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O verdadeiro desafio não é inserir uma idéia nova na mente militar, mas sim expelir a idéia antiga" (Lidell Hart)
Um verdadeiro amigo desabafa-se livremente, aconselha com justiça, ajuda prontamente, aventura-se com ousadia, aceita tudo com paciência, defende com coragem e continua amigo para sempre. William Penn.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Uma abordagem legal sobre uso de algema. Leitura de referência policial

Segurança na função

Algemas garantem integridade física do agente policial


O uso de algemas em nosso ordenamento jurídico encontra-se previsto na Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84) em seu artigo 199 que dispõe: “O emprego de algemas será disciplinado por decreto federal”. Contudo, mesmo 25 anos após essa previsão legal, tal norma, de suma importância para a sociedade, ainda não foi editada.
Diante de tal lacuna normativa, o Supremo Tribunal Federal decidiu vincular o Poder Judiciário editando a Súmula Vinculante 11, que orienta:
Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.
Analisando o teor de tal súmula, assevera-se que a suprema corte se preocupou demasiadamente em punir o uso indevido do instrumento de serviço do agente policial, as algemas, ao invés de delinear adequadamente os requisitos para o emprego das mesmas. Deve-se atentar ao fato que o STF inovou, de maneira errônea, ao prever penalidades nas diversas searas (administrativa, penal e civil) por meio de súmula, idéia que contraria o princípio da legalidade, o qual orienta que apenas lei ordinária pode estabelecer crimes e juntamente cominar suas respectivas penas.
Na época da edição de citada súmula muito se discutiu acerca dos motivos que ensejaram tal regulamentação precária. O STF criou esta súmula após o julgamento de Habeas Corpus 91.952 que determinou a anulação de julgamento do Tribunal do Júri, em vista de o acusado estar algemado durante o plenário diante dos jurados, sem justificativa plausível para tanto, destarte a influenciar o julgamento por parte do conselho de sentença. Apesar de muito se argumentar sobre os reais motivos desta anomalia legislativa, ou seja, se operações policial que prenderam figuras políticas conhecidas teriam servido de alavanca para culminar nesta normativa, coincidência ou não, o STF legislou logo após a prisão de um banqueiro e um ex-prefeito, situação em que ambos apareceram algemados.
O STF ao exercer sua função legislativa, deve atentar-se ao limites impostos para a finalidade de edição de súmulas vinculantes, haja vista que ao regrar o uso de algemas ignorou requisitos presentes no artigo 103-A, caput, da Constituição Federal, tese compartilhada por Arryanne Queiroz (2008):
A prova de que o STF regulamentou a matéria, fazendo as vezes de Poder Legislativo — numa usurpação de competência sem precedentes que põe em risco o princípio dos freios e contrapesos —, é que a nova súmula impõe condições para o uso de algemas que nem mesmo a legislação ordinária faz. Apenas os artigos 474, §3º, do CPP e o 234, §1º, do CPPM versavam, antes da Lei 11.689/08, sobre algemas. Mas nenhum deles exige explicação por escrito para uso da algema. Ou seja, o STF inovou por via contestável.
No entanto, não é de hoje que a regulamentação sobre a utilização de algemas visa a proteção de determinadas pessoas que, se expostas algemadas em público perderiam sua credibilidade pessoal, consoante previsão do próprio Código de Processo Penal Militar em seu artigo 234, parágrafo primeiro: “O emprego de algemas deve ser evitado, desde que não haja perigo de fuga ou de agressão da parte do preso, e de modo algum será permitido, nos presos a que se refere o art. 242.” Este último artigo nomina os privilegiados por tal norma, quais sejam: os ministros de Estado; os governadores ou interventores de Estados, ou Territórios, o prefeito do Distrito Federal, seus respectivos secretários e chefes de Polícia; os membros do Congresso Nacional, dos Conselhos da União e das Assembléias Legislativas dos Estados; os cidadãos inscritos no Livro de Mérito das ordens militares ou civis reconhecidas em lei; os magistrados; os oficiais das Forças Armadas, das Polícias e dos Corpos de Bombeiros, Militares, inclusive os da reserva, remunerada ou não, e os reformados; os oficiais da Marinha Mercante Nacional; os diplomados por faculdade ou instituto superior de ensino nacional; os ministros do Tribunal de Contas; os ministros de confissão religiosa. Apesar de não recepcionado pela Carta Magna de 1988, vemos, ainda, muitos resquícios dessa intangibilidade que algumas autoridades acreditam possuir.
Importante orientação que nos fornece Rodrigo Gomes (2006):
Os argumentos contra as algemas são variados e criativos. Ora se diz presente excesso de poder, ora se afirma o desrespeito puro e simples a direitos constitucionais. O que não se diz, às claras, é que o argumento é essencialmente preconceituoso. Querem fazer crer, com péssimo propósito, que o colarinho branco não precisa ser algemado. Tiram do uso do equipamento somente a sua simbologia de suposta humilhação, para concluir, às avessas, que só quem merece as algemas é o réu ordinário, aquele que mal consegue defesa técnica digna.
Nosso foco, porém, trata da garantia de manter a integridade física do agente policial durante sua atividade quotidiana, que em grande parte das vezes encontra-se a realização de prisões. Em seu artigo Paulo Sérgio dos Santos (ANO) cita Leandro Daiello Coimbra que defende nosso entendimento: “não algemar o preso seria prendê-lo em cela de porta aberta, ou seja, seria colocar os policiais em risco desnecessário”. O que deve ser devidamente explanado ao tratar do tema de utilização de algemas é sua real finalidade no caso concreto, ou seja, a imobilização do conduzido de maneira a não oferecer perigo ao policial, a ele mesmo e à sociedade; muito embora, busca-se, de maneira incessante, estabelecer a relação algemas com exposição indevida da pessoa. Assim, o que deve ser realmente combatido é a veiculação de imagens de indivíduos algemas e não o uso de algemas em si. Afirma Rodrigo Gomes (2006): “O ato de algemar não é um constrangimento ilegal. Poderá sê-lo se procedido tão-somente para filmagem e divulgação em rede nacional, o que sujeita o policial a sanções disciplinares.” Desse modo, necessita-se entender a ideia que o direito à imagem do conduzido não é mais precioso que o direito à vida do condutor.
O uso de algemas é medida que visa à neutralização do conduzido, de modo a serem consideradas instrumento de contenção e não de defesa como pode induzir a leitura do artigo 292 do Código de Processo Penal:
Se houver, ainda que por parte de terceiros, resistência à prisão em flagrante ou à determinada por autoridade competente, o executor e as pessoas que o auxiliarem poderão usar dos meios necessários para defender-se ou para vencer a resistência, do que tudo se lavrará auto subscrito também por duas testemunhas.
Portanto, conforme Gomes (2006) os Princípios Básicos sobre uso da Força e Armas de Fogo adotados pela Organização das Nações Unidas em 1990, a algema seria umas das ferramentas adequadas a evitar o dispêndio de energia física para condução do indivíduo, ou em outras palavras, o uso desta ferramenta evita o uso da força por parte do policial. A noção entre o uso de força por parte do policial e a contenção por meio de algemas é tema que gera confusão, haja vista Medeiros (2006) que, equivocadamente, comenta que por falta de decreto federal exigido pela Lei de Execuções Penais, deve-se aplicar algemas nos casos do artigo 284 do Código de Processo Penal. Consequentemente, o uso de algemas visa controlar o suspeito, prover segurança aos agentes policiais e reduzir o agravamento da situação. Filho coaduna com este entendimento ao afirmar ocorrer engano “em associar o emprego de algemas à força policial, quando na realidade a utilização das algemas acaba por neutralizar a força policial porque imobiliza o delinquente”.
Não é consentâneo exigir do cidadão que exerce função policial atitudes heróicas ao arriscar-se levar, sem o uso de algemas, detido de periculosidade demonstrada, conforme salienta perfeitamente Márcio Pereira (2010):
Vale destacar também que, no que tange a certas profissões (delegado e agente policial, v. g.), o risco (inclusive o de vida) é inerente à função, não sendo, portanto, possível invocar, por exemplo, perigo à incolumidade física a fim de se esquivar de efetuar uma prisão em flagrante. No entanto, há que se ter certa razoabilidade aqui, pois, se está certo que o risco é inerente à profissão do delegado e à do agente policial, é certo também que não se podem exigir destes, conduta "suicida".
A pessoa que exerce a função policial também foi amparada pela Constituição Federal em seu artigo 5º no qual se garante, independente de qualquer espécie de distinção, os direitos à vida, liberdade, igualdade, propriedade e, no tema deste artigo científico, a segurança; bem como deve ter resguardado o livre exercício de seu ofício policial, nos ditames do mesmo artigo supracitado, inciso XIII:  “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. Assevera-se, ainda, caso o detido cause danos a terceiro em virtude do não uso de algemas, o policial será responsabilizado civil e penalmente por negligência, segundo Silveira (2009).
Se não se pode exigir do policial o risco arbitrário da impossibilidade de utilizar-se de seu instrumento de trabalho, por medida de segurança, o mínimo que se pode ofertar ao policial é o direito de não ser obrigado a prender aquele em que não puderem ser empregados os meios próprios fornecidos pelo Estado para evitar, de maneira ao próprio policial se resguardar, danos futuros. A privação da liberdade de uma pessoa é medida extrema tomada pelo Estado, logo a pessoa que está sendo cerceada de seu direito de locomoção pode ter atitudes imprevisíveis, desde o choro até o que julgar necessário fazer para ver-se livre novamente. Diante de tal perigo abstrato que existe na atividade diária do policial, o Departamento de Polícia Federal solicitou um parecer técnico a psicólogos sobre a real periculosidade que o indivíduo conduzido pode oferecer. Citado documento teve como conclusão o que segue:
Diante do exposto, verifica-se a impossibilidade de uma previsão acertada do comportamento de uma pessoa, de sua reação diante de uma situação de estresse agudo como no momento de uma prisão. Além disso, o próprio policial, encontra-se num estado de alerta, o que pode interferir na decisão do melhor procedimento a ser adotado. Diante dessa situação, uma padronização de procedimento é a opção mais adequada, tornando o ato de algemar em todas as situações a mais segura para todos envolvidos.
Mesmo com tal opinião técnica acerca do assunto, a decisão mais correta deve levar em consideração que o policial, devido à situação estressante que passa em todo momento de prisão, tem suas faculdades psicológicas prejudicadas, então sendo imprescindível criar requisitos objetivos que possam ser facilmente interpretados pelos agentes da lei durante o ato de prisão. Documento oficial que seguiu, em tese, tal doutrina foi a Instrução Normativa 7 de 2009, da Direção-Geral de Polícia Rodoviária Federal, que em seu conteúdo, ao interpretar os requisitos impostos pela Súmula 11 do STF, definiu o que seria o fundado receio de fuga e de perigo à integridade física própria ou alheia, facilitando assim a aplicação da norma pelo policial, por exemplo:
Artigo 2º. Considera-se indício de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, notadamente as seguintes circunstâncias:
I. prisão ou apreensão de pessoa acusada ou suspeita de prática de crime contra a pessoa, mediante violência ou grave ameaça;
II. prisão ou apreensão de pessoa acusada ou suspeita de trafica ilícito de entorpecentes e drogas afins;
III. prisão ou apreensão de pessoa com antecedentes de fuga ou tentativa de fuga;
IV. prisão ou apreensão de pessoa com sintomas de embriaguez pelo álcool ou substância de efeitos análogos;
V. prisão ou apreensão de pessoa com sintomas de doença mental ou qualquer outro distúrbio emocional grave;
VI. prisão ou apreensão de pessoa legalmente presa ou submetida à medida de segurança detentiva logo após sua fuga;
VII. transporte em veículos não adaptados ao isolamento da pessoa submetida à prisão ou apreensão;
VIII. translado aéreo em aeronaves não adaptadas ao isolamento da pessoa submetida à prisão ou apreensão;
IX. prisão ou apreensão de pessoa portando arma;
X. prisão ou apreensão de pessoa com conhecimentos em artes marciais;
XI. número insuficiente de policiais para prisão ou apreensão de mais de uma pessoa.
Parágrafo Único: O chefe da equipe policial será o responsável pela avaliação da necessidade do uso de algemas, que poderá abranger outras hipóteses além das descritas nos incisos I a XI do caput, desde que justificada a excepcionalidade da medida.
Como bem defende Arryanne (2008) requisitos objetivos devem existir, portanto, o mandado de prisão expedido por juiz competente é fundamento mais que suficiente para determinar a utilização de algemas. Destarte, o caminho mais equilibrado a ser utilizado, a fim de não algemar desmedidamente qualquer pessoa nem pecando pela aversão ao uso de sua ferramenta de trabalho, é o que define, de maneira objetiva através de estudo prévio, possíveis comportamentos que corroborem o tirocínio do policial, culminando no uso de algemas de maneira fundamentada e segura, tanto para o conduzido quanto para o policial, que por sua vez não se sentirá coagido por estar devidamente amparado por previsão legal.
Bibliografia
MEDEIROS, Aristides. Algemas não foram regulamentadas e não devem ser utilizadas. Revista Consultor Jurídico, 21 de junho de 2006. Disponível em <http://www.conjur.com.br/2006-jun-21/algemas_nao_foram_regulamentadas_nao_podem_usadas> Acesso em 13/10/2011.
FILHO, Manuel Rubani Pontes Silva. O uso de Algemas no Brasil. Disponível em <http://www.mp.ce.gov.br/esmp/publicacoes/ed1/artigos/uso_de_algemas_no_brasil.pdf> Acesso em 14/10/2011.
PEREIRA, Márcio Ferreira Rodrigues. O agente policial, durante o período de folga, tem o dever de prender em flagrante?. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2631, 14 set. 2010. Disponível em:<http://jus.com.br/revista/texto/17388>. Acesso em: 12/10/2011.
QUEIROZ, Arryanne. Súmula que restringe o uso de algemas é inconstitucional. Revista Consultor Jurídico, 21 de agosto de 2008. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2008-ago-21/sumula_vinculante_11_supremo_inconstitucional> Acesso em 13/10/2011.
QUEIROZ, Arryanne. Preso é preso, deve ser algemado e com as mãos para trás. Revista Consultor Jurídico, 18 de agosto de 2008. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2008-ago-18/preso_preso_algemado_maos> Acesso em 13/10/2011.
GOMES, Rodrigo Carneiro. Algemas para a salvaguarda da sociedade: a desmistificação do seu uso. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, 34, 02/11/2006.
GOMES, Rodrigo Carneiro. O uso de algemas deve ser incentivado e não reprimido. Revista Consultor Jurídico, 14 de outubro de 2006.
SILVEIRA, Paulo Fernando. Súmula que restringe algemas põe policial em risco. Revista Consultor Jurídico, 23 de abril de 2009. Disponível em <http://www.conjur.com.br/2009-abr-23/sumula-proibe-algemas-viola-direito-protecao-agente-policial>. Acesso em 13/10/2011.
IVAN BIALECKI é policial rodoviário federal em Cascavel (Paraná).

Revista Consultor Jurídico

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