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A crise do Judiciário parece ter atingido seu ápice. É certo que, no Brasil, a sociedade nunca encarou a justiça com bons olhos. Apesar disso, meu sentimento é que o déficit de legitimidade do Judiciário atingiu proporções nunca antes vistas. Parece que o povo perdeu completamente o respeito e a esperança em relação às instituições judiciais e não há qualquer perspectiva de melhora à vista.
O que pouca gente sabe é que o sentimento interno da magistratura – e aqui falo particularmente da magistratura federal, que conheço mais de perto – também é de grande frustração. Na minha percepção, os juízes federais também estão profundamente desiludidos com a carreira, e o abismo que separa a base da cúpula é cada vez maior. Obviamente, não se pode criar uma figura mitológica como “a magistratura federal” e, a partir daí, achar que todos os juízes compartilham dos mesmos valores e sentimentos. A divisão interna também é profunda – tanto horizontal quanto verticalmente. Engana-se aquele que pensa que a magistratura é una e coesa. Há uma saudável diversidade ideológica na carreira.
Não pretendo me alongar sobre essa crise do Judiciário. Meu intuito é tão somente firmar posição sobre um ponto em que não posso deixar de me omitir. Refiro-me à fiscalização dos juízes, mais especificamente ao controle de seus rendimentos, inclusive movimentações bancárias e sigilo fiscal, que tem sido o alvo das controvérsias mais recentes.
Na minha ótica, faz parte dos poderes correcionais ter acesso a tais dados sigilosos. Todo juiz, por força de lei, é obrigado a enviar cópia de sua declaração de IRPF ao tribunal a que está vinculado. Parece óbvio que o envio dessas informações tem o propósito de permitir o controle da evolução patrimonial do magistrado. Por isso, não entendo o motivo de tanta perplexidade por parte das associações de magistrados, que estão criticando a atuação da Min. Eliana Calmon.
A meu ver, defender o sigilo fiscal e bancário de autoridades públicas – e isso deveria valer para qualquer autoridade pública e não apenas para os juízes – é afastar-se da transparência e accountability, que deveria pautar a boa governança. Os detentores de poder precisam prestar contas à sociedade. Por isso, entendo que as associações de magistrados, nesse ponto, cometem um erro estratégico grave, pois se apegam a valores retrógados e corporativistas difíceis de sustentar nos dias atuais, sobretudo diante da crise de legitimidade do Judiciário.
Não se trata de cair na superficialidade do argumento “quem não deve não teme”. A questão é muito mais profunda, pois envolve um tipo de transparência que qualquer pessoa que exerce um poder em nome do povo deveria está disposto a aceitar.
Para finalizar, reproduzo uma mensagem do juiz federal Sérgio Moro, publicada no blog do Fred, sobre o mesmo tema aqui ventilado:
“Do juiz federal Sergio Fernando Moro, de Curitiba, titular de vara especializada em crimes financeiros e lavagem de dinheiro –ou seja, conhecedor dos procedimentos de quebra de sigilos–, ao levantar dúvidas sobre as alegações das associações de magistrados:
Eu, assim como acredito, muitos outros juízes federais, não estou de acordo com as últimas iniciativas das associações de classe dos juízes, inclusive Associação dos Magistrados Brasileiros e Associação dos Juízes Federais do Brasil, no que diz respeito à Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça, tanto no que se refere às ações propostas no Supremo Tribunal Federal como nas declarações e notas na imprensa desastradas.
Não me convenci de que houve quebra de sigilo bancário ou fiscal de 200 mil juízes, servidores e familiares. Pedir ao COAF informações sobre registros de “operações financeiras suspeitas”, se é que a Corregedoria fez isso (só vi pelo jornal), não é exatamente a mesma coisa que quebrar o sigilo bancário de toda essa gente, e ter a Corregedoria acesso às declarações de imposto de renda dos juízes é algo normal, já que previsto na Lei 8.492.
Quanto ao vazamento acerca dos pagamentos aos ministros do STF, não sei, a ministra negou e acho leviana qualquer conclusão.
Fora talvez alguns excessos verbais, as ações da Corregedoria do CNJ deveriam merecer o apoio das associações de classe e não o contrário.
É duro como associado fazer parte dos ataques contra a ministra Eliana”.
Fonte: direitosfundamentais.net
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