Atropelo processual
A 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul desconstituiu, de ofício, sentença que aplicou a mais dura medida a um menor infrator: internação sem possibilidade de atividade externa. O colegiado entendeu que a juíza não respeitou o devido processo legal, nem deu oportunidade à defesa do adolescente. E o mais grave: os atropelos processuais teriam contado com a conivência do Ministério Público e da Defensoria. Com a decisão do tribunal, de julho, o processo será refeito, a fim de propiciar à defesa a produção de provas.
Conforme narra o acórdão, o caso é originário da Comarca de Pelotas, na metade sul do estado. Armados com um revólver, três menores assaltaram um grupo de universitários na noite do dia 29 de novembro de 2010, no centro da cidade. Antes de se apoderarem de diversos bens, cartões e documentos das vítimas, o grupo apontou sua arma e os agrediu. Na fuga, os menores foram detidos pela Brigada Militar — a Polícia Militar gaúcha.
Em primeira instância, a sentença aplicou a um dos adolescentes a medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade (PSC), cumulada com liberdade assistida. O menor A.L.M., que portava a arma de fogo, por sua vez, foi punido com a internação, sendo proibido de fazer atividades externas. Inconformado, ele apelou ao Tribunal de Justiça, pedindo o abrandamento da medida, que cumpre há oito meses.
O relator da Apelação, desembargador Luiz Felipe Brasil Santos, de início, justificou as razões de ter concedido, anteriormente, Habeas Corpus ao adolescente. Disse que houve "gritante" cerceamento ao direito de defesa do menor, por lhe ter sido imposta a mais rigorosa medida socioeducativa dentre todas as contempladas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Após reproduzir dos autos o diálogo entre a juíza, o representante do MP e a Defensoria, durante a audiência de julgamento, o relator afirmou que o teor da decisão pode ser tudo, menos sentença, "já que desprezados os mais comezinhos cânones que devem lastrear ato solene, sério e decisivo, que representa a entrega da prestação jurisdicional".
Segundo o relator, o que se viu foi uma verdadeira negociação com a liberdade do jovem, que envolveu representantes do Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, fato inédito e preocupante.
"No particular, chama a atenção a expressão utilizada pelo representante do parquet durante a audiência, referindo-se ao jovem: 'ele já conhece o jogo aqui (fl. 71-v)', o que parece sugerir que a nefasta prática adotada neste simulacro de processo seja comum naquele Juizado! Sinale-se, para arrematar, que o recurso de Apelação, interposto pela Defensoria Pública, após expressar o jovem o seu desejo de recorrer, em nenhum momento ataca a chocante nulidade deste 'processo', limitando-se a esgrimir com o excesso da medida socioeducativa aplicada."
Com a fundamentação do Habeas, o relator entendeu que nada mais necessitaria ser dito. Por isso, determinou a desconstituição da sentença e de todo o feito, por ofensa aos direitos fundamentais do menor infrator. O voto foi seguido, à unanimidade, pelo desembargador Alzir Felippe Schmitz e pelo juiz convocado Roberto Carvalho Fraga.
Jomar Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.
Revista Consultor Jurídico
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