Relatório da PF indica que esquema vai além do trio desembargador, empresário e advogado já apontado como suspeito
BELO HORIZONTE – O esquema de venda de sentenças investigado pela Polícia Federal (PF) e que tem entre os principais suspeitos o desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais Hélcio Valentim pode ser bem mais amplo. É o que aponta o relatório sigiloso de análise e inteligência da PF que deu origem à Operação Jus Postulandi, deflagrada no final de junho depois da prisão do desembargador, do empresário Tancredo Tolentino, acusado de intermediar as negociações, e do advogado e vereador em Oliveira (Centro-Oeste mineiro) Walquir Avelar (PTB), acusado de negociar sentenças para traficantes.
De acordo com o relatório, o advogado e vereador tinha também contatos na Polícia Militar, que repassavam a ele informações sobre traficantes presos na região, e contratava os serviços de outros colegas para apresentar na Justiça os pedidos de habeas corpus. Além das negociações comandadas por Avelar, que levaram à soltura de pelo menos quatro traficantes – um deles detido com cerca de meia tonelada de drogas –, a PF levanta suspeita sobre outros habeas corpus concedidos pelo desembargador durante seus plantões criminais no TJMG para advogados de outras bancas.
No mesmo domingo de maio em que determinou a soltura de Leandro Zarur de Maia, um traficante do Mato Grosso preso em Bom Despacho, também no Centro-Oeste de Minas, o desembargador libertou Delaine Cristina, condenada a 14 anos por tráfico e que estava presa em Belo Horizonte desde agosto de 2010. A soltura de Leandro foi negociada por Avelar por R$ 96 mil, conforme revelam as escutas telefônicas e as interceptações de e-mails trocados entre ele e uma mulher identificada como Jaqueline Jerônimo. De acordo com a PF, ela era a responsável por discutir os detalhes da soltura não só de Leandro, mas também de outros dois presos que teriam sido soltos por intermediação de Walquir.
A soltura de Delaine foi feita pelo advogado de Betim (Região Metropolitana de Belo Horizonte) Jayme Guimarães Filho. Cinco dias depois de soltar Leandro e Delaine, durante um plantão noturno de sexta-feira, o desembargador libertou também João Carlos Gonçalves, que responde a processo por tráfico de drogas na capital mineira. O pedido de libertação partiu mais uma vez de Jayme Guimarães Filho. A soltura de João Carlos foi tão duvidosa, afirma a PF, que o próprio TJMG cassou a liminar concedida por Valentim logo no dia seguinte, antes mesmo da expedição do alvará de soltura. No caso de Delaine, o habeas corpus também foi cassado, mas ela já tinha sido solta e continua foragida até hoje.
Outro caso suspeito envolvendo o desembargador diz respeito à soltura, também em maio, no plantão de sexta-feira, da advogada Eliane dos Santos Souza, de 47 anos, mais conhecida como “Rainha do Pó”, chefe de uma quadrilha de traficantes. Condenada a 16 anos em Manhuaçu, Zona da Mata, ela foi presa mais de uma vez por tráfico e por manter um laboratório de refino e preparo da droga em seu escritório.
A concessão do alvará de Leandro, impetrada pelo advogado Endrigo Otávio da Silveira, foi dada em tempo recorde. O pedido de habeas corpus foi registrado no final da manhã de domingo, por volta das 11h. Antes das 17h, Avelar já havia ligado para o escrivão de Bom Despacho, onde Leandro estava preso, para pedir a expedição do alvará de soltura. “Como o desembargador Hélcio conseguiu analisar e decidir no mesmo dia e com tanta agilidade os dois habeas corpus protocolados em pleno domingo? No caso do habeas corpus de Leandro, a petição continha mais de 200 páginas de documentos”, questiona o relatório da PF.
O documento também levanta outras perguntas a respeito da concessão dessas liminares: por que Hélcio Valentim não remeteu a decisão ao relator competente e concedeu a liminar no plantão, já que os traficantes soltos por ele estavam presos há muitos dias, portanto não era caso de urgência? “Como o advogado Walquir Alencar ficou sabendo que o desembargador responderia pelos habeas corpus protocolados no domingo dia 15, uma vez que pela internet essa informação não está disponível? “ é outra pergunta feita pela PF no relatório sobre o caso.
Plantões. A resposta para a questão está no depoimento de Jussara Dias Teixeira, oficial do TJMG, designada para o plantão do fim de semana em que o desembargador concedeu as liminares para Leandro e Delaine. Segundo ela, os desembargadores têm um acordo para dividir os processos que chegam durante os plantões de fim de semana. No plantão da soltura dos dois traficantes, o acordo era para que todos os procedimentos que chegassem no domingo fossem direcionados para Hélcio Valentim, e os de sábado para o desembargador Judimar Biber. Procurados pela reportagem, os advogados Endrigo Otávio e Jayme Guimarães não retornaram o pedido de entrevista deixado em seus escritório em Raul Soares (Zona da Mata) e Betim. Walquir Avelar também não foi localizado para comentar o relatório da PF.
Com informações Portal Uai
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