Manaira Medeiros
O Fórum Capixaba de Entidades em Defesa da Bacia do Rio Doce, composto por 76 instituições e ONGs, acionou nesta quinta-feira (3) a Organização das Nações Unidas (ONU) para que apoie uma investigação independente dos impactos gerados pelo rompimento da barragem de rejeitos de minério da Samarco – Vale e BHP Billiton - em Mariana (MG).
As entidades justificam essa necessidade, que apontam como urgente, no fato de que as informações disponíveis para a população até agora se mostram controversas e com “fortes evidências de distorção”.
Além disso, quase um mês depois da maior tragédia socioambiental do País - completo neste sábado (5) -, nenhuma ação efetiva foi tomada pelo governo federal e empresas responsáveis para evitar novos danos. “A medidas são claramente insuficientes e ineficazes”, criticam.
O documento que alerta à ONU sobre a gravidade do caso foi entregue na tarde desta quinta-feira (3) a representantes do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, em Brasília, por Bruno de Souza Toledo, membro da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Vitória (CJP/ES). O Fórum pede que o assunto seja incluído na agenda da ONU no País.
Entre as ações, as entidades solicitam ao Alto Comissariado que acione o governo brasileiro para que reveja seus procedimentos de fiscalização das atividades de mineração, evitando, assim, novas tragédias.
O documento informa que existem 27 mil minas produtoras no Brasil e o órgão responsável por supervisionar a atividade, o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), tem somente 220 técnicos. Destes, apenas 12 são treinados para inspeção de barragens, o que possibilitou o monitoramento de poucos projetos este ano - 60.
Da mesma maneira, já são 662 as barragens registradas no DNPM como rejeitadas por possibilidade de riscos e danos - 32 de alto risco, 96 de médio risco, e 535 de baixo risco. “A represa que quebrou em Mariana foi classificada como baixo risco, o que demonstra a alta probabilidade de novas rupturas ocorrerem”, sinaliza o Fórum.
As entidades também querem intervenção das Nações Unidas para garantir a proteção imediata das populações atingidas por meio de cobranças ao governo, mas, principalmente, às empresas.
“As populações urbanas que dependem do rio, como a cidade de Colatina-ES, ou aqueles que vivem no rio, como os povos indígenas Krenak ou comunidades tradicionais, como a pequena vila de Regência, um santuário de tartarugas marinhas, estão em estado crítico”, pontou, acrescentando que as pessoas estão sem trabalho ou perspectiva de obter qualquer ajuda financeira.
O documento lembra que são cerca de 50 milhões de resíduos de minério de ferro lançados no rio Doce e no oceano, com altos níveis de metais pesados e produtos químicos tóxicos, que resultaram na morte milhares de espécies da bacia hidrográfica do quinto rio mais importante do Brasil.
“Neste momento, a lama é espalhada ao longo da costa do Espírito Santo e não é possível dimensionar o grau de devastação que ainda pode causar”. As informações sobre a contaminação das praias, dizem as entidades, também são negligenciadas por órgãos públicos e empresa. “A dispersão da lama nas praias através do ar (evaporação, condensação e precipitação) e do lençol freático é iminente, mas não foram tomadas medidas para garantir a saúde pública”.
O Fórum também relata à ONU sobre a fragilidade das instutuições, inclusive do próprio Judiciário, que apresentou decisões contraditórias e distintas no caso. As entidades se referem à sentença da Justiça Federal que havia estabelecido prazo de 24 horas à Samarcopara bloquear a lama tóxica antes da chegada ao oceano, e a outra da Justiça Estadual que obrigou a empresa a fazer o contrário, aumentando a vazão da foz do rio em Regência, como ocorreu, facilitando o encontro dos rejeitos com o mar.
Outra preocupação manifestada no documento é a influência das controladoras daSamarco nas autoridades públicas, especialmente os políticos. O Fórum lembra que somente a Vale e suas subsidiárias investiaram R$ 46,5 milhões nas campanhas eleitorais de 2014.
Lama tóxica
Ao contrário do que tem propagado as empresas e o poder público, as entidades do Fórum reiteram que a lama é tóxica. O documento faz referência a informações de trabalhadores do setor, de que o residual tem ferro e metais pesados como mercúrio e arsênio, “altamente tóxicos”.
Alertam, ainda, que as pessoas que entraram em contato com os rejeitos, inclusive os voluntários que ajudaram as vítimas, apresentaram sintomas de intoxicação, como mal-estar, tonturas, dores de cabeça, dor de garganta e confusão mental.
A ação de metais pesados na saúde humana, afirmam, é diversificada e profunda, “porque eles não são destruídos ou sintetizados por seres humanos”.
As contradições sobre os diversos estudos feitos a respeito da presença de metais pesados na água do rio Doce é outro ponto que o Fórum chama atenção das Nações Unidas como exemplo de ação ineficaz e desinformação. Mesmo sem precisar sua qualidade, a água tem sido utilizada para consumo humano, colocando em risco a população.
As entidades apresentam à ONU análises realizadas na água do rio Doce que confirmam a contaminação, inclusive sem possibilidade de tratamento com a mudança de coagulante (uso de acácia-negra tanino).
O Fórum afirma que a instabilidade existente no rio Doce sobre a qualidade da água é transferida para o sistema de tratamento, tornando insegura a captação e distribuição para a população.
Segundo o documento, todo o curso do rio Doce deve ser avaliado e monitorado, não só em termo da qualidade da água, mas da qualidade do sedimento, “porque é possível que poluentes existentes nos sedimentos forneçam contaminantes para a água que fluirá no leito do rio”.
As entidades denunciam ainda o descaso em cidades como Colatina, onde os moradores têm de aguardar em longas filas para ter acesso a apenas dois litros de água, e a violência da polícia para reprimir os protestos contra a desorganização e falta de água, como se fossem “bandidos”.
O vazamento de 55 milhões de metros cúbico de rejeitos contaminados, como dizem as entidades, colocou em risco rio Doce e toda sua extenção de 853 quilômetros, matando várias espécies animais e vegetais por oxigênio supressão, sepultamento e intoxicação. “A cadeia alimentar foi interrompida”.
O Fórum garante que a probabilidade de a extinção de espécies endêmicas é alta. “Este sedimento solidifica, criando uma camada que vai lançar arsénio, mercúrio, cromo e alguns outros produtos químicos ao longo de décadas, envenenando a água e seus seres. Durante as cheias, o leito do rio vai virar, liberar a lama, suprimir o oxigênio e causar novas mortes”.
Assinam o documento as seguintes entidades e instituições, confira: http://seculodiario.com.br/26198/10/entidades-acionam-onu-para-investigacao-independente-do-crime-da-samarcovale
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