Fundador do Pirate Bay, um dos mais famosos sites acusados de infringir direitos autorais com downloads gratuitos, Peter Sunde defendeu na quarta-feira, 9, que o acesso à informação e à própria internet depende de organização local e da desobediência por parte dos internautas. O sueco participou de uma mesa do encontro global Emergências, que discutiu a internet como espaço público em uma de suas mesas de debate. O evento, promovido pelo Ministério da Cultura, prossegue até domingo, 13, e reúne pensadores, ativistas, artistas, produtores culturais, gestores e agentes políticos de todo o mundo, no Rio de Janeiro.
"Temos que quebrar regras com a internet. Temos que decidir o que queremos fazer e o que queremos nos tornar. Precisamos ser desobedientes", disse ele, referindo-se à necessidade de democratizar conteúdos e encontrar outras formas de compartilhar informações.
Sobre a acessibilidade, ele defendeu que as pessoas e países não podem esperar que as empresas se interessem pela universalização do acesso. "Precisamos ter iniciativas locais", disse ele, que afirmou considerar "perigosa" a concentração dos serviços de internet em grandes empresas transnacionais.
O tema "Internet como Espaço Público" foi debatido no encontro global Emergências, na Fundição Progresso, centro da cidade(Imagem: Tânia Rêgo/ Agência Brasil)
Ao tratar do próprio caso do Pirate Bay, ele afirmou que o site partiu de um desejo dos fundadores de beneficiar as pessoas. "Fizemos por uma razão maior. Não estávamos interessados em fazer as empresas se beneficiarem com o consumo. Queríamos ajudar as pessoas a compartilharem as informações e a se unirem".
O debate contou também com a presença de Niv Sardi, fundador do Butter Project e integrante do site Popcorn Time, que foi tirado do ar também sob acusação de infringir direitos autorais ao exibir filmes e séries gratuitamente. Nascido na Argentina, ele também destacou a necessidade de organização popular em prol da conectividade. "É muito importante criar estruturas populares independentes dos governos e independentes dos partidos para promover o acesso à internet".
Apesar disso, ele reconheceu o papel do Estado na garantia dos direitos dos internautas: "Os estados devem proteger os cidadãos do que fazem as empresas, e é isso que se está pedindo quando se discute a privacidade na internet".
Empoderamento
A pesquisadora Joana Varon chamou a atenção, durante o debate, para o fato de os brasileiros terem pouca familiaridade com o hardware e as questões técnicas sobre a rede, o que, na visão dela, atrapalha o próprio debate sobre a regulação da internet no Brasil.
"A gente precisa ter outro grau de apropriação do hardware. A gente compra tudo como se fosse caixa preta. Isso é altamente prejudicial para o desenvolvimento do setor", disse ela, que incentivou: "Desencantem. abram a caixa preta, desmontem e entendam".
Joana defendeu que esse empoderamento precisa acontecer principalmente entre as mulheres: "A internet tomaria uma forma diferente se tivesse mais mulheres tocando nesses códigos e nesses direitos".
Ações micropolíticas
O poder de uma única pessoa ou de grupos pequenos fazerem a diferença na internet foi um dos pontos destacados pelo professor da Universidade Europeia de Madrid Javier de La Cueva. "Grupos pequenos de ativistas começaram a fazer ações políticas concretas e essas ações já fizeram cair quatro leis espanholas", disse ele, que acrescentou: "Não é necessário que sejamos muitos. É necessário ser politicamente consciente e estudar. Estudar e fazer".
O espanhol argumentou que o objetivo dos ativistas na internet deve ser a busca de mudanças internas no sistema. "É uma questão de como mudar o mundo de dentro, e não de como mudar o mundo sendo contra. Temos que ser proativos e não reativos".
Para Javier, as opções e hábitos dos internautas são uma arma para fazer com que as corporações mudem na rede: "As empresas existem porque somos como somos. Se queremos que as corporações deixem de existir como são, temos que mudar o modo que somos como pessoas".
Para o pesquisador da Fundação Getúlio Vargas Luiz Moncau, há limites para o que se pode obter com a mudança de hábitos. "A gente precisa ter uma mudança nas atitudes, mas em uma tacada só as empresas podem derrubar muitas conquistas que obtivemos por mudança de hábitos. Se a gente não ocupar os espaços técnicos e qualificados, as nossas mudanças conquistadas por mudanças de hábitos acabam destruídas".
Discurso de ódio e anonimato
Um dos temas de maior destaque no debate foi o combate ao discurso de ódio na internet. Integrantes da plateia defenderam que haja maior punição e rastreamento dos responsáveis por esses discursos, mas os pesquisadores ponderaram que o direito ao anonimato é uma das principais defesas do cidadão na rede. Para o sociólogo Sérgio Amadeu, que preside o Instituto Nacional de Tecnologia da Informação, excessos na vigilância na rede abrem portas para autoritarismos.
"Não é porque existe pedofilia, tráfico de drogas e lavagem de dinheiro que temos que abrir mão da nossa privacidade para ter segurança. O discurso de ódio, os discursos transfóbico e homofóbico existem fora da internet. Existem nos botecos, nos corredores da universidade, em vários lugares. E existem leis contra isso. É preciso que se tenha uma melhoria das leis. É preciso que a polícia aja em prol da cidadania", disse o professor, que argumentou que a ausência de anonimato na rede não impede que os criminosos encontrem meios para praticar crimes. "Se começarmos a guardar os registros de conexão, vamos estar aumentando a vulnerabilidade das pessoas".
*Edição: Maria Claudia
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