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Calcanhar de Aquiles da vigilância de presos
Detento mostra como retirar tornozeleira e atesta fragilidade do monitoramento


Desacreditado por um esquema de corrupção que consiste na venda de lacres reservas, o sistema de monitoramento eletrônico de presos por tornozeleiras sofre agora um novo baque. Um vídeo em circulação por redes sociais mostra um detento retirando o equipamento com o uso de uma tesoura.

As imagens teriam sido gravadas dentro de uma viatura da Rotam (veja no www.hojeemdia.com.br ). O detento debocha do sistema. “Essa tornozeleira é a coisa mais difícil de tirar, né! Vou ensinar pro pessoal agora como é que tira e coloca de novo. Aprende aí. O cara vai, dá um rolê e não gasta três minutos”, diz. Sarcástico, ele completa: “muito inteligente quem bolou isso”.

A Polícia Militar não confirma que as imagens tenham sido gravadas na unidade da Rotam. De qualquer forma, a Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds) informa que a central de monitoramento é imediatamente alertada quando há a violação de tornozeleira.

Quando isso ocorre, é tentado até três contatos telefônicos com o monitorado, que deve se reapresentar com uma justificativa. Se o detento não é localizado, é tratado como foragido e a polícia é acionada. A partir daí, a ocorrência é encaminhada para o juiz, que decide a medida a ser tomada.

Comércio ilegal

Lacres sobressalentes das tornozeleiras estariam sendo vendidos na própria Unidade Gestora de Monitoração Eletrônica (UGME), ligada à Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Seds), por valores que variam de R$ 500 a R$ 5 mil. Com esse lacre em mãos, detentos estariam conseguindo burlar os alertas do sistema. A denúncia foi mostrada com exclusividade pelo Hoje em Dia no início do mês.

De acordo com a Seds, a UGME conta com uma equipe de profissionais para atendimento psicossocial do preso admitido ao sistema. Um dos objetivos desse trabalho é justamente avaliar a situação do detento e orientar a ele e sua família sobre a importância de usar corretamente o aparelho.

A secretaria ainda reforça que a tornozeleira aplicada em Minas Gerais tem as mesmas características de aparelhos do tipo usados no mundo. Defende, ainda, que o sistema é uma alternativa ao encarceramento. “Esse preso deixará de ocupar uma vaga que poderá ser aproveitada para encarcerar outra pessoa que apresente potencial ofensivo maior para a sociedade”, diz.

Estado investiga, mas garante que nada aconteceu neste ano

A corregedoria da Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds) investiga o sumiço de 200 lacres de tornozeleira eletrônica da Unidade Gestora de Monitoração Eletrônica (UGME). O órgão informa que a apuração, iniciada no ano passado, foi retomada agora pela nova corregedora, Katiúscia Fagundes. Porém, denúncia encaminhada à Assembleia Legislativa revela o sumiço de mais 450 em maio deste ano.

Em nota, a Seds reconhece que há uma investigação em curso, mas alega que “não foi detectado nenhum desaparecimento de lacres na atual gestão”. A Seds diz ainda que nenhum autor foi identificado até o momento. De acordo com relatos de uma fonte da segurança pública, a que o Hoje em Dia teve acesso, o esquema envolve funcionários da secretaria e da empresa que fornece os equipamentos, a Spacecom. Esses servidores seriam responsáveis por controlar os lacres.

Como é de praxe, para cada lote de tornozeleiras enviado ao Estado, a empresa manda 10% a mais, para substituição em caso de quebra. Esses lacres extras, que não seriam submetidos a nenhum tipo de controle, seriam desviados.

Detento mostra como retirar tornozeleira e atesta fragilidade

Processo

Comprando lacres extras, o monitorado rompe o original e fica livre para cometer crimes, ou sair da zona de monitoramento. Esse rompimento é automaticamente alertado à UGME, mas, quando o detento é convocado para se reapresentar e prestar esclarecimento sobre o fato, já aparece com um novo, comprado da quadrilha. Dessa forma, tudo seria registrado apenas como “falha do sistema”. A fonte revelou ainda que várias dessas violações não têm a justificativa preenchida pelo servidor responsável envolvido na fraude.

Resposta

A Spacecom nega envolvimento no esquema. O presidente da empresa, Savio Bloomfield, alega que não é possível burlar o sistema apenas violando o lacre mecânico. Para retirar o equipamento, afirma ele, é necessário quebrar o lacre e assim remover a cinta de fixação. Quando se retira a cinta, a tornozeleira, através da fibra óptica, detecta e registra o evento no sistema automaticamente, sem intervenção de nenhum operador.

“Esse alarme fica registrado no sistema e ninguém consegue apagá-lo. Não tem como retirar o equipamento sem gerar o alarme”, explica. O sistema de monitoramento eletrônico é utilizado para acompanhamento de presos que ganharam o benefício de prisão domiciliar e também no monitoramento de agressores enquadrados na Lei Maria da Penha.

Assembleia convoca diretores de central de monitoração

A Comissão de Administração Pública da Assembleia realiza nesta terça-feira (30) audiência para discutir a “máfia das tornozeleiras”. O diretor-geral da Unidade Gestora de Monitoração Eletrônica (UGME), Wadson Timo Abreu, e o diretor-adjunto do mesmo órgão, Santi Clair Sanches, foram convocados a prestar esclarecimentos sobre a denúncia de extravio de lacres.

O subsecretário de Administração Prisional, Antônio de Pavoda Marchi Júnior, também foi chamado, mas na condição de convidado. O requerimento da audiência foi feito pelo deputado Cabo Júlio (PMDB). Segundo o parlamentar, representantes da Spacecom não foram listados porque a Assembleia “não tem poder para convocar empresa privada”.

No lixo

Na semana passada, a Guarda Municipal encontrou uma tornozeleira eletrônica em uma lixeira na rua Dos Meneses, no bairro Lagoa, em Venda Nova. O aparelho ainda estava com a luz de led acesa, que indicava o monitoramento. O equipamento foi removido por uma detenta, considerada agora foragida.


2,5 mil presos são monitorados por tornozeleira eletrônica em Minas gerais
Confira vídeo: