse modo, grupos de identidade são formados e a geração de novas filosofias comuns aos iguais se expande. Esse grupamento se define enquanto permanecem juntos, como uma colmeia em prol de sua sobrevivência, até que seu número seja impar, ou como define Howard Becker em seus estudos sobre os grupos desviantes, até que sua força torne seus laços mais efetivos. Dessa forma, ao estudar a sociedade atual e seus conflitos, é imperativo que se tenha em mente qual a relação dos grupos, sejam eles maioria ou minoria, com o poder do Estado.

Para isso, entender que essas ilhas ou agrupamentos se formam volitivamente e por um grande desejo de segurança contra o diferente é o começo para que brote a questão primordial: quem define o que ou quem é o diferente. Grosso modo, imagine um bairro tradicional, onde suas casas se confundem com os belos jardins, ruas iluminadas, praças e bosques, onde as famílias se conhecem a um tempo considerável. Podemos afirmar que essas pessoas sabem quem faz parte de sua convivência numa sociedade em particular para esses indivíduos. Provavelmente o estranho será facilmente reconhecido nas entranhas do bairro.

A sociedade do medo estudada por Bauman trouxe a lição da Mixofobia que se aplica a esse caso em particular: o medo do estranho. Nesse caso, em cada grupo existe uma forma de chamar a atenção de seus iguais contra o diferente, aqui em nosso bairro modelo, e em muitos outros espalhados na realidade afora, existe o conceito chamado “Vizinhos de Olho”, ou qualquer outro que avise que a ideia de Bentham e do Panopticum ainda é muito forte: vigiai a todos.

Num frenesi, ao avistar o diferente perambulando pelas ruas, a dona de casa, empregada ou cidadão do bairro, que é parte do grupo, faz o estardalhaço com um alarme estrondoso que tem por finalidade avisar o vizinho ao lado que há um individuo diferente na rua, e, pelo que a televisão e seus programas policiais que mais parecem um circo de espetáculos macabros, com seus apresentadores-atores nos afirmam sempre: o diferente é o que se deve temer.

Ao analisar tais grupos e o poder do Estado sobre eles não se pode deixar de imaginar a norma hipotética criada por Kant para que se possa convalidar o contrato social. Advém dessa norma supra o conceito, grosso modo, de se fazer o que deve ser feito pelo simples motivo de ser o certo a se fazer. É correto avisar a polícia que há um ataque de um individuo contra a vida de outro, pois o ser humano deve ser visto como um fim em si mesmo.

Por outro lado, seria correto soar o alarme pelo motivo de um individuo diferente estar caminhando pela rua? Se a resposta for sim, com certeza o sentido que a tornou positiva foi o do utilitarismo, uma vez que mais pessoas iriam se satisfazer ao ver que o sistema funciona, não importando o que se passaria com o estranho. Se negativa a resposta, então, o sentido libertário tomou a base quando se entende que há a liberdade do individuo, e dessa forma, a dignidade da pessoa esta sendo preservada.

Pois bem, assim mesmo é o Direito Penal e a força do Estado em punir nos dias atuais. Ele parte do medo da maioria das pessoas pelo que lhes é diferente ao seu agrupamento, margeando os cantos da sociedade, controlando quem deve entrar em seu cerne e detendo os diferentes que já estão dentro. Como o alarme de nosso bairro tradicional, o direito de punir cresce seus tons a cada dia alcançando mais e mais pessoas “incomuns”.

Para Ulrich Beck “a cultura do medo vem do paradoxo de que as instituições feitas para controlar o medo, produzem exatamente o seu descontrole”. Destarte, imaginar que algumas instituições do Estado se moldam perfeitamente com esse contrato de manter o controle é essencial ainda nos dias atuais. Não é anormal encontrarmos nos bairros ou ruas da cidade uma gama de policiais realizando batidas e blitz com intuito de afirmar esse contrato, não mais que isso.

A contemporaneidade perdeu o sintoma da expectativa, bem como descreve Zigmunt Bauman, a liquidez dos eventos se transforma em uma parte da personalidade de cada um. Hoje tudo é para ontem, as informações possuem uma velocidade ínfima, os bens são deixados de lado por um novo produto, ainda melhor que o anterior, o capitalismo desenfreado cria ilusões em quem tem condições financeiras da mesma forma a cria em quem não as tem. Os anseios se baseiam em poder comprar e as necessidades em dever possuir aquilo que se objetivou em comprar. Se há real necessidade nessa compra, não importa, vivemos dias de efemeridades e consumo conspícuo, como bem definiu Pareto.

O medo de perder esses bens é muito grande, o medo do outro é maior ainda. Assim voltamos a um sistema impregnado pela penalização do ser, a pena acima de tudo, deve ser medida e efetivada pelo direito. Não é raro encontrarmos julgados contrários ao principio da lesividade mínima e a argumentação de que este não foi aplicado por não possuir respaldo legal. Também não é raro vermos a proporcionalidade afetada quando nos deparamos com pena/crime, quando a primeira é muito maior daquilo que deveria ser. Assim, numa sociedade de risco, tendo o medo como carro chefe, a penalização toma conta dos seus cidadãos, legisladores, e porque não dizer, de magistrados também.

Contra tudo o que não se conhece somente existe uma saída: o Direito Penal, passando então a ser a primeira mão contra o inesperado, o diferente, excomungando-o de fato, sendo que o diferente pode ser qualquer um que não dance conforme a música tocada, no tempo certo.

Iverson Kech Ferreira é advogado especializado em Direito Penal. Possui graduação em Direito pelo Centro Universitário Internacional e Pós Graduação pela Academia Brasileira de Direito Constitucional, PR, na área do Direito Penal e Direito Processual Penal. É pesquisador e desenvolve trabalhos acerca dos estudos envolvendo a Criminologia, com ênfase em Sociologia do Desvio, Criminologia Critica e Política Criminal. Associado aos quadros de advogados da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Paraná.

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