Quatro batalhões usaram quase 50% das munições da PM, diz estudo
POR VERA ARAÚJO
RIO — Um perfil publicado numa rede social revela algumas curiosidades sobre um homem de 46 anos, vaidoso, de 1,70m. Ele afirma, por exemplo, que não é religioso e se descreve como “viciado em adrenalina”. Mas o que o torna uma pessoa realmente diferente é um recorde: de 1º de janeiro a 27 de outubro deste ano, ele disparou nada menos que 606 tiros de fuzil 7.62, o que dá uma média de dois por dia. O dono da marca é um sargento do Grupamento de Ações Táticas (GAT) do 41º BPM (Irajá), o mesmo batalhão dos quatro policiais envolvidos na execução de cinco jovens em Costa Barros, no último sábado. O levantamento foi feito pelo comando da PM, que vem monitorando o uso de munição pela tropa, para tentar controlar o alto índice de letalidade de algumas unidades.
Ainda de acordo com o Programa de Gestão e Controle do Uso da Força, implantado em fevereiro, o 41º BPM ocupa o primeiro lugar no ranking de batalhões com maior número de mortes decorrentes de ações policiais. Foram 67 no mesmo período. Além disso, é na área patrulhada pela unidade que foi registrada a maior quantidade de óbitos causados por balas perdidas este ano: 12. E mais: as ações do GAT do batalhão deixaram, também entre janeiro e outubro, 18 pessoas mortas e nove feridas.
QUASE UM TERÇO REPROVADO EM CURSO
O levantamento, obtido com exclusividade pelo GLOBO, mostra que policiais do 41º BPM efetuaram 11.560 disparos desde o início do ano, perdendo apenas para o 7º BPM (São Gonçalo), com 15.707 tiros. A soma dos números dessas duas unidades com os do 12º BPM (Niterói) e do Bope chega a 42.487 disparos. De acordo com o Sistema de Material Bélico (Sismatbel) da PM, os quatro batalhões gastaram quase 50% de toda a munição já usada pela corporação em 2015.
As estatísticas levaram o comandante do Estado-Maior da PM, coronel Robson Rodrigues, a mandar os 63 policiais que mais atiraram para uma avaliação técnica e psicológica. Segundo o oficial, chama a atenção o fato de três dos quatro batalhões — a exceção é o Bope — estarem localizados em áreas conflagradas.
— A tensão é grande, há um maior desgaste emocional do policial, mas impressiona o uso elevado de munição e o número de vítimas em ações desses batalhões. São indicativos que nos preocupam. Por isso, temos de gerenciar os riscos, fazendo um controle dos policiais. O ideal é que esse acompanhamento fosse feito em todas as unidades, mas decidimos, num primeiro momento, escolher aqueles que mais atiram — disse Rodrigues, que coordena a pesquisa.
VEJA O RANKING DOS BATALHÕES MAIS LETAIS
Segundo o coronel, os 63 PMs que mais atiraram já passaram por um curso com duração de dez dias. Eles foram divididos em duas turmas, com aulas até de tiro num estande virtual. No primeiro grupo, formado por 30 alunos, nove deles foram reprovados, ou seja, quase um terço. O sargento do GAT fez a reciclagem e passou nos testes. A outra turma ainda não concluiu a avaliação.
— Monitorando os que mais atiram, conseguimos fazer as intervenções. Agora, para avaliar todos os policiais com esse perfil, é necessário mais investimento. O policial com treinamento se sente mais seguro, diminuindo o número de disparos. Inseguros, os PMs tendem a revidar, porque ficam estressados com a situação. Só com o controle da munição e a avaliação, já estamos tendo um retorno positivo. Eles sabem que estão sob vigilância e reduzem o uso de armas letais — aposta Rodrigues.
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Os soldados Thiago Resende Viana Barbosa e Antônio Carlos Gonçalves Filho, o cabo Fábio Pizza Oliveira da Silva e o sargento Márcio Darcy Alves dos Santos, acusados da morte dos cinco rapazes de Costa Barros — foram mais de 50 disparos feitos contra o carro das vítimas —, não estão na lista dos que mais atiram. Portanto, não passaram pela reciclagem.
Segundo o delegado Rui Barbosa, titular da 39ª DP (Pavuna), responsável pela investigação do crime, os quatro PMs disseram que estavam numa operação ordenada pelo capitão Daniel, comandante da 3ª Companhia do 41º BPM (Irajá), para evitar o roubo de um caminhão de cerveja da Ambev, que passaria pela região na noite de sábado. O veículo teria se desviado de um comboio de dez caminhões da cervejaria que trafegava pela área.
— Os depoimentos foram contraditórios em alguns trechos, mas, na hora de apontar o capitão Daniel como chefe da operação, todos foram coerentes. Ainda não está claro por que eles decidiram atacar o veículo. Vamos ouvir algum representante da Ambev para esclarecer isso. Esperamos ainda a conclusão dos laudos cadavéricos e do carro — disse Barbosa.
Há uma informação, ainda não confirmada, de que um PM do batalhão trabalharia para a Ambev.
PERÍCIA: PMs MENTIRAM SOBRE ATAQUE
Uma perícia preliminar, feita no local da execução dos cinco jovens, foi suficiente para jogar por terra a versão dos PMs de que deram mais de 50 tiros em “legítima defesa”. As análises revelaram que nenhum disparo foi feito de dentro do veículo das vítimas. A posição dos corpos também derrubou a alegação de que um dos ocupantes do automóvel pôs o corpo para fora da janela, abrindo fogo contra os policiais. Além disso, os depoimentos dos PMs têm, de acordo com um dos investigadores do caso, “relatos absurdos”.
— Encontramos as chaves do automóvel dentro do porta-malas. No entanto, os quatro PMs disseram que os jovens atiraram com o carro em movimento. Como isso pode ter acontecido? Quem tirou a chave da ignição para abrir o porta-malas? É claro que mexeram no veiculo antes de a perícia chegar ao local — afirmou um dos investigadores.
A Polícia Civil já pediu ao 41º BPM informações do GPS do carro do batalhão usado na ação, para checar seu itinerário. Já se sabe que a câmera interna do veículo não gravou imagens, contrariando uma determinação da PM.
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Também na terça-feira, o juiz Sandro Pitthan Espíndola, do Plantão Judiciário, converteu em preventiva a prisão em flagrante dos quatro policiais acusados do crime. Eles serão submetidos imediatamente a processo administrativo, que avaliará se devem ser expulsos ou não.
Já o tenente-coronel Marcos Netto, exonerado do comando do 41º BPM após a execução dos jovens, é o primeiro na lista de promoção da PM, nos quesitos antiguidade e tempo de serviço.
*Colaborou Elenilce Bottari
Fonte: http://oglobo.globo.com/rio/quatro-batalhoes-usaram-quase-50-das-municoes-da-pm-diz-estudo-18196141
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