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O verdadeiro desafio não é inserir uma idéia nova na mente militar, mas sim expelir a idéia antiga" (Lidell Hart)
Um verdadeiro amigo desabafa-se livremente, aconselha com justiça, ajuda prontamente, aventura-se com ousadia, aceita tudo com paciência, defende com coragem e continua amigo para sempre. William Penn.

sábado, 23 de outubro de 2010

APOSENTADORIA ESPECIAL: é uma leitura obrigatória

Aposentadoria Especial: Considerações acerca da eficácia do Mandado de Injunção que regulamentou aposentadoria dos servidores

Por Fabíola Machareth e Roberto Tadeu de Oliveira
Desde o advento do Mandado de Injunção 755-01 impetrado pela Associação dos Delegados do Estado de São Paulo, muitas foram às indagações quanto a seu alcance e benefícios para a classe. A matéria repercutiu nacionalmente, de modo, a serem freqüentes delegados e servidores de outros Estados buscarem informações, com demonstrações explícitas de interesse no consórcio de ações e medidas judiciais.
De fato, muitas são as questões controvertidas que assolam os destinatários da norma, exigindo esforço exegético e compreensão contextual do tema. O Supremo Tribunal Federal ao conceder o direito de aposentadoria especial aos ocupantes de cargo de risco deu-lhe caráter normativo, isto é, regulamentou, em termos gerais, o parágrafo 4º, do artigo 40 da Constituição Federal.
Transcendeu os interesses do Estado da impetrante para atender o clamor de toda a federação, já que buscou o MI um posicionamento do Congresso Nacional, acerca de sua omissão legislativa, por ser de sua competência concorrente legislar sobre normas gerais de Previdência Social, de caráter abrangente à todos os Estados federados.
Motivou a ação a falta de aparato legislativo da matéria, tanto federal (normas gerais), quanto estadual (no caso específico do Estado de São Paulo), aplicada anteriormente a norma geral de Previdência Social em relação à aposentadoria do policial civil, consoante entendimento equivocado do Governo de estar a lei nº 51/85 revogada pela CF.
Após o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal, restou excluída a falta de normas gerais sobre a aposentadoria especial do servidor público, ocupante de cargo considerado insalubre ou perigoso.
Em termos precisos, mandou aplicar, de forma cogente, o artigo 57 da Previdência Social:
“Art. 57. A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saude ou a integridade fisica, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei (Redacão dada pela Lei no 9.032, de 1995).”
As definições dos alcances e propósitos, muitas vezes, deixam o associado sem entender a contextualização da norma e sugere interpretações equivocadas, ainda mais quando no instante em que o Mandado de Injunção tramitava pelo Supremo, o Governo do Estado editou a Lei Complementar 1062/2008 e, com ela, criou os requisitos para se alcançar o benefício da aposentadoria especial.
Um dos questionamentos mais intrigantes no Estado de São Paulo, é se o MI, após a edição da Lei Complementar Estadual (SP), teria perdido seu objeto.
Quid juris?
Pois bem.
A vexata quaestio posta em análise pode ser solucionada quando se verifica a determinação de competências reservadas na Constituição aos estados da Federação, mormente, a que se refere a designação constitucional de competência concorrente entre a União e os Estados para legislar sobre Previdência Social (artigo 24, parágrafo 3º, da Constituição Federal).
Dentro dessa técnica de repartição de competência federativa (legislação concorrente), seguem-se regras específicas e bem delineadas:
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
XII – previdência social, proteção e defesa da saúde;
§ 1º – No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.
§ 2º – A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.
§ 3º – Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.
§ 4º – A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.
Dentro deste contexto, o Estado de São Paulo ao editar a norma prevista na Lei 1062/2008, exerceu sua competência constitucional, de forma plena, para legislar sobre questões previdenciárias, conforme autorização prescrita no § 3 do artigo 24 da CF. Isso porque inexistia lei de âmbito federal, ou melhor, o Supremo ainda não havia se pronunciado.
Ocorre que, a partir do pronunciamento do Supremo Tribunal Federal no MI 755-01 ocorrido em maio de 2009, estancou-se a falta de normatividade previdenciária da União para legislar sobre normas gerais acerca da matéria, e com isso, a lei complementar estadual (lei 1062/08) passou a ter sua eficácia suspensa naquilo que conflitava com os preceitos da norma geral da União.
A relutância em retardar o comando expresso no MI será inglória, por se tratar de regramento insculpido na própria CF: § 4º, artigo 24: “ A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário”.
Desse modo, em termos práticos, a lei complementar estadual conflita, de forma irrefutável com o MI, na parte em que define o tempo de serviço para a aposentadoria do servidor público – policial civil.
Extrapola a lei estadual os limites contidos na norma geral, ao exigir 30 anos de contribuição previdenciária, impondo ainda, limite de idade.
“Artigo 2º – Os policiais civis do Estado de São Paulo serão aposentados voluntariamente, desde que atendidos, cumulativamente, os seguintes requisitos:
I – cinqüenta e cinco anos de idade, se homem, e cinqüenta anos de idade, se mulher;
II – trinta anos de contribuição previdenciária;
III – vinte anos de efetivo exercício em cargo de natureza estritamente policial”.
Dentre tantas, talvez essa indagação seja a mais intrincada: Se levada a termo a determinação do Ministro Eros Grau não se concebe a necessidade de somar tempo e cumprir exigências outras como no caso específico da legislação paulista, pois, basta ter exercido o cargo de risco por (20) vinte anos e estará alcançado pelo beneplácito da medida, com vencimentos integrais.
Em nosso entender, o Mandado de Injunção concedido depois da norma não se sujeita ao seu comando, pelo contrário, institui regras próprias.
Todo aquele que exerce atividade de risco basta preencher o lapso temporal definido no MI para atingir o direito à aposentadoria especial, inexistindo previsão de somatória de prazos em atividades comuns ou o período de contribuição de mais 10 anos, conforme prevê a lei 1062/08.
A lógica que permeia o instituto centra-se no fato do exercício de função de risco expor o servidor a uma condição de trabalho anômala, e, portanto, esta exposição ao risco confere-lhe o direito a uma aposentadoria precoce, se comparada à atividade normal do servidor.
Tanto é assim que o legislador, em relação ao trabalhador comum quando exerce parte de seu período laboral em atividade considerada de risco, amplia, para o efeito de aposentadoria, os anos trabalhados em atividades especiais e, assim, garante o direito de redução dos anos através de uma tabela de conversão.
Dito isso, a previsão legal contida na legislação paulista afronta o princípio que norteia a atividade de risco, pois, exige a contribuição a maior de 10 (dez) anos, o que significa para o servidor, em alguns casos, um prazo de 30 (trinta) anos no serviço penoso. Essa condição ofende a norma geral que garante o máximo de serviço especial em 25 (vinte e cinco) anos. Ainda, 30 (trinta) anos de atividade laboral penosa significa, pela tabela de conversão, um período que extrapola 35 (trinta e cinco) anos de atividade considerada sem risco, o que revela uma injustiça e um contra-senso, haja vista, exigir um prazo superior ao previsto pela atividade comum para se alcançar o direito de aposentadoria.
A norma geral garante a integralidade aos 15 (quinze) anos, 20 (vinte) anos ou 25 (vinte cinco) anos de serviço especial, sem indicar a exigência de qualquer outro requisito, o que impede a norma especial de instituir a referida previsão, sob pena de inutilizar-se a competência constitucional da União de delimitar os princípios e normas regentes do sistema.
Ademais, a novel legislação paulista ao desobedecer os limites ditados pela norma geral perde a sua eficácia.
No Estado em que inexiste lei definindo o tempo, é de rigor, a aplicação da Decisão contida no MI, ou seja, deve considerar o tempo máximo permitido no serviço perigoso/insalubre, qual seja, de 25 (vinte e cinco) anos.
Ocorre que o mandado de Injunção buscava um posicionamento do Congresso Nacional diante da sua omissão legislativa (para legislar sobre normas gerais), fato superado pelo MI.
Deu, pois, concretude a uma necessidade visceral dos policiais de todo o País e determinou a aplicabilidade da lei federal que regulamenta as atividades de risco.
A decisão contida no MI corresponde a uma norma geral a ser seguida pelos Estados da Federação e estes com ela não poderão conflitar.
Em tempo, de se considerar, igualmente, a confusão conceitual acerca da expressão integralidade e paridade, não tão incomum como possa parecer a princípio. Em realidade, o MI conferiu somente o direito de aposentadoria especial com proventos integrais, não tratou da paridade. Assim porque, desde 2003 não se concebe no direito doméstico qualquer tipo de paridade entre servidores ativos e inativos, exceto nos casos de direito adquirido.
A questão da paridade tem suas peculiaridades e como tal, deve ser objeto de um artigo específico a ser lançado oportunamente.
É preciso ter coragem para enfrentar o tema com essa judiciosidade, isso porque, será inevitável a criação de barreiras e obstáculos, fato recorrente ao aumento considerável de pessoas em condições de requerer a aposentadoria especial. Obviamente, diante do reflexo no erário paulista, é só aguardar mediadas reativas.
Vindicar judicialmente o direito disciplinado pelo Judiciário como medida corretiva de uma injustiça contra a classe dos delegados de polícia é um caminho imprescindível para o servidor que deseja fruir o seu direito.

Supremo Tribunal Federal – Intimações de Despachos
MANDADO DE INJUNCAO 755-1 (839)
PROCED. ISTRITO FEDERAL
RELATOR :MIN. EROS GRAU
IMPTE.(S) :ASSOCIACAO DOS DELEGADOS DE POLICIA DO
ESTADO DE SAO PAULO – ADPESP
ADV.(A/S) :ROBERTO TADEU DE OLIVEIRA E OUTRO (A/S)
IMPDO.(A/S) :CONGRESSO NACIONAL
DECISAO: Trata-se de Mandado de Injuncao coletivo, com pedido de
medida cautelar, impetrado pela Associacao dos Delegados de Policia do
Estado de Sao Paulo – ADPESP.
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2.A impetrante alega que os associados sao servidores publicos que
exercem ou exerceram suas funcoes em ambientes insalubres, perigosos,
e/ou penosos.
3.Afirma no mandado de injuncao que a ausencia da lei
complementar referida no artigo 40, § 4º, da Constituicao do Brasil — [e]
vedada a adocao de requisitos e criterios diferenciados para a concessao de
aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo,
ressalvados os casos de atividades exercidas exclusivamente sob condicoes
especiais que prejudiquem a saude ou a integridade fisica, definidos em lei
complementar — torna inviavel o exercicio de direito a aposentadoria
especial, do qual os associados sao titulares.
4.Em decisao de fl. 91 neguei, com respaldo na jurisprudencia, o
pedido de medida cautelar, vez que o mandado de injuncao e incompativel
com a concessao de liminares. Determinei ainda fossem solicitadas
informacoes ao Presidente da Republica.
5.O Procurador-Geral da Republica, afirmando que a hipotese destes
autos e identica a do MI n. 758, opina pela procedencia parcial do pleito. Alega
que deve ser reconhecido o direito, dos associados, a ter suas situacoes
analisadas pela autoridade competente a luz da Lei n. 8.213/91, no que se
refere especificamente ao pedido de concessao da aposentadoria especial
prevista no artigo 40, § 4º, da Constituicao do Brasil.
6.E o relatorio. Decido.
7.Neste mandado de injuncao a impetrante sustenta que a ausencia
da lei complementar prevista no artigo 40, § 4º, da Constituicao do Brasil torna
inviavel o exercicio de direito a aposentadoria especial, de que os associados
neste mandado de injuncao sao titulares.
8.Reproduzo inicialmente observacoes do Ministro CELSO DE
MELLO no MI n. 20:
“[e]ssa situacao de inercia do aparelho de Estado faz emergir, em
favor do beneficiario do comando constitucional, o direito de exigir uma
atividade estatal devida pelo Poder Publico, em ordem a evitar que a
abstencao voluntaria do Estado frustre, a partir desse comportamento
omissivo, a aplicabilidade e a efetividade do direito que lhe foi reconhecido
pelo proprio texto da Lei Fundamental.
O Poder Legislativo, nesse contexto, esta vinculado
institucionalmente a concretizacao da atividade governamental que lhe foi
imposta pela Constituicao, ainda que o efetivo desempenho dessa
incumbencia constitucional nao esteja sujeito a prazos pre-fixados” [fl. 129].
9.Esta Corte mais de uma vez reconheceu a omissao do Congresso
Nacional no que respeita ao dever, que lhe incumbe, de dar concrecao ao
preceito constitucional. Nesse sentido valho-me ainda de afirmacao do
Ministro CELSO DE MELLO, como segue:
“Desse modo, a inexistencia da lei complementar reclamada pela
Constituicao reflete, forma veemente e concreta, a inobservancia, pelo Poder
Legislativo, dentro do contexto temporal referido, do seu dever de editar o ato
legislativo em questao, com evidente desapreco pelo comando constitucional,
frustrando, dessa maneira, a necessidade de regulamentar o texto da Lei
Maior, o que demonstra a legitimidade do reconhecimento, por esta Suprema
Corte, da omissao congressual apontada” [fl. 131].
10.No julgamento do MI n. 721, Relator o Ministro MARCO AURELIO,
DJ de 30.11.2007, o STF examinou esta questao, julgando parcialmente
procedente o pedido para assegurar a impetrante o direito a aposentadoria
especial [artigo 40, § 4º, da Constituicao do Brasil], direito a ser exercido nos
termos do texto do artigo 571 da Lei n. 8.213 de 24 de julho de 1.991, que
dispoe sobre os Planos de Beneficios da Previdencia Social. Proferi voto-vista
quanto ao MI n. 721, acompanhando o Relator.
11.O entendimento foi reafirmado na ocasiao do julgamento do MI n.
758, tambem de relatoria do Ministro MARCO AURELIO, DJ de 26.9.2008.
“MANDADO DE INJUNCAO . NATUREZA. Conforme disposto no
inciso LXXI do artigo 5º da Constituicao Federal, conceder-se-a mandado de
injuncao quando necessario ao exercicio dos direitos e liberdades
constitucionais e das prerrogativas inerentes a nacionalidade, a soberania e a
cidadania. Ha acao mandamental e nao simplesmente declaratoria de
omissao. A carga de declaracao nao e objeto da impetracao, mas premissa da
ordem a ser formalizada.
Decisão MI 755-01:
MANDADO DE INJUNCAO . DECISAO . BALIZAS. Tratando-se de
processo subjetivo, a decisao possui eficacia considerada a relacao juridica
nele revelada.
APOSENTADORIA . TRABALHO EM CONDICOES ESPECIAIS .
PREJUIZO A SAUDE DO SERVIDOR . INEXISTENCIA DE LEI
COMPLEMENTAR . ARTIGO 40, § 4º, DA CONSTITUICAO FEDERAL.
Inexistente a disciplina especifica da aposentadoria especial do servidor,
impoe-se a adocao, via pronunciamento judicial, daquela propria aos
trabalhadores em geral . artigo 57, § 1º, da Lei no 8.213/91″.
12.Havendo, portanto, sem qualquer duvida, mora legislativa na
regulamentacao do preceito veiculado pelo artigo 40, § 4º, a questao que se
coloca e a seguinte: presta-se, esta Corte, quando se trate da apreciacao de
mandados de injuncao, a emitir decisoes desnutridas de eficacia?
13.Esta e a questao fundamental a considerarmos. Ja nao se trata de
saber se o texto normativo de que se cuida — Artigo 40, § 4º — e dotado de
eficacia. Importa verificarmos e se o Supremo Tribunal Federal emite decisoes
ineficazes; decisoes que se bastam em solicitar ao Poder Legislativo que
cumpra o seu dever, inutilmente. Se e admissivel o entendimento segundo o
qual, nas palavras do Ministro NERI DA SILVEIRA, “a Suprema Corte do Pais
decid[e] sem que seu julgado tenha eficacia”. Ou, alternativamente, se o
Supremo Tribunal Federal deve emitir decisoes que efetivamente surtam
efeito, no sentido de suprir aquela omissao. Dai porque passo a desenvolver
consideracoes a proposito do instituto do mandado de injuncao.
14.Toda a exposicao que segue neste apartado do meu voto e
extraida de justificativa de autoria do Professor JOSE IGNACIO BOTELHO
DE MESQUITA a anteprojeto de lei por ele elaborado, que foi publicado
inicialmente no jornal O Estado de Sao Paulo, de 26 de agosto de 1.989, e,
posteriormente, foi convertido no Projeto de Lei n. 4.679, de 1.990, que o
repetiu na integra, inclusive a sua justificativa [Diario do Congresso Nacional
de 17.04.1990, pagina 2.824 e segs.].
15.Diz o eminente Professor Titular da Faculdade de Direito da USP:
“1. E principio assente em nosso direito positivo que, nao havendo
norma legal ou sendo omissa a norma existente, cumprira ao juiz decidir o
caso de acordo com a analogia, os costumes e os principios gerais do direito
(Lei de Introducao ao Cod. Civil, art. 4º; Cod. Proc. Civil, art. 126). Assim, o
que pode tornar inviavel o exercicio de algum direito, liberdade ou prerrogativa
constitucionalmente assegurados nao sera nunca a ´falta de norma
regulamentadora´ mas, sim, a existencia de alguma regra ou principio que
proiba ao juiz recorrer a analogia, aos costumes ou aos principios de direito
para suprir a falta de norma regulamentadora.
Havendo tal proibicao, configura-se a hipotese de impossibilidade
juridica do pedido, diante da qual o juiz e obrigado a extinguir o processo sem
julgamento de merito (Cod. Proc. Civil, art. 267, VI), o que tornara inviavel o
exercicio do direito, liberdade ou prerrogativa assegurados pela Constituicao.
O caso, pois, em que cabe o mandado de injuncao e exatamente o
oposto daquele em que cabe o mandado de seguranca. Vale dizer, e o caso
em que o requerente nao tem direito de pretender a tutela jurisdicional e em
que requerido teria o direito liquido e certo de resistir a essa pretensao, se
acaso fosse ela deduzida em Juizo.
Esta constatacao — prossegue BOTELHO DE MESQUITA — e de
primordial importancia para o conhecimento da natureza e dos fins do
mandado de injuncao. Dela deriva a determinacao dos casos em que se pode
admitir o mandado de injuncao e tambem dos objetivos que, por meio dele,
podem ser alcancados”.
O mandado de injuncao “[d]estina-se, apenas, a remocao da
obstaculo criado pela omissao do poder competente para a norma
regulamentadora. A remocao desse obstaculo se realiza mediante a formacao
supletiva da norma regulamentadora faltante. E este o resultado pratico que
se pode esperar do julgamento da mandado de injuncao.
A intervencao supletiva do Poder Judiciario deve subordinar-se,
porem, ao principio da independencia e da harmonia entre os Poderes (CB,
art. 2º). A autorizacao constitucional para a formacao de normas supletivas
nao importa permissao ao Poder Judiciario para imiscuir-se
indiscriminadamente no que e da competencia dos demais Poderes. Trata-se
apenas de dar remedio para omissao do poder competente. Para que tal
omissao se configure, e preciso que norma regulamentadora nao tenha sido
elaborada e posta em vigor no prazo constitucional ou legalmente
estabelecido, quando houver, ou na sua falta, no prazo que o tribunal
competente entenda razoavel. Antes de decorrido tal prazo nao ha que falar
em omissao do poder competente, eis que a demora se incluira dentro da
previsao constitucional e assim tambem a provisoria impossibilidade do
exercicio dos direitos, liberdades ou prerrogativas garantidos pelo preceito
ainda nao regulamentado. O que e danoso para os direitos, liberdades e
prerrogativas constitucionais nao e a demora, em si mesma considerada, mas
a demora incompativel com o que se possa ter como previsto e programado
pela Constituicao.
[...]
O cabimento do mandado de injuncao pressupoe, por isto, um ato de
resistencia ao cumprimento do dispositivo constitucional, que nao tenha outro
fundamento senao a falta de norma regulamentadora.
[...]
O conteudo e os efeitos da decisao que julga o mandado de injuncao,
e bem assim os efeitos do seu transito em julgado, devem ser estabelecidos a
partir de uma clara determinacao do escopo do mandado de injuncao
exatamente o que falta no texto constitucional. Pelo que do dispositivo
constitucional consta, sabe-se quando cabe o mandado de injuncao, mas nao
se sabe para o que serve; sabe-se qual o problema pratico que visa a
resolver, mas nao se sabe como devera ser resolvido.
[...]
O que cabe ao orgao da jurisdicao nao e, pois constranger alguem a
dar cumprimento ao preceito constitucional, mas, sim, suprir a falta de norma
regulamentadora, criando, a partir dai, uma coacao da mesma natureza
daquela que estaria contida na norma regulamentadora. O ilicito constitucional
(o ato anticonstitucional) e algo que so podera existir depois de julgado
procedente o mandado de injuncao e, por isto, nao constitui materia que
possa ser objeto de decisao no julgamento do proprio mandado.
Fixados estes limites desponta o problema da compreensao da
hipotese da norma que sera supletivamente formulada pelo tribunal. Devera
ela regular apenas o caso concreto submetido ao tribunal, ou abranger a
totalidade dos casos constituidos pelos mesmos elementos objetivos, embora
entre sujeitos diferentes? Dentre essas alternativas, e de se optar pela ultima,
posto que atividade normativa e dominada pelo principio da isonomia, que
exclui a possibilidade de se criarem tantas normas regulamentadoras
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diferentes quantos sejam os casos concretos submetidos ao mesmo preceito
constitucional. Tambem aqui e preciso ter presente que nao cumpre ao
tribunal remover um obstaculo que so diga respeito ao caso concreto, mas a
todos os casos constituidos pelos mesmos elementos objetivos”.
16.A mora, no caso, e evidente. Trata-se, nitidamente, de mora
incompativel com o previsto pela Constituicao do Brasil no seu artigo 40, § 4º.
17.Salvo a hipotese de — como observei anteriormente2, lembrando
FERNANDO PESSOA — transformarmos a Constituicao em papel “pintado
com tinta” e aplica-la em “uma coisa em que esta indistinta a distincao entre
nada e coisa nenhuma”, constitui dever-poder deste Tribunal a formacao
supletiva, no caso, da norma regulamentadora faltante.
18.O argumento de que a Corte estaria entao a legislar — o que se
afiguraria inconcebivel, por ferir a independencia e harmonia entre os poderes
[art. 2º da Constituicao do Brasil] e a separacao dos poderes [art. 60, § 4º, III]
— e insubsistente.
19.Pois e certo que este Tribunal exercera, ao formular
supletivamente a norma regulamentadora de que carece o artigo 40, § 4º, da
Constituicao, funcao normativa, porem nao legislativa.
20.Explico-me.
21.A classificacao mais frequentemente adotada das funcoes estatais
concerne aos oficios ou as autoridades que as exercem. Trata-se da
classificacao que se denomina organica ou institucional. Tais funcoes sao,
segundo ela, a legislativa, a executiva e a jurisdicional. Se, porem,
pretendermos classifica-las segundo o criterio material, teremos: a funcao
normativa — de producao das normas juridicas [= textos normativos]; a funcao
administrativa — de execucao das normas juridicas; a funcao jurisdicional —
de aplicacao das normas juridicas.
22.Na mencao aos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciario
estamos a referir centros ativos de funcoes — da funcao legislativa, da funcao
executiva e da funcao jurisdicional. Essa classificacao de funcoes estatais
decorre da aplicacao de um criterio subjetivo; estao elas assim alinhadas nao
em razao da consideracao de seus aspectos materiais.
23.Entenda-se por funcao estatal a expressao do poder estatal —
tomando-se aqui a expressao “poder estatal” no seu aspecto material —
enquanto preordenado a finalidades de interesse coletivo e objeto de um
dever juridico.
24.A consideracao do poder estatal desde esse aspecto liberta-nos
da tradicional classificacao das funcoes estatais segundo o criterio organico
ou institucional. Nesta ultima, porque o poder estatal e visualizado desde a
perspectiva subjetiva, alinham-se a funcao legislativa, a executiva e a
jurisdicional, as quais sao vocacionados, respectivamente, os Poderes
Legislativo, Executivo e Judiciario.
25.Afastado, contudo o criterio tradicional de classificacao das
funcoes estatais, cumpre fixarmo-nos naquele outro, que conduz a seguinte
enunciacao:
[i] funcao normativa – de producao das normas juridicas [= textos
normativos];
[ii] funcao administrativa – de execucao das normas juridicas;
[iii] funcao jurisdicional – de aplicacao das normas juridicas.
26.A funcao legislativa e maior e menor do que a funcao normativa.
Maior porque abrange a producao de atos administrativos sob a forma de leis
[lei apenas em sentido formal, lei que nao e norma, entendidas essas como
preceito primario que se integra no ordenamento juridico inovando-o]; menor
porque a funcao normativa abrange nao apenas normas juridicas contidas em
lei, mas tambem nos regimentos editados pelo Poder Judiciario e nos
regulamentos expedidos pelo Poder Executivo.
27.Dai que a funcao normativa compreende a funcao legislativa
[enquanto producao de textos normativos], a funcao regimental e a funcao
regulamentar.
28.Quanto a regimental, nao e a unica atribuida, como dever-poder,
ao Poder Judiciario, visto incumbir-lhe tambem, e por imposicao da
Constituicao, a de formular supletivamente, nas hipoteses de concessao do
mandado de injuncao, a norma regulamentadora reclamada. Aqui o Judiciario
— na diccao de JOSE IGNACIO BOTELHO DE MESQUITA — remove o
obstaculo criado pela omissao do poder competente para editar a norma
regulamentadora faltante, essa remocao realizando-se mediante a sua
formulacao supletiva.
29.De resto, e ainda certo que, no caso de concessao do mandado
de injuncao, o Poder Judiciario formula a propria norma aplicavel ao caso,
embora ela atue como novo texto normativo.
30ªpenas para explicitar, lembro que texto e norma nao se
identificam3. O que em verdade se interpreta sao os textos normativos; da
interpretacao dos textos resultam as normas. A norma e a interpretacao do
texto normativo. A interpretacao e atividade que se presta a transformar textos
— disposicoes, preceitos, enunciados — em normas.
31.O Poder Judiciario, no mandado de injuncao, produz norma.
Interpreta o direito, na sua totalidade, para produzir a norma de decisao
aplicavel a omissao. E inevitavel, porem, no caso, seja essa norma tomada
como texto normativo que se incorpora ao ordenamento juridico, a ser
interpretado/aplicado. Da-se, aqui, algo semelhante ao que se ha de passar
com a sumula vinculante, que, editada, atuara como texto normativo a ser
interpretado/aplicado.
32.Ademais, nao ha que falar em agressao a “separacao dos
poderes”, mesmo porque e a Constituicao que institui o mandado de injuncao
e nao existe uma assim chamada “separacao dos poderes” provinda do direito
natural. Ela existe, na Constituicao do Brasil, tal como nela definida. Nada
mais. No Brasil vale, em materia de independencia e harmonia entre os
poderes e de “separacao dos poderes”, o que esta escrito na Constituicao,
nao esta ou aquela doutrina em geral mal digerida por quem nao leu
Montesquieu no original.
33.De resto, o Judiciario esta vinculado pelo dever-poder de, no
mandado de injuncao, formular supletivamente a norma regulamentadora
faltante. Note-se bem que nao se trata de simples poder, mas de dever-poder,
ideia ja formulada por JEAN DOMAT4 no final do seculo XVII, apos retomada
por LEON DUGUIT5 e, entre nos, por RUI BARBOSA6, mais recentemente por
CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO7.
34.A este Tribunal incumbira — permito-me repetir — se concedida a
injuncao, remover o obstaculo decorrente da omissao, definindo a norma
adequada a regulacao do caso concreto, norma enunciada como texto
normativo, logo sujeito a interpretacao pelo seu aplicador.
35.No caso, os impetrantes solicitam seja julgada procedente a acao
e, declarada a omissao do Poder Legislativo, determinada a supressao da
lacuna legislativa mediante a regulamentacao do artigo 40, § 4º, da
Constituicao do Brasil, que dispoe a proposito da aposentadoria especial de
servidores publicos — substituidos.
36.Esses parametros hao de ser definidos por esta Corte de modo
abstrato e geral, para regular todos os casos analogos, visto que norma
juridica e o preceito, abstrato, generico e inovador — tendente a regular o
comportamento social de sujeitos associados — que se integra no
ordenamento juridico8 e nao se da norma para um so.
37.No mandado de injuncao o Poder Judiciario nao define norma de
decisao, mas enuncia a norma regulamentadora que faltava para, no caso,
tornar viavel o exercicio do direito da impetrante, servidora publica, a
aposentadoria especial.
38.Na Sessao do dia 15 de abril passado, seguindo a nova orientacao
jurisprudencial, o Tribunal julgou procedente pedido formulado no MI n. 795,
Relatora a Ministra CARMEN LUCIA, reconhecendo a mora legislativa.
Decidiu-se no sentido de suprir a falta da norma regulamentadora disposta no
artigo 40, § 4º, da Constituicao do Brasil, aplicando-se a hipotese, no que
couber, disposto no artigo 57 da Lei n. 8.213/91, atendidos os requisitos
legais. Foram citados, no julgamento, nesse mesmo sentido, os seguintes
precedentes: o MI n. 670, DJE de 31.10.08, o MI n. 708, DJE de 31.10.08; o
MI n. 712, DJE de 31.10. 08, e o MI n. 715, DJU de 4.3.05.
39.Na ocasiao, o Tribunal, analisando questao de ordem, entendeu
ser possivel aos relatores o exame monocratico dos mandados de injuncao
cujo objeto seja a ausencia da lei complementar referida no artigo 40, § 4º, da
Constituicao do Brasil.
Julgo parcialmente procedente o pedido deste mandado de injuncao,
para, reconhecendo a falta de norma regulamentadora do direito a
aposentadoria especial dos servidores publicos, remover o obstaculo criado
por essa omissao e, supletivamente, tornar viavel o exercicio, pelos
associados neste mandado de injuncao, do direito consagrado no artigo 40, §
4º, da Constituicao do Brasil, nos termos do artigo 57 da Lei n. 8.213/91.
Publique-se.
Brasilia, 12 de maio de 2009.
Ministro Eros Grau
- Relator .

____________________________
1 Art. 57. A aposentadoria especial sera devida, uma vez cumprida a carencia
exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condicoes
especiais que prejudiquem a saude ou a integridade fisica, durante 15
(quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei.
(Redacao dada pela Lei no 9.032, de 1995)
§ 1º A aposentadoria especial, observado o disposto no art. 33 desta Lei,
consistira numa renda mensal equivalente a 100% (cem por cento) do salariode-
beneficio. (Redacao dada pela Lei no 9.032, de 1995).
2 Direito, conceitos e normas juridicas, Editora Revista dos Tribunais, Sao
Paulo, 1.988, p. 124.
3 Vide meu Ensaio e discurso sobre a interpretacao/aplicacao do direito, 5ª
edicao, Malheiros Editores, 2009, pp. 84 e ss.
4 Oeuvres de J. DOMAT, Paris, Firmin Didot Pere et Fils, 1.829, p. 362 e ss.
5 El pragmatismo juridico, Madrid, Francisco Beltran, 1.924, p. 111.
6 Comentarios a Constituicao Federal Brasileira, volume I, coligidos e
ordenados por Homero Pires, Sao Paulo, Saraiva & Cia., 1.932, p. 153.
7 “Verba de representacao”, in RT 591/43, janeiro de 1.985.
8 Vide meu O direito posto e o direito pressuposto, 7ª edicao, Malheiros
Editores, Sao Paulo, 2.008, p. 239.
Fabíola Machareth e Roberto Tadeu de Oliveira, são advogados da ADPESP e integrantes da joint venture RICHES CONSULTORES – http://www.richesconsultores.com.br e PIVA DE CARVALHO ADVOGADOS

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