Por Carlos Eduardo Rios do Amaral
Juízes de Direito, Promotores de Justiça e Defensores Públicos que militam dia-a-dia nos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher do País conhecem bem esse drama familiar que vou lhes contar, de modo muito sucinto:
Certa mulher vive debaixo do mesmo teto com seu companheiro agressor, com quem teve numerosa prole. Alcoólatra e viciado, o varão todos os dias espanca violentamente sua esposa após o trago diário no botequim e na boca-de-fumo. As inocentes crianças nada podem fazer, a tudo assistem como telespectadores dessa vida infernal e sem esperanças. Quem ousar entrar na frente, em defesa da mãe, também apanha, podendo até mesmo vir a óbito, morto por uma serrinha de pão. Um dia essa mulher se encoraja, a bem dos filhos, e denuncia seu carrasco à polícia. Depois do boletim de ocorrência, deferida a medida protetiva de urgência, o agressor foge e nunca mais regressa. Sequer se importa em prestar alimentos ou qualquer tipo de auxílio aos seus filhos ou à esposa com quem conviveu muitos anos.
Caro leitor desacostumado às letras jurídicas, este pesadelo acontece diariamente, infelizmente.
Perdida a dignidade para a crueldade e brutalidade de seu companheiro, fica a pergunta de como manter esse lar, que, pelo menos, deixou de ser um ringue, aonde, claro, só a mulher ia a nocaute.
Mas o pior ainda poderá acontecer. Essa pobre e infeliz vítima e seus muitos filhos podem perder o lar, não ter nenhuma segurança jurídica a respeito da posse e da propriedade do modesto e pequeno imóvel onde habitam há tantos anos.
O agressor, refazendo sua vida com outra mulher – a próxima vítima, é claro -, tendo com esta outros filhos, movido pela ganância e sua iniqüidade habituais, muitos anos depois soca a porta de sua presa fácil ou (e) manda recados ameaçadores por terceiros para dizer que voltou, que é dono da metade de tudo, referindo-se ao humilde lar aonde a sobrevivente e corajosa mulher conseguiu refazer sua vida, longe de violência, sustentando e educando seus filhos, preparando-os para a vida.
Sabe muito bem, sim, o agressor que a meação que caberá à sua ex-companheira e para si não dará para comprar outro teto para morar, que seus filhos ficarão na rua, que sua família deixada para trás não tem condições de pagar um aluguel. Essa é a estratégia do agressor, a cruel e desgraçada estratégia, sua revanche pela lavratura do boletim de ocorrência. Entende este que tinha uma espécie de direito adquirido de bater na sua mulher e esta ter a obrigação de ficar calada para sempre.
Finalmente, com a sanção da Lei nº 12.424, de 16 de Junho de 2011, agora as coisas vão mudar, para melhor.
É que a partir desse novo e salvífico diploma legal contados 02 (dois) anos após o abandono do lar pelo companheiro agressor, a mulher vítima da cotidiana violência familiar e seus filhos poderão requerer a integral aquisição do terreno pela usucapião.
Eis a redação do novel Art. 1.240-A, criado pela Lei citada:
“Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011)
§ 1o O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.
§ 2o (VETADO). (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011)”.
Até mesmo, e principalmente, a meação do agressor poderá – e deverá – ingressar no patrimônio da vítima, como sua propriedade, adquirindo, assim, o domínio integral e exclusivo do lar, que outrora era um verdadeiro inferno aberto por conta do agressor.
Quanto ao agressor, este perderá sua meação para a vítima, e não fará jus a exigir a partilha do casebre e de seu quintal, desde que a porção que reverta para esta não exceda a 250m² (duzentos e cinqüenta metros quadrados).
Em verdade, e muitas vezes, a parcela da meação do varão agressor que reverterá em proveito da mulher ofendida sequer serve de compensação pelos danos morais e materiais, estéticos e psicológicos, ocasionados na mesma. Existem seqüelas que jamais se apagarão, talvez sim pela perspectiva e realização profissional dos filhos. Mas isso só o tempo vai dizer.
Destarte, passados, assim, 2 (dois) anos da concessão da medida protetiva de urgência de afastamento do agressor do lar, sem que este tenha pleiteados seus direitos, desaparecendo sem dar notícias, poderá a ofendida requerer que o Magistrado do Juizado de Violência Doméstica e Familiar - dentro da competência cível que lhe cabe (Art. 14 da Lei nº 11.340/2006) - converta o mandado cautelar em título executivo judicial que lhe reconheça a usucapião sobre a meação do agressor, outorgando a esta o domínio integral do lar.
O Juiz da ação em trâmite no Juizado de Violência Doméstica e Familiar é preciso conhecedor da deserção do agressor do lar. Citado por edital, por estar em local incerto e não sabido, 2 (dois) anos após deverá perder sua meação sobre o lar que tanto afligiu e atormentou, embebedado de cachaça e mergulhado no seu cachimbo de crack. Tanto a sentença penal condenatória, como efeito da condenação, tanto a sentença proferida na medida protetiva, assim como uma ação autônoma cível servem de escudo para tal reconhecimento do domínio em prol da ofendida.
Demandada no juízo cível pelo seu algoz, naturalmente poderá e deverá a vítima argüir a usucapião da meação de seu agressor como matéria de defesa (Súmula 237 do STF).
Feliz a Lei nº 12.424/2011, que com muita sapiência e sensibilidade jurídicas acalenta a mulher ofendida e sua prole, resgatando a dignidade dessa gente tão sofrida e humilhada no Brasil.
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Carlos Eduardo Rios do Amaral é Defensor Público do Estado do Espírito Santo
Juízes de Direito, Promotores de Justiça e Defensores Públicos que militam dia-a-dia nos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher do País conhecem bem esse drama familiar que vou lhes contar, de modo muito sucinto:
Certa mulher vive debaixo do mesmo teto com seu companheiro agressor, com quem teve numerosa prole. Alcoólatra e viciado, o varão todos os dias espanca violentamente sua esposa após o trago diário no botequim e na boca-de-fumo. As inocentes crianças nada podem fazer, a tudo assistem como telespectadores dessa vida infernal e sem esperanças. Quem ousar entrar na frente, em defesa da mãe, também apanha, podendo até mesmo vir a óbito, morto por uma serrinha de pão. Um dia essa mulher se encoraja, a bem dos filhos, e denuncia seu carrasco à polícia. Depois do boletim de ocorrência, deferida a medida protetiva de urgência, o agressor foge e nunca mais regressa. Sequer se importa em prestar alimentos ou qualquer tipo de auxílio aos seus filhos ou à esposa com quem conviveu muitos anos.
Caro leitor desacostumado às letras jurídicas, este pesadelo acontece diariamente, infelizmente.
Perdida a dignidade para a crueldade e brutalidade de seu companheiro, fica a pergunta de como manter esse lar, que, pelo menos, deixou de ser um ringue, aonde, claro, só a mulher ia a nocaute.
Mas o pior ainda poderá acontecer. Essa pobre e infeliz vítima e seus muitos filhos podem perder o lar, não ter nenhuma segurança jurídica a respeito da posse e da propriedade do modesto e pequeno imóvel onde habitam há tantos anos.
O agressor, refazendo sua vida com outra mulher – a próxima vítima, é claro -, tendo com esta outros filhos, movido pela ganância e sua iniqüidade habituais, muitos anos depois soca a porta de sua presa fácil ou (e) manda recados ameaçadores por terceiros para dizer que voltou, que é dono da metade de tudo, referindo-se ao humilde lar aonde a sobrevivente e corajosa mulher conseguiu refazer sua vida, longe de violência, sustentando e educando seus filhos, preparando-os para a vida.
Sabe muito bem, sim, o agressor que a meação que caberá à sua ex-companheira e para si não dará para comprar outro teto para morar, que seus filhos ficarão na rua, que sua família deixada para trás não tem condições de pagar um aluguel. Essa é a estratégia do agressor, a cruel e desgraçada estratégia, sua revanche pela lavratura do boletim de ocorrência. Entende este que tinha uma espécie de direito adquirido de bater na sua mulher e esta ter a obrigação de ficar calada para sempre.
Finalmente, com a sanção da Lei nº 12.424, de 16 de Junho de 2011, agora as coisas vão mudar, para melhor.
É que a partir desse novo e salvífico diploma legal contados 02 (dois) anos após o abandono do lar pelo companheiro agressor, a mulher vítima da cotidiana violência familiar e seus filhos poderão requerer a integral aquisição do terreno pela usucapião.
Eis a redação do novel Art. 1.240-A, criado pela Lei citada:
“Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011)
§ 1o O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.
§ 2o (VETADO). (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011)”.
Até mesmo, e principalmente, a meação do agressor poderá – e deverá – ingressar no patrimônio da vítima, como sua propriedade, adquirindo, assim, o domínio integral e exclusivo do lar, que outrora era um verdadeiro inferno aberto por conta do agressor.
Quanto ao agressor, este perderá sua meação para a vítima, e não fará jus a exigir a partilha do casebre e de seu quintal, desde que a porção que reverta para esta não exceda a 250m² (duzentos e cinqüenta metros quadrados).
Em verdade, e muitas vezes, a parcela da meação do varão agressor que reverterá em proveito da mulher ofendida sequer serve de compensação pelos danos morais e materiais, estéticos e psicológicos, ocasionados na mesma. Existem seqüelas que jamais se apagarão, talvez sim pela perspectiva e realização profissional dos filhos. Mas isso só o tempo vai dizer.
Destarte, passados, assim, 2 (dois) anos da concessão da medida protetiva de urgência de afastamento do agressor do lar, sem que este tenha pleiteados seus direitos, desaparecendo sem dar notícias, poderá a ofendida requerer que o Magistrado do Juizado de Violência Doméstica e Familiar - dentro da competência cível que lhe cabe (Art. 14 da Lei nº 11.340/2006) - converta o mandado cautelar em título executivo judicial que lhe reconheça a usucapião sobre a meação do agressor, outorgando a esta o domínio integral do lar.
O Juiz da ação em trâmite no Juizado de Violência Doméstica e Familiar é preciso conhecedor da deserção do agressor do lar. Citado por edital, por estar em local incerto e não sabido, 2 (dois) anos após deverá perder sua meação sobre o lar que tanto afligiu e atormentou, embebedado de cachaça e mergulhado no seu cachimbo de crack. Tanto a sentença penal condenatória, como efeito da condenação, tanto a sentença proferida na medida protetiva, assim como uma ação autônoma cível servem de escudo para tal reconhecimento do domínio em prol da ofendida.
Demandada no juízo cível pelo seu algoz, naturalmente poderá e deverá a vítima argüir a usucapião da meação de seu agressor como matéria de defesa (Súmula 237 do STF).
Feliz a Lei nº 12.424/2011, que com muita sapiência e sensibilidade jurídicas acalenta a mulher ofendida e sua prole, resgatando a dignidade dessa gente tão sofrida e humilhada no Brasil.
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Carlos Eduardo Rios do Amaral é Defensor Público do Estado do Espírito Santo
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