Reportagem especial apresenta as condições de quem trabalha na segurança pública
DIOGO VARGAS | diogo.vargas@diario.com.br
Quando o policial tira a farda num ato de raiva ou o bombeiro mostra uma motosserra numa briga banal é sinal que algo pode estar errado. E não são casos isolados. Há relatos graves de problemas de saúde na segurança pública, indicando que é preciso reforçar a área e impedir que o pior aconteça para os próprios policiais e à sociedade.
A constatação do DC saiu após entrevistas com policiais, psicólogos e episódios recentes em Santa Catarina. De farda ou não, quem trabalha contra o crime afirma que a situação assemelha-se a uma "bomba-relógio". Para eles, a condição salarial, a falta de efetivo, as crises internas e o não-acompanhamento fixo da saúde dos profissionais agravam o estresse que a própria atividade gera.
Resultado: atos de perda total de controle como o do soldado Mário Casprechen, 37 anos, de Joinville, que sofre de transtorno bipolar e mesmo assim atuava no policiamento ostensivo. Descontrolado, Casprechen tirou a farda ao atender uma ocorrência envolvendo adolescentes.
Em São José, na Grande Florianópolis, o bombeiro Fernando Eller da Cunha, 39 anos, teve a prisão preventiva decretada após se envolver em duas brigas. Numa delas precisou ser contido por 10 pessoas. Na segunda confusão, mostrou uma motosserra ao motorista de um ônibus. Ele está internado.
Histórias de servidores da segurança com sintomas de doenças causadas pelo estresse e de situações contra a ordem são comuns no Estado. Um soldado ouvido pelo DC e que pediu para não ser identificado para evitar punição interna contou que chegou a tentar o suicídio há dois anos.
— Ninguém entra na profissão doente. É coisa que adquiri vivenciando mortes, vendo corpo decepado, tendo de tirar vida na rua. Quando cheguei no ponto crítico tentei o suicídio. Antes levaria três superiores junto. Mas minha mulher me salvou — emociona-se o soldado que ficou quatro meses fora das ruas, mas decidiu retornar mesmo sem terminar o tratamento para não perder parte do salário.
Outro soldado ouvido pela reportagem está há dois meses em tratamento psiquiátrico e continua trabalhando. Tem insônia, brigou duas vezes no trânsito quando estava de folga e discutia fácil em casa com a família. Agora, sob acompanhamento médico, consegue dormir depois de tomar medicação controlada (tarja preta). Para o PM, que também teme represália e não quer ter o nome revelado, 40% do estresse são por causa da questão financeira.
— Senti que não tava legal quando discuti com um superior. Ele mandou eu notificar um veículo rebaixado que estava parado. Notifiquei mas não assinei a multa. Ele mandou eu me apresentar no outro dia que era a minha folga — recordou, apontando o estresse com os superiores como outro motivo que afeta a saúde dos praças.
Os dois afirmam que sabem de colegas que passam por situações semelhantes. Um dos casos recentes, em Florianópolis, é o de um PM que participou da operação no Morro do Horácio na noite de 11 de fevereiro deste ano. Na ação, o jovem Guilherme dos Santos da Silva, 23 anos, foi morto a tiros pelos policiais. Depois do fato, o soldado passou a ter alucinações de que estaria sendo seguido. Numa crise, saiu em alta velocidade e se acidentou de moto. Ele está internado com lesões nos braços.Afastamentos na PM e na Polícia Civil
Na Polícia Militar, 432 PMs são afastados por problemas de saúde por ano. Isso representa 4% da tropa. O índice é preocupante, mas ainda considerado baixo, avalia o diretor de saúde e promoção social da PM, coronel Cantalicio de Oliveira.
A PM tem hospital próprio, na Capital, mas ele não é credenciado para atender casos psiquiátricos como o do soldado de Joinville. Cantalicio justifica que a unidade é de pequeno porte. PMs que se acidentam em serviço contam com assistência completa. Fora do trabalho, há desconto apenas para os que contam com o plano estadual de saúde, o qual é opcional.
Na Polícia Civil, dos 3.274 policiais civis na ativa, 33 estão afastados por problemas de saúde. São 28 agentes, quatro escrivães e um delegado. Uma situação considerada preocupante é o fato de a Civil ainda não contar com psicólogos em sua estrutura no interior.
A psicóloga Clarice da Silva informou que há expectativa de ingresso de 60 novos psicólogos aprovados em concurso até o segundo semestre deste ano. Ela ressalta a criação em junho do ano passado da coordenadoria de saúde ocupacional que tem acompanhado os casos de doenças de trabalho e mortes de policiais.
Problema atinge quem trabalha com jovens
Os problemas de saúde na segurança pública também atingem servidores do sistema prisional e de adolescentes infratores. Nesses ambientes há tensão da superlotação, tentativas de fuga a todo instante e até de denúncias de violência.
— Percebi que algo estava errado comigo quando agredi um interno. Perdi o controle, a noção do perigo, a família ficou desestruturada — desabafa o agente socioeducativo que ficou nove meses afastado por transtorno bipolar.
Na rotina com os internos, ele conta que sofria ameaças de morte, que o ambiente de trabalho era insalubre e sofria abalo psicológico ao ver internos dormindo em espaços em que as fezes transbordavam do vaso sanitário.
— Tenho vários colegas com problemas de saúde, bipolaridade e até alcoolismo. Não há ajuda psicológica — reclama o agente, que continua fora do serviço.
O Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Estadual de SC (Sintespe) afirma que entre os agentes penitenciários são corriqueiras as reclamações das condições de saúde.
— Há casos de depressão e de quem depende do álcool. Muitos não tiram licenças prolongadas porque perderiam horas extras e adicional noturno, e teriam prejuízo salarial — diz o secretário geral do Sintespe, Mário Antônio da Silva.O abalo em crimes sexuais
Na atividade policial, a necessidade de apoio psicológico tem sido essencial para quem trabalha com crimes sexuais. Em Santa Catarina há casos de policiais que sofreram abalos ao atuar em operações que envolveram pedofilia.
Isso aconteceu em 2009 na investigação da rede de pedofilia descoberta pela Diretoria Estadual de Investigações Criminais (Deic). Em outra operação, desencadeada pela Polícia Federal, agentes femininas que escutavam grampos telefônicos de suspeitos pediram para trocar de função depois de ouvirem conversas de suspeitos com relações sexuais com crianças e adolescentes.
O deputado Nilson Gonçalves propôs ao Estado assistência psicológica aos servidores da segurança no projeto de lei 149. A iniciativa teve apoio do deputado sargento Amauri Soares, mas foi vetada em 2009 pelo então governador Luiz Henrique da Silveira.
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