Na última quinta-feira (21) os repórteres Artur Rodrigues, Rogério Pagnan e Avener Prado publicaram no caderno "Cotidiano" uma matéria muito reveladora sobre o Brasil atual, o Brasil de 1964, o Brasil colônia e, pelo andar da carruagem, provavelmente também sobre o Brasil de 2563.
Artur, Rogério e Avener foram ver no que deram, na Justiça, os assassinatos cometidos pelo PCC e por grupos de extermínio, em 2006. Em maio daquele ano, a facção criminosa matou 59 pessoas em São Paulo (policiais, principalmente). Em resposta, homens encapuzados saíram pelas periferias e, em dez dias, assassinaram 505 civis. Sim, quinhentos e cinco. Cinco centenas, mais cinco. E como choramos desde então, como lamentamos, como nos contorcemos pelas vítimas –de Paris, de Bruxelas, de Nova York.
Ana Paula Gonzaga tinha 19 anos e estava grávida de nove meses. Eddie de Oliveira tinha 24 anos e uma passagem pela polícia, na adolescência, por furto. Trabalhava como garçom. No dia 15 de maio de 2006, o casal foi comprar leite na padaria. Um grupo de encapuzados desceu de um carro e os matou a tiros.
Antes de morrerem, Ana e Eddie conseguiram arrancar o capuz de alguns dos criminosos, reconheceram policiais do bairro e gritaram seus nomes. O vigia de um posto, que presenciou o crime, foi executado horas depois. Duas outras testemunhas jamais foram procuradas pela investigação. "Filho de bandido, bandido é", uma delas contou ter ouvido, enquanto um policial dava um tiro na barriga de Ana. O parto estava previsto para dali a três dias.
Dos assassinatos investigados pelo DHPP, 85,7% dos casos em que policiais eram as vítimas foram solucionados. Nos casos em que civis foram mortos, apenas 12,9%. Pela morte de todos os 505 civis (quinhentos e cinco. Cinco centenas, mais cinco), só três PMs foram processados. "Um recebeu a sentença de seis anos em regime semiaberto. Outro policial, condenado a 36 anos em regime fechado, continua trabalhando e faz patrulha na mesma área em que ainda vivem familiares das vítimas." O terceiro processo ainda está tramitando. O resto foi arquivado.
Quando vemos Jair Bolsonaro dedicar seu voto de impeachment a um torturador, muitos de nós acreditamos que ele seja um monstro. Uma excrescência. Um ponto fora da curva. Não, ele não é.
O deputado mais votado do Rio de Janeiro, elogiando atos criminosos perpetrados pelo Estado, subscreve ações como as execuções de 2006, assim como boa parte da população brasileira. Principalmente –e isso é o mais chocante– a parte supostamente mais esclarecida dessa população.
Como apontou Fernando Barros no blog da "Piauí" ao analisar a última pesquisa Datafolha sobre intenção de votos para presidente, "entre os que têm renda familiar mensal superior a dez salários mínimos (apenas 5% da população do país), Bolsonaro lidera a corrida presidencial. Em um dos cenários, chega a ter 23% das preferências dos eleitores mais aquinhoados".
Quinhentas e cinco pessoas assassinadas pela polícia, em dez dias. Faz dez anos. Quinhentas e cinco. Cinco centenas, mais cinco –e não é que ninguém esteja nem aí, é pior: querem botar quem aplaude os assassinos na Presidência da República.
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