Importante destacar que os Estados Unidos da Ámerica, desde sua independência, e a proclamação de sua Carta de Direitos, nunca passou por nenhuma ditadura, enquanto no Brasil, em um periódo, de pouco mais de 30 anos, enfrentamos duas violentas e cruéis, tendo a última oriunda do Golpe de 1964, vigorado por mais de 20 anos.
As imagens de agentes com uniformes de combate e armamento militar enfrentando manifestantes desarmados em Ferguson, Missouri, reabriram um debate até agora soterrado
As críticas não vêm apenas da esquerda, mas também de vozes conservadoras
Manifestantes com as mãos para o alto, no gesto universal de rendição. Diante deles, agressivos agentes da polícia em uniforme de combate, armados até os dentes e com o apoio de franco-atiradores posicionados em veículos blindados. Nos últimos dias, a opinião pública norte-americana acompanhou atônita esse tipo de cena, mais típica de Gaza ou do Iraque do que de um pequeno subúrbio do Meio Oeste do país.
Além do incidente propriamente dito, a morte do jovem Michael Brown a tiros por um policial em Ferguson (um subúrbio de St. Louis, em Missouri), a dura resposta policial aos protestos desencadeados pela morte dele colocou em evidência o problema que muito especialistas já alertavam há tempos: a excessiva militarização da polícia dos Estados Unidos.
“A militarização de nossas ruas não corresponde com a forma de governo democrático que temos em nosso país”, denunciava nesta sexta-feira o congressista Hank Johnson. O democrata da Geórgia é autor de um projeto de lei para desmilitarizar a polícia, que até agora havia encontrado pouco eco entre seus colegas parlamentares. Mas, depois dos incidentes de Ferguson, parece que algo está mudando.
Os pedidos para que este fenômeno seja mitigado se multiplicaram.
“Temos que desmilitarizar esta situação, este tipo de resposta policial transformou-se no problema, em vez de solução”, criticava Claire McCaskill, senadora democrata para o Estado de Missouri. Mas os questionamentos, desta vez, também chegam do grupo conservador, algo mais raro em um país onde o direito de portar armas continua sendo sacrossanto para a maioria. “Temos que desmilitarizar a polícia”, exigia o republicano Rand Paul, em um editorial para a revista Time.
Até mesmo o procurador-geral dos EUA, Eric Holder, declarava esta semana estar “profundamente preocupado pelo fato de que o uso de armamento e veículos militares esteja enviando uma mensagem contraditória”.
Boa parte do material militar em mãos dos agentes de polícia em todos os EUA tem sua origem no Programa de Excesso de Propriedade do Departamento de Defesa, conhecido como “Programa 1033”. Desde os anos noventa, permite ao Pentágono transferir para policiais locais material bélico excedente a preços baixos –especialmente abundante desde o fim das guerras do Afeganistão e do Iraque– para atividades relacionadas com a luta contra o narcotráfico e possíveis casos de terrorismo, embora a União Americana de Liberdades Civis (ACLU) afirme que seu uso é muito mais amplo.
Segundo a ACLU, que em junho publicou justamente um estudo denunciando esta situação, chamado “A Guerra Chega em Casa: a Excessiva Militarização da Polícia Norte-Americana”, apenas no Arizona, o Programa 1033, juntamente com generosas subvenções federais, permitiu às autoridades locais, entre eles o xerife Joe Arpaio, famoso por sua mão pesada contra os imigrantes sem documentação, adquirir armas como metralhadoras de tal calibre que “disparam balas capazes de atravessar edifícios”, segundo a ACLU. Soma-se a isso um arsenal composto, entre outras coisas, de 64 veículos blindados, 704 equipamentos de visão noturna e 17 helicópteros.
“As agências de polícia do Arizona, pensadas para servir e proteger as comunidades, estão equipadas para entrar em guerra”, denuncia o estudo, que afirma que este tipo de atitude incentiva o uso de “armas e táticas desnecessariamente agressivas criadas para o campo de batalha”, não para o policiamento de ruas.
O problema, além disso, é generalizado.
O The New York Times relatava recentemente o caso de Neenah, uma cidade de Wisconsin com 25.000 habitantes. Embora nos últimos cinco anos não tenha sido registrado nenhum homicídio, a polícia local conta com um veículo de 30 toneladas capaz de resistir à explosão de minas terrestres. Em todo o país, há 432 veículos militares desse tipo nas mãos de agentes locais ou estatais.
E o The Wall Street Journal lembrava as palavras em 2011 do então prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, que se vangloriava de ter na polícia de sua cidade “o sétimo maior exército do mundo”.
Esse fator é reforçado pelo próprio treinamento policial, que “incentiva a adoção de uma mentalidade de ‘guerreiro’ e a ver as pessoas que devem ser protegidas como inimigos”, acrescenta a ACLU, que também denuncia o excessivo uso das forças especiais SWAT em todo o país. E tudo isso, destaca, sem que haja uma “supervisão pública”.
Sob a premissa de que as ruas são espaços “para famílias e negócios, não para tanques e M16 (rifles automáticos)”, o parlamentar Hank Johnson tenta agora conseguir apoio para o projeto de lei, que entre outras medidas prevê impor “algumas limitações” ao material bélico que a polícia pode adquirir mediante o Programa 1033. Fora da cesta de compras ficariam, entre outros equipamentos, armas automáticas, veículos blindados, drones armados e granadas de efeito moral.
Segundo o The Huffington Post, Johnson pretende apresentar sua proposta em setembro. Outros legisladores, no entanto, solicitaram audiências no Capitólio para avaliar “o excessivo uso da força por parte da polícia”.
O presidente do Comitê das Forças Armadas do Senado, o democrata Carl Levin, também anunciou nesta sexta-feira sua intenção de revisar o Programa 1033 antes de aprovar o próximo orçamento militar.
“Nossa intenção era de que os agentes e as comunidades estivessem protegidos contra quadrilhas de narcotraficantes fortemente armadas e incidentes terroristas. Antes de que o orçamento de defesa chegue ao Senado, revisaremos este programa para estabelecer se o armamento proporcionado pelo Departamento de Defesa está sendo usado como se pretendia”, adiantou Levin.
“Os norte-americanos e os legisladores viram agora os resultados da militarização policial, que cria o tipo de ambiente que torna difícil, ou quase impossível, um policiamento das comunidades”, argumentava Johnson na rede de TV MSNBC. O governador de Missouri, o também democrata Jay Nixon, concordava: “Isto é claramente um exemplo da conversa que devemos ter sobre a força adequada para proteger uma comunidade sem intimidá-la”, admitiu.
Os incidentes em Ferguson parecem dar razão a eles: um dia depois que agentes locais fortemente armados foram substituídos por policiais de vigilância que se mesclaram e interagiram com os manifestantes, a habitual noite de manifestações terminou sem distúrbios nem prisões.
Fonte: El País
Além do incidente propriamente dito, a morte do jovem Michael Brown a tiros por um policial em Ferguson (um subúrbio de St. Louis, em Missouri), a dura resposta policial aos protestos desencadeados pela morte dele colocou em evidência o problema que muito especialistas já alertavam há tempos: a excessiva militarização da polícia dos Estados Unidos.
“A militarização de nossas ruas não corresponde com a forma de governo democrático que temos em nosso país”, denunciava nesta sexta-feira o congressista Hank Johnson. O democrata da Geórgia é autor de um projeto de lei para desmilitarizar a polícia, que até agora havia encontrado pouco eco entre seus colegas parlamentares. Mas, depois dos incidentes de Ferguson, parece que algo está mudando.
Os pedidos para que este fenômeno seja mitigado se multiplicaram.
“Temos que desmilitarizar esta situação, este tipo de resposta policial transformou-se no problema, em vez de solução”, criticava Claire McCaskill, senadora democrata para o Estado de Missouri. Mas os questionamentos, desta vez, também chegam do grupo conservador, algo mais raro em um país onde o direito de portar armas continua sendo sacrossanto para a maioria. “Temos que desmilitarizar a polícia”, exigia o republicano Rand Paul, em um editorial para a revista Time.
Até mesmo o procurador-geral dos EUA, Eric Holder, declarava esta semana estar “profundamente preocupado pelo fato de que o uso de armamento e veículos militares esteja enviando uma mensagem contraditória”.
Boa parte do material militar em mãos dos agentes de polícia em todos os EUA tem sua origem no Programa de Excesso de Propriedade do Departamento de Defesa, conhecido como “Programa 1033”. Desde os anos noventa, permite ao Pentágono transferir para policiais locais material bélico excedente a preços baixos –especialmente abundante desde o fim das guerras do Afeganistão e do Iraque– para atividades relacionadas com a luta contra o narcotráfico e possíveis casos de terrorismo, embora a União Americana de Liberdades Civis (ACLU) afirme que seu uso é muito mais amplo.
Segundo a ACLU, que em junho publicou justamente um estudo denunciando esta situação, chamado “A Guerra Chega em Casa: a Excessiva Militarização da Polícia Norte-Americana”, apenas no Arizona, o Programa 1033, juntamente com generosas subvenções federais, permitiu às autoridades locais, entre eles o xerife Joe Arpaio, famoso por sua mão pesada contra os imigrantes sem documentação, adquirir armas como metralhadoras de tal calibre que “disparam balas capazes de atravessar edifícios”, segundo a ACLU. Soma-se a isso um arsenal composto, entre outras coisas, de 64 veículos blindados, 704 equipamentos de visão noturna e 17 helicópteros.
“As agências de polícia do Arizona, pensadas para servir e proteger as comunidades, estão equipadas para entrar em guerra”, denuncia o estudo, que afirma que este tipo de atitude incentiva o uso de “armas e táticas desnecessariamente agressivas criadas para o campo de batalha”, não para o policiamento de ruas.
O problema, além disso, é generalizado.
O The New York Times relatava recentemente o caso de Neenah, uma cidade de Wisconsin com 25.000 habitantes. Embora nos últimos cinco anos não tenha sido registrado nenhum homicídio, a polícia local conta com um veículo de 30 toneladas capaz de resistir à explosão de minas terrestres. Em todo o país, há 432 veículos militares desse tipo nas mãos de agentes locais ou estatais.
E o The Wall Street Journal lembrava as palavras em 2011 do então prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, que se vangloriava de ter na polícia de sua cidade “o sétimo maior exército do mundo”.
Esse fator é reforçado pelo próprio treinamento policial, que “incentiva a adoção de uma mentalidade de ‘guerreiro’ e a ver as pessoas que devem ser protegidas como inimigos”, acrescenta a ACLU, que também denuncia o excessivo uso das forças especiais SWAT em todo o país. E tudo isso, destaca, sem que haja uma “supervisão pública”.
Sob a premissa de que as ruas são espaços “para famílias e negócios, não para tanques e M16 (rifles automáticos)”, o parlamentar Hank Johnson tenta agora conseguir apoio para o projeto de lei, que entre outras medidas prevê impor “algumas limitações” ao material bélico que a polícia pode adquirir mediante o Programa 1033. Fora da cesta de compras ficariam, entre outros equipamentos, armas automáticas, veículos blindados, drones armados e granadas de efeito moral.
Segundo o The Huffington Post, Johnson pretende apresentar sua proposta em setembro. Outros legisladores, no entanto, solicitaram audiências no Capitólio para avaliar “o excessivo uso da força por parte da polícia”.
O presidente do Comitê das Forças Armadas do Senado, o democrata Carl Levin, também anunciou nesta sexta-feira sua intenção de revisar o Programa 1033 antes de aprovar o próximo orçamento militar.
“Nossa intenção era de que os agentes e as comunidades estivessem protegidos contra quadrilhas de narcotraficantes fortemente armadas e incidentes terroristas. Antes de que o orçamento de defesa chegue ao Senado, revisaremos este programa para estabelecer se o armamento proporcionado pelo Departamento de Defesa está sendo usado como se pretendia”, adiantou Levin.
“Os norte-americanos e os legisladores viram agora os resultados da militarização policial, que cria o tipo de ambiente que torna difícil, ou quase impossível, um policiamento das comunidades”, argumentava Johnson na rede de TV MSNBC. O governador de Missouri, o também democrata Jay Nixon, concordava: “Isto é claramente um exemplo da conversa que devemos ter sobre a força adequada para proteger uma comunidade sem intimidá-la”, admitiu.
Os incidentes em Ferguson parecem dar razão a eles: um dia depois que agentes locais fortemente armados foram substituídos por policiais de vigilância que se mesclaram e interagiram com os manifestantes, a habitual noite de manifestações terminou sem distúrbios nem prisões.
Fonte: El País
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