Acorda, Policial e Bombeiro Militar!


O verdadeiro desafio não é inserir uma idéia nova na mente militar, mas sim expelir a idéia antiga" (Lidell Hart)
Um verdadeiro amigo desabafa-se livremente, aconselha com justiça, ajuda prontamente, aventura-se com ousadia, aceita tudo com paciência, defende com coragem e continua amigo para sempre. William Penn.

quinta-feira, 14 de abril de 2016

O policial não necessariamente necessita ser um jurista

NATUREZA DA FUNÇÃO




Tramitam no Congresso Nacional alguns projetos com este objetivo, dentre eles as PEC 73 e 51, que visam transformar as carreiras policiais. Por oportuno é de gizar a recente edição da Lei 13.047/2014 que veio contraditar estas duas propostas.
Antes de adentrar-se no mérito da questão da carreira única, deve-se analisar a questão da polícia judiciária sobre dois dispositivos do artigo 144 da Constituição Federal. A disciplina da Polícia Federal prevê um órgão estruturado em carreira, sem menção ao cargo de Delegado de Polícia (§1º), do que se pode pressupor, com bastante tranquilidade, essa possibilidade, inobstante a edição da recente lei 13.047/2013 que prevê o delegado de polícia federal como cargo de natureza jurídica e policial.
Já no âmbito das polícias civis, de forma residual, estas devem ser dirigidas por delegados de polícia de carreira (§4º).
Não obstante esta distinção, e possíveis obstáculos, estes podem ser sobrestados por emendas constitucionais, como as aludidas 51 e 73.
Mas a polêmica deve ser analisada não sob o ponto corporativista dos cargos, ou sob aspectos de estrita “legalidade/constitucionalidade”, mas sim de interesse social e otimização dos serviços policiais.
Se de um lado delegados refutam esta ideia, Ministério Público a vê com bons olhos. Mas quem tem razão? Quem não quer perder o “poder” do Inquérito Policial ou quem quer arvorar-se sobre a investigação policial? Cautela é necessário.
A Associação Nacional dos Procuradores da República já apresentou Nota Técnica favorável a instituição de uma carreira única, destarte, persistam nuances, por vezes, de lutas corporativas que escondem não só os interesses dos delegados, mas do Ministério Público.
Insisto em desvelar ambos interesses, para que a sociedade seja a verdadeira destinatária dos serviços policiais; diga-se de segurança pública que não se confunde com a pura juridicidade que se quer dar a um cargo ou uma função. Escondem-se por trás da juridicidade, muitas vezes, questões de poder e de composição remuneratória.
Em síntese, muito embora interesses corporativos estejam por trás das duas defesas (Ministério Público e delegados), a ideia da carreia única visa aprimorar a proposição, para um ingresso único na carreira policial, disciplinando o ingresso e a progressão na carreira de maneira uniforme, estabelecendo concurso público como porta de entrada única, e sistema de promoção que privilegie, ao mesmo tempo, a experiência, a atualização profissional e o merecimento.
Trata-se de combater as múltiplas “portas” de ingresso no serviço policial, criando-se uma carreira única desde o ingresso até o último posto/função, já que na pratica, todos exercem o mesmo múnus policial.
As entidades representativas dos delegados de Policia repudiam esta mudança, que alegam tratar-se de uma “tentativa canhestra da associação classista dos Procuradores da República que, de maneira torpe e corporativista visa tão somente buscar a exclusividade absoluta do poder investigatório criminal, atribuído constitucionalmente à Polícia Judiciária (Federal e Civil).”, o que pode ser uma verdade.
Inferem que o cargo de delegado de Polícia é um instituto centenário do sistema jurídico brasileiro, o qual exerce função essencial à Justiça, sendo o primeiro garantidor dos direitos fundamentais do cidadão. Neste ponto a afirmação merece reflexão histórica; senão vejamos:
Uma breve retrospectiva nos permite relembrar que o cargo de delegado de polícia foi criado no ano 1.841 através da lei 261, e a escolha recaia entre desembargadores e juízes, tendo por exercício no município da corte e nas províncias, refletindo uma tendência de polícias municipais. À época foi extinta a Intendência Geral de Polícia e, instituído o cargo de Chefe de Polícia, sendo que Euzébio de Queiroz Coutinho Matoso foi o escolhido para sua ocupação, no município da Corte, tendo na hierarquia, os delegados e subdelegados, bem como, em cada Província, um Chefe de Polícia e os respectivos auxiliares, os quais eram nomeados pelo Imperador ou pelos presidentes da respectiva Província. Na forma desta lei 261/1.841 e do decreto 120/1.842, as atividades de Polícia Judiciária foram subtraídas das responsabilidades dos Juízes de Paz, passando para as Autoridades Policiais, definindo as funções de Polícia Administrativa e Judiciária, tendo como chefe máximo, neste segundo momento, o Ministro da Justiça[1].
Essa é a percepção histórica que se deve ter do “cargo” de delegado de Polícia que não foi instituído como cargo, e sim como “função”. Ademais, o atual código de processo penal não indica ser autoridade policial o delegado de Polícia. São nuances importantes a destacar para que se possa compreender não só a “legalidade”, mas o histórico do cargo/função delegado de Polícia.
Diferentemente de algumas carreiras que devem ser estritamente jurídicas, como a magistratura, ministério público e procuradorias/defensorias (advocacia pública), em razão da própria natureza da função (eminentemente jurídicas), o policial não necessariamente necessita ser um jurista, mas sim um técnico multidisciplinar em razão das várias áreas que envolvem a investigação policial e a persecução penal, o que inclui, por óbvio, o direito, mas não com a exclusividade de uma carreira, unicamente jurídica.
Destarte, com a promulgação da lei 13.047/2014 cria-se o primeiro óbice infraconstitucional para a efetivação de uma carreira única, pois o referido diploma legal defere aos delegados de Polícia Federal um múnus de natureza jurídica e policial (art. 2º-A, § único). E vai mais longe, ao estabelecer requisito para ingresso no cargo de três anos de atividade jurídica (em analogia a magistratura e ministério público) ou policial (art. 2º - B).
Por outro lado, também é de se dissentir que as polícias estão vinculadas e baseadas na hierarquia e disciplina (ao contrário das demais carreiras puramente jurídicas), o que ficaria mais reforçado com uma carreira única, em que a ascendência deixasse clara esta distinção hierárquica.
Os argumentos de que a unificação da carreira está sendo propalado pelos procuradores da República como meio de apropriarem-se da investigação criminal também deve ser visto com bastante atenção, pois isso não deve ser aceito. A busca deve ser justamente ao contrário, no sentido de deixar tão somente ao encargo das polícias a investigação policial, estruturada em uma carreira única, dotada de independência funcional, administrativa e financeira, capaz de ficar alheia aos comandos de chefes do Poder Executivo, dando liberdade para que todos sejam investigados em igualdade de condições, e não com os atuais “privilégios” que os apadrinhados e apaniguados recebem das chefias indicadas por partidos políticos.

[1] SICHONANY Jr., Wilson Klippel e outros. Direitos Humanos sob a matriz da evolução histórica da sociedade Brasileira. In Abordagens Atuais em Segurança Pública. Org. Rodolfo Herberto Schneider. EDIPUCRS. 2011.
 é nestre em Direito Uniritter, especialista em Segurança Pública (PUC-RS), especialista em Gestão de Segurança Pública (ULBRA), SWAT Instruction. Indianapolis Police Departament (Advanced Firearms) - Estados Unidos.

Revista Consultor Jurídico

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