A audiência de custódia pode se revelar uma forma de garantir maior seguridade contra o abuso policial e impedir prisões preventivas arbitrárias.
Em 1992 o Brasil ratificou a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San Jose da Costa Rica), que prevê que “toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais”.
O Projeto de Lei nº 554/2001 do Senado Federal tem por objetivo alterar o artigo 306 do Código de Processo Penal para incorporar essa audiência.
No âmbito do Estado de São Paulo ela foi recentemente implantada pelo Provimento Conjunto 03/2015, editado pela Presidência do Tribunal de Justiça e pela Corregedoria Geral de Justiça aos 22/1/2015.
Isso significa que toda pessoa presa em flagrante deverá ser apresentada ao juiz em até 24 horas.
A iniciativa tem apoio do Conselho Nacional de Justiça. Isso porque existe um número considerável de pessoas presas provisoriamente, ou seja, sem condenação definitiva.
A audiência de custódia poderá ser dispensada a depender das circunstâncias, como por ex., se o preso estiver internado.
A entrevista com o preso servirá para que o juiz saiba mais sobre sua qualificação, estado civil, grau de alfabetização, meios de vida ou profissão, local da residência e lugar onde exerce sua atividade. Circunstâncias objetivas da prisão também serão exploradas.
Não se trata de antecipação do interrogatório previsto em lei para a fase final do processo. Não se discutirá o delito imputado.
O juiz terá condições de decidir pelo relaxamento da prisão em flagrante (no caso de detectar ilegalidade); pela sua conversão em prisão preventiva (para garantia da ordem pública, por ex.) ou pela concessão de liberdade provisória (quando a manutenção da prisão não for imprescindível).
Se houver suspeita de abuso policial ou necessidade de encaminhamento assistencial (novidade!), o juiz deverá requisitar exame clínico e de corpo de delito do autuado.
A audiência de custódia por ora não se realizará durante o plantão judiciário.
A Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol) ajuizou a ação direta de inconstitucionalidade 5.240 para criticar a inovação. Argumenta que a audiência somente poderia ter sido criada por lei federal e jamais por provimento, o que, no seu dizer, configurou abuso de poder. Compreende-se a preocupação. Afinal, a polícia terá dificuldades para efetivar as apresentações, especialmente quando não puderem ser feitas de imediato, caso em que o preso terá de ser recolhido e apresentado assim que possível, mas dentro do prazo. Aliás, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro já relaxou prisão e determinou soltura pela falta de observância do prazo de 24 horas...
A Associação Paulista do Ministério Público também já peticionou contra o provimento, por entender que o Tribunal criou obrigação para os seus associados sem a devida base legal.
De qualquer forma, o Código de Processo Penal já autoriza, há décadas, que o juiz realize mais de um interrogatório, sempre que isso for necessário. E a polícia judiciária sempre foi auxiliar do juiz na promoção da justiça penal.
Não se discute que ainda existem muitos abusos e que a apresentação do preso facilitará a constatação e apuração deles, bem como a punição dos faltosos. Afinal, até então o juiz, via de regra, só tinha contato com o preso algumas semanas depois da prisão, quando vestígios de agressões, por ex., já não existiam.
Além do mais, o juiz terá muito mais condições de avaliar se a pessoa deverá ou não permanecer presa. “Quem vê cara não vê coração”, mas o contato pessoal, na maioria das vezes, facilita bastante essa avaliação. Em consequência, várias pessoas deixarão de permanecer presas por considerável tempo. E quiçá o juiz não solte quem soltaria sem esse contato...
É importante ressaltar que, ainda que tenha havido prisão em flagrante, a custódia antes da condenação definitiva deve ser excepcional. Muitas vezes até mesmo quando sobrevém condenação não se opta por prisão porque o sentenciado acaba tendo direito às chamadas penas alternativas.
Isso posto, antes de qualquer pronunciamento apaixonado do tipo “bandido não tem que ter direito”, “bandido bom é bandido morto”, é preciso que formemos a nossa convicção sobre a novidade com isenção, técnica e sem nos esquecermos de que o sistema punitivo é organizado e regulamentado... que o tempo do “olho por olho, dente por dente” já passou... e, principalmente, que preguiça não combina com justiça...
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