Em termos sulamericanos, 1975 marcou a superioridade da interpretação internacional realizada pelo bloco que tomaria o poder em 24 de março de 1976. A paz no Vietnã, em janeiro de 1973, não havia inaugurado uma era de decadência dos Estados Unidos na região, como pensava a esquerda, mas justamente o contrário, uma etapa de maior virulência. Essa etapa, claro, supunha o controle de todo o continente. 1975 foi o ano dos grandes ensaios para o golpe na Argentina. As Forças Armadas conseguiram do governo constitucional de Isabel Perón o encargo de articular a repressão e foram se articulando dentro e fora da estrutura do Estado. O artigo é de Martín Granowsky, do Página/12.
Martín Granovsky - Página/12
(*) Esse texto integra um suplemente especial sobre o Golpe Militar de 1976 na Argentina, publicado hoje no jornal Página/12.
O golpe de 1976 veio depois de um ano maldito: o de 1975. 1975 foi o ano dos grandes ensaios. As Forças Armadas conseguiram do governo constitucional de Isabel Perón o encargo de articular a repressão.
Por influência de um de seus homens no governo, Italo Argentino Lúder, conseguiram combater com meios desproporcionalmente militares a pequena guerrilha foquista organizada pelo Exército Revolucionário do Povo, em Tucumán. Assim como em Campo de Maio antes do golpe, o Exército montou em Tucumán um campo de tortura e morte, a pequena Escola de Famaillá.
Em 1975, as Forças Armadas homogeneizaram seus altos comandos. Jorge Rafael Videla assumiu a chefia do Exército, Emilio Massera consolidou seu poder na Marina e, juntos, mudaram o comando maior da Força Aérea para remover os duvidosos e instalar o golpista Orlando Ramón Agosti.
Dentro da hierarquia da Igreja católica ganhou espaço o clero castrense, núcleo do integrismo em expansão.
A afirmação de Massera representou a inserção ainda maior da organização fascista Propaganda Dos, com origem na Itália e ramificações na Argentina e Brasil. Integravam a P-2, por exemplo, o secretário privado de Isabel, José López Rega, o chefe do Primeiro Corpo do Exército, Carlos Suárez Mason, e o diplomata especialista em limpeza interna e operações sujas Federico Barttfeld.
A ponte entre Itália e Argentina foi Licio Gelli, condecorado por Juan Perón em 1973. Designado como funcionário da embaixada argentina na Itália, conservou o posto com a ditadura.
O ministro da Economia, Celestino Rodrigo, ensaiou o capitalismo selvagem, que denominava “sinceramiento”, com um governo peronista. Desvalorizou a moeda em 160%. Ao final de 1975, a inflação chegaria a 183%. Sua mão direita foi Ricardo Zinn, que se tornaria funcionário da ditadura em seguida e, com Carlos Menem, arquiteto das privatizações iniciais.
Entre março e maio de 1975, as Forças Armadas, as forças de segurança e os grupo parapoliciais se exercitaram em um operativo conjunto contra os trabalhadores do pólo metalúrgico assentado em Villa Constitución, ao sul de Santa Fé. Primeiro contra os operários e, logo em seguida, contra o povo que tomou como sua a luta dos trabalhadores.
A entronização de Rodrigo como prolongação de López Rega mudou a natureza do enfrentamento principal. Desde 1973, um pólo era a esquerda peronista da Tendência Revolucionária e outro a ortodoxia sindical aliado ao lopezreguismo. Em 1975, liquidado o primeiro polo inclusive como opção minoritária de poder, foi a ortodoxia sindical de Lorenzo Miguel quem pressionou, com milhares de trabalhadores nas ruas, até que López Rega deixasse o governo e o país. Mas já era tarde. O peronismo, decantado sobre um tapete de sangue e fraturado, não podia derrotar o golpe em marcha. O partido militar havia se rearmado e se dispunha a transformar a Argentina mediante níveis inéditos de concentração econômica e de um plano científico de assassinatos massivos.
O poder militar passou a controlar a chefatura da Polícia Federal com Albano Harguindeguy, futuro do ministro do Interior. Sem precisar mais da Triple A, que havia cumprido seu papel de repressão seletiva e ferramenta para semear o terror e gerar a necessidade de ordem, as Forças Armadas disciplinaram e subordinaram os grupos de choque da extrema direita, com a Concentração Nacional Universitária.
Em termos sulamericanos, 1975 marcou a superioridade da interpretação internacional realizada pelo bloco que tomaria o poder em 24 de março de 1976. A paz no Vietnã, em janeiro de 1973, não havia inaugurado uma era de decadência dos Estados Unidos na região, como pensava a esquerda, mas justamente o contrário, uma etapa de maior virulência. Essa etapa, claro, supunha o controle de todo o continente.
A dúvida é se marcar 1975 como um ano maldito não pode ser uma dispensa para a maldição maior, a que começou em 1976. Alguém poderá perguntar se a regressão sem volta não terá iniciado no enfrentamento de Ezeiza, de 20 de junho de 1973. Deixando de lado as observações desonestas – daqueles que estão armados para desculpar, efetivamente, a ditadura militar ao tirar-lhe seu caráter de novidade -, qualquer hipótese merece ser discutida. Inclusive a que se oferece aqui: o grande ensaio foi - às vezes com intenção manifesta de sê-lo e frequentemente de fato -, como costuma ocorrer na história, aquele tremendo ano de 1975.
O golpe de 1976 veio depois de um ano maldito: o de 1975. 1975 foi o ano dos grandes ensaios. As Forças Armadas conseguiram do governo constitucional de Isabel Perón o encargo de articular a repressão.
Por influência de um de seus homens no governo, Italo Argentino Lúder, conseguiram combater com meios desproporcionalmente militares a pequena guerrilha foquista organizada pelo Exército Revolucionário do Povo, em Tucumán. Assim como em Campo de Maio antes do golpe, o Exército montou em Tucumán um campo de tortura e morte, a pequena Escola de Famaillá.
Em 1975, as Forças Armadas homogeneizaram seus altos comandos. Jorge Rafael Videla assumiu a chefia do Exército, Emilio Massera consolidou seu poder na Marina e, juntos, mudaram o comando maior da Força Aérea para remover os duvidosos e instalar o golpista Orlando Ramón Agosti.
Dentro da hierarquia da Igreja católica ganhou espaço o clero castrense, núcleo do integrismo em expansão.
A afirmação de Massera representou a inserção ainda maior da organização fascista Propaganda Dos, com origem na Itália e ramificações na Argentina e Brasil. Integravam a P-2, por exemplo, o secretário privado de Isabel, José López Rega, o chefe do Primeiro Corpo do Exército, Carlos Suárez Mason, e o diplomata especialista em limpeza interna e operações sujas Federico Barttfeld.
A ponte entre Itália e Argentina foi Licio Gelli, condecorado por Juan Perón em 1973. Designado como funcionário da embaixada argentina na Itália, conservou o posto com a ditadura.
O ministro da Economia, Celestino Rodrigo, ensaiou o capitalismo selvagem, que denominava “sinceramiento”, com um governo peronista. Desvalorizou a moeda em 160%. Ao final de 1975, a inflação chegaria a 183%. Sua mão direita foi Ricardo Zinn, que se tornaria funcionário da ditadura em seguida e, com Carlos Menem, arquiteto das privatizações iniciais.
Entre março e maio de 1975, as Forças Armadas, as forças de segurança e os grupo parapoliciais se exercitaram em um operativo conjunto contra os trabalhadores do pólo metalúrgico assentado em Villa Constitución, ao sul de Santa Fé. Primeiro contra os operários e, logo em seguida, contra o povo que tomou como sua a luta dos trabalhadores.
A entronização de Rodrigo como prolongação de López Rega mudou a natureza do enfrentamento principal. Desde 1973, um pólo era a esquerda peronista da Tendência Revolucionária e outro a ortodoxia sindical aliado ao lopezreguismo. Em 1975, liquidado o primeiro polo inclusive como opção minoritária de poder, foi a ortodoxia sindical de Lorenzo Miguel quem pressionou, com milhares de trabalhadores nas ruas, até que López Rega deixasse o governo e o país. Mas já era tarde. O peronismo, decantado sobre um tapete de sangue e fraturado, não podia derrotar o golpe em marcha. O partido militar havia se rearmado e se dispunha a transformar a Argentina mediante níveis inéditos de concentração econômica e de um plano científico de assassinatos massivos.
O poder militar passou a controlar a chefatura da Polícia Federal com Albano Harguindeguy, futuro do ministro do Interior. Sem precisar mais da Triple A, que havia cumprido seu papel de repressão seletiva e ferramenta para semear o terror e gerar a necessidade de ordem, as Forças Armadas disciplinaram e subordinaram os grupos de choque da extrema direita, com a Concentração Nacional Universitária.
Em termos sulamericanos, 1975 marcou a superioridade da interpretação internacional realizada pelo bloco que tomaria o poder em 24 de março de 1976. A paz no Vietnã, em janeiro de 1973, não havia inaugurado uma era de decadência dos Estados Unidos na região, como pensava a esquerda, mas justamente o contrário, uma etapa de maior virulência. Essa etapa, claro, supunha o controle de todo o continente.
A dúvida é se marcar 1975 como um ano maldito não pode ser uma dispensa para a maldição maior, a que começou em 1976. Alguém poderá perguntar se a regressão sem volta não terá iniciado no enfrentamento de Ezeiza, de 20 de junho de 1973. Deixando de lado as observações desonestas – daqueles que estão armados para desculpar, efetivamente, a ditadura militar ao tirar-lhe seu caráter de novidade -, qualquer hipótese merece ser discutida. Inclusive a que se oferece aqui: o grande ensaio foi - às vezes com intenção manifesta de sê-lo e frequentemente de fato -, como costuma ocorrer na história, aquele tremendo ano de 1975.
martin.granovsky@gmail.com
Tradução: Katarina Peixoto
Fotos: Emilio Massera, comandante da Marinha, e Jorge Videla, do Exército, dois dos principais articuladores do golpe militar na Argentina, em 24 de março de 1976.
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