Lavagem de dinheiro
O Plenário do Supremo Tribunal Federal, por sete votos a 1, recebeu a denúncia por acusação de lavagem de dinheiro feita pelo Ministério Público Federal contra o deputado federal Paulo Maluf (PP-SP) e integrantes de sua família. Diante da idade do casal Paulo e Silvia Maluf (mais de 70 anos), os ministros reconheceram a prescrição da pretensão punitiva em relação à acusação de formação de quadrilha, que foi recebida quanto aos demais réus.
Para o relator, ministro Ricardo Lewandowski, há diversos elementos que servem como indícios de prova para o desencadeamento da ação penal, com destaque para o detalhamento do caminho financeiro das alegadas propinas recebidas pelo grupo, com escalas nos Estados Unidos e países da Europa. Em nota, sucinta, Paulo Maluf declarou que vai apresentar a sua defesa, "onde provará a sua inocência".
A Procuradoria-Geral da República opinou pelo recebimento integral da denúncia contra todos os réus. De acordo com a acusação, o então prefeito de São Paulo Paulo Maluf desviou dinheiro da construção da avenida Água Espraiada, concluída em 2000, com custo final de R$ 796 milhões. Roberto Gurgel afirmou ainda que os valores foram remetidos ilegalmente por doleiros a uma conta no Safra National Bank, de Nova York. Dos Estados Unidos, segundo a denúncia, foram remetidos valores para contas bancárias em sete fundos de investimento na ilha de Jersey, os quais também receberam recursos provenientes da Suíça e da Inglaterra. A lavagem do dinheiro teria acontecido com investimentos na Eucatex, empresa da família.
Acompanharam o voto do relator do inquérito, ministro Ricardo Lewandowski, os ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia, Ayres Britto, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e o presidente Cezar Peluso. Somente o ministro Marco Aurélio divergiu e rejeitou toda a denúncia ao reconhecer a prescrição de todos os crimes imputados a Maluf. "Peço vênia ao relator para assentar a prescrição da pretensão punitiva quanto ao detentor da prerrogativa de foro e, a partir dessa premissa, determinar a baixa (da denúncia) à primeira instância, para que se delibere quanto ao inquérito relativamente aos demais envolvidos", disse.
Mesmo acompanhando o voto do relator, os ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes fizeram uma ressalva ao manifestarem preocupação em relação ao chamado crime antecedente, referente ao dinheiro obtido de forma ilícita na década de 90. "Os fatos são extremamente relevantes e é a primeira vez, salvo melhor juízo, que a Corte se depara com essa situação: fatos que antecedem a própria lei (de lavagem de dinheiro) e que, tendo em vista a permanência do crime, podem criar uma situação de efetiva retroatividade", disse o ministro Gilmar Mendes.
O ministro Cezar Peluso fez uma ressalva "expressa" em relação à questão da prescrição do crime de lavagem de dinheiro. "Vou me reservar a reapreciar a questão no curso da ação penal. Mas por ora não vou reconhecê-la", concluiu o presidente do STF.
Argumentos da Defesa
O advogado de Paulo Maluf e de Otávio Maluf (neto do deputado) revelou que o governo suíço teria pedido a devolução dos documentos que servem de base a esse processo. Para o defensor, o uso desses documentos pelo Ministério Público seria uma leviandade. Ele também pediu a rejeição da denúncia com base no fato de que todos os atos apontados como crimes antecedentes — que teriam gerado o dinheiro ilícito que então seria manipulado para lavagem —, teriam sido praticados antes da entrada em vigor da Lei 9.613/98. As transferências apontadas como fraudulentas teriam sido realizadas entre 1993 e o início de 1998.
A defesa também questionou a acusação de formação de quadrilha, dizendo que se trata de uma família. A denúncia não narra fatos, nem diz em que momento ou que atos revelariam que a família se reuniu com intuito de praticar crimes. Como se trata de uma família, disse o defensor, eles estariam em permanente estado de flagrância. Quanto a Otávio Maluf, o advogado revela que o próprio Ministério Público apontou que ele não teve participação alguma nos fatos, não tendo assinado nenhuma das contas envolvidas.
O advogado de Flávio Maluf e Jaqueline Maluf reafirmou o entendimento de que para se caracterizar o crime de lavagem de dinheiro é necessário que exista um crime antecedente. A lavagem de dinheiro não é um crime autônomo, disse o defensor. Assim, é pressuposto do crime a existência de um crime anterior, que gere os recursos ilícitos a serem lavados. Ele salientou que os crimes tidos como antecedentes para o crime de lavagem estão em análise pela Corte na Ação Penal 477. Segundo a defesa, eventualmente, pode acontecer de os acusados serem condenados pelo crime de lavagem, mas serem inocentados pelos crimes tidos como antecedentes. Por isso, afirmou, seria necessário julgar conjuntamente os dois processos.
O defensor também se manifestou pela ilicitude das provas obtidas pelos documentos apresentados pelo governo da Suíça. Ele afirmou que esses documentos, que foram usados para outros fins que os dispostos no acordo entre os dois países, serviu de base para outro processo, que também chegou ao STF com a diplomação de Paulo Maluf — a Ação Penal 483. Assim, existiria uma relação de litispendência entre a ação e este inquérito. Contestou, também, a acusação de formação de quadrilha. Segundo ele, no Brasil se transformou a formação de família em formação de quadrilha.
Por fim, apontando a inépcia da inicial por falta de lastro fático, o advogado defendeu a prescrição da pretensão punitiva do Estado quanto ao crime de formação de quadrilha, uma vez que todos os fatos datam no máximo de 1998 e, portanto, já teriam sido alcançados pelo prazo prescricional.
O advogado das rés Lígia Maluf Curi, Sylvia Luftalla Maluf e Lina Maluf Alves da Silva também pediu à corte que rejeite a denúncia quanto ao crime de lavagem de dinheiro, corroborando a tese de que todos os fatos apontados como crimes antecedentes ocorreram antes de março de 1998, quando foi editada a Lei 9.613. Como são fatos anteriores, disse o defensor, não podem ser alcançados por essa norma, com base no principio da irretroatividade da lei penal mais gravosa.
Ele também se manifestou no sentido da ilicitude das provas oriundas dos documentos recebidos do governo suíço. Para o advogado, esses documentos só poderiam ser usados para fins diversos do que constava do acordo entre os dois países se fosse feito um novo pedido às autoridades suíças. Nesse ponto, o advogado lembrou que várias outras provas derivam dessa prova ilícita. Assim, com base no princípio da teoria da árvore dos frutos envenenados, todas as provas derivadas da prova reconhecida como ilegal devem ser desentranhadas dos autos.
Por fim, ele ressaltou que a denúncia não individualizou as condutas de suas clientes na prática dos delitos apurados. O defensor revelou que as três são donas de casa, e suas vidas se resumem a cuidar dos filhos e das netas, e que nunca cuidaram de questões financeiras da família.
Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.
Inquérito 2.471