Na semana passada, duas decisões judiciais pesaram na vida do Capitão Gimenez. Ele foi responsável direto por levantamento de provas que desarticulou uma rede de pedofilia que atuava por mais de dez anos e que culminou na prisão em flagrante de Edson Lao, que distribuía e captava material pornográfico pela rede mundial de computadores.
Mesmo com a prisão em flagrante de Edson Lao (28 março de 2012), a conduta de Gimenez continuou a ser questionada e julgada em dois processos distintos, um na Justiça Comum e outro na Justiça Militar. Teria o policial excedido suas atribuições ao investigar os crimes de Lao? Seu comportamento na investigação também foi posto em xeque.
No último dia 26, o TJM (Tribunal de Justiça Militar) cassou o posto, a patente e os proventos do capitão da reserva da Polícia Militar, Marcelo Gimenez Bernardes da Silva, considerado indigno para com o oficialato por conduta “inconveniente” na investigação. No dia 27, apesar da condenação militar, Capitão Gimenez foi absolvido na esfera criminal, que o isentou das acusações. Agora, Gimenez vai recorrer da decisão do TJM no Supremo Tribunal Federal e espera por fim a uma angústia que dura anos.
“Fui aonde ninguém queria ter ido e fiz o que acreditei que deveria fazer. Edson Lao foi preso e muitas crianças foram salvas de sua rede de pedófilos que agia desde 2003”, disse o capitão.
A descoberta de Lao
A rede foi descoberta em primeira pessoa pelo próprio Capitão Gimenez em uma sala de bate papos da UOL, frequentada por militares, onde ele entrava para conversar com amigos. Ele narra que em 21 de setembro de 2010 percebeu que vários usuários atacavam com xingamentos alguém que se apresentava com o “nickname” de “pai_com_fl_cam”, ao perguntar sobre o que se tratava a amigos ele foi informado que o usuário estaria exibindo-se ao abusar de um menor via “web-cam”.
Gimenez atraiu a atenção e ganhou a confiança do usuário que passou a transmitir sua imagem e em seguida chamava uma criança, uma menina e passava a abusar dela.
“Eu não estava preparado para o que eu iria ver e saí do bate papo. O único recurso que tinha naquele dia foi usar o link do portal Uol para denunciar o crime de pedofilia e guardei o protocolo”, explicou Gimenez.
No dia seguinte, ele voltou a fazer contato com o suspeito via chat e como não possuía conhecimento tecnológico de como salvar endereços e publicações ele utilizou uma câmera fotográfica para registrar a tela do computador e fez nova denúncia via Uol.
Entre os contatos com o suspeito ele falou com a esposa, sua irmã que oficial da PM e a um outro Oficial de Araçatuba, passando logo em seguida a se reportar ao Ministério Público, à Polícia Civil e ao Comando da Polícia Militar. Diante das evidências foi agendada uma reunião onde decidiu-se abrir um inquérito policial pela Polícia Civil, que deveria investigar o caso e Gimenez colheria informações.
“Um investigador de polícia foi designado a me suprir de informações sobre como captar o endereço de IP (Internet Provider) que poderia dar informação de onde o acesso estaria sendo feito e localizar o criminoso. Tudo o que eu sabia era que estava lidando com alguém que violentava crianças ao vivo pela internet e ele precisava ser detido. A partir daí todos sabiam que eu estava agindo como um policial infiltrado. Ninguém nunca pediu para eu parar. E eu fiz o que podia para que a prisão acontecesse”, declarou.
Perfil de um maníaco
Durante os contatos com Edson Lao suas declarações e atitudes desenharam o perfil de um maníaco, que não só abusava de crianças, mas que também às matava e descartava seus corpos em uma represa.
Para ganhar a confiança do suspeito Gimenez criou um MSN falso e criou um personagem fictício “Leonardo” e passou a dar informações falsas para atrair a atenção de Lao.
“Está tudo registrado, tudo o que falei era inventado para ganhar a confiança dele. Tudo o que coletava de informação era reportado a todos, desde meus superiores e aos envolvidos na investigação”, reforçou.
Lao insistia que Gimenez mostrasse “algo” que o interessasse. Disposto a não cometer nenhum crime durante a investigação, Gimenez passou a aparecer nas conversas via “web cam” fardado, para ganhar a confiança de Lao, que se passava por “Flávio”, um tenente da Aeronáutica. A investigação atingiu o ponto crítico quando Lao passou a sugerir que o militar, usando de seu trabalho, recolhesse algumas “crianças de rua” que poderiam ser abusadas em um rancho a margem de um rio na cidade do suspeito. Lao afirmava que depois seria fácil se livrar delas no rio, sugerindo que já teria feito isso anteriormente, umas 11 vezes.
“Eu acreditei seriamente de que ele seria capaz de fazê-lo. Pensei em todas as crianças que desaparecem neste país sem deixar rastro e que Lao era uma das pessoas capazes de estarem envolvidos nestes desaparecimentos. O sentimento era de revolta. Estava em contato com um maníaco, mas ainda não conseguia prendê-lo”, afirmou.
Apertando o cerco
A partir dos contatos, Lao chegou a enviar um mapa do Google, marcando a localização do rancho. Gimenez acionou o serviço reservado da Polícia Mlitar de Araçatuba que por sua vez acionou Policiais Militares do serviço reservado de São Bernardo do Campo que chegaram a averiguar a localização, mas não conseguiram encontrar o tal rancho. Aproveitando viagem à São Paulo, Gimenez acompanhado de outros dois oficiais da PM chegaram a fazer uma diligência onde encontraram a estrada mencionada pelo criminoso, mas não o rancho.
“A estrada estava com aspecto de abandonada e não deve ter chamado a atenção da primeira equipe a estar no local. Eu precisava chegar mais perto e marquei o encontro com Lao em um evento da aeronáutica onde ele não apareceu”, relatou.
Localização e prisão
A localização e prisão de Edson Lao aconteceu meses após através do número de IP identificada pelo Capitão Gimenez , que assinalava para uma casa em São Caetano do Sul. Delegados e investigadores de Andradina foram até o local para fazer a busca e apreensão na casa. Ninguém foi preso naquele momento porque nenhuma pessoa da casa (pai, esposa e dois filhos) casava com a imagem da pessoa que abusava da criança no vídeo.
Um farto material pornográfico, incluindo pornografia infantil, foi encontrado em um dos computadores. “Chegaram a sugerir que o adolescente era a pessoa por traz de tudo o que só foi descartado após análise dos computadores pelo DHPP, delegacia especializada nestes crimes”, explicou Gimenez.
Na investigação do DHPP foi levantada a hipótese de que o computador que continha o material pornográfico pertencia a Edson Lao e não ao filho, o que foi confirmado por sua esposa. A mulher, que já estava separada do marido, mas vivia sob mesmo teto o denunciou dizendo que ele havia comprado outro computador e continuava a fazer o mesmo em casa. Lao foi preso em flagrante e condenado há seis anos de prisão. Em seu computador haviam imagens de várias outras pessoas gravadas em vídeo, além de fotos e arquivos de “bate papo”.
Descobriu-se ainda que ele usava um programa para enviar imagens do abuso como se fosse de sua própria “web cam”.
“Ele tinha tanta familiaridade com os vídeos que enviava, que conhecia o tempo exato de cada ação, então ele enganava as pessoas fazendo-as acreditar que o abuso estava acontecendo ao vivo”, explicou Gimenez.
Os arquivos de Lao ainda estão sendo periciados.
Reação Inesperada
Mesmo que a ação de Gimenez tivesse propiciado a real identificação e a prisão de Edson Lao e inibido a continuidade de delitos gravíssimos que vinham sendo cometidos pelo mesmo, sua conduta na investigação não deixou de ser alvo de críticas e julgamento.
Durante uma penosa investigação que voltou-se contra ele, em nenhum dos computadores pessoais nem do trabalho foi encontrado nada de ilegal que pudesse colocar em dúvida sua conduta durante a investigação, e nem material pornográfico de qualquer espécie.
Com relação a apuração da prática de pedofilia por Edson Lao, a decisão de se expor aconteceu de forma individual e reservada, atitude que justifica pela sua convicção de que o suspeito de abuso sexual infantil e possível assassino de crianças tinha que ser detido a qualquer custo, e tudo foi feito sem divulgar a imagem de outras pessoas com quem tem contato direto e sem cometer nenhum crime.
Tudo isso foi levado em consideração no processo criminal instaurado em Andradina, onde Gimenez foi absolvido. “Em tudo o que fiz não havia vítima, era só eu. O juiz entendeu que não pratiquei nenhum crime. O próprio Ministério Público da Justiça Militar coloca em seu parecer que minha atitude foi nobre”, relatou Gimenez.
Já na esfera Militar, onde ele está recebendo uma punição administrativa, com perda da patente e aposentadoria, Gimenez, em suas ações para prisão do criminoso teria ofenddido a moralidade, a ética e o decoro profissionais ao veicular imagens de conteúdo obsceno de sua própria pessoa, ostentando o uniforme da PM”, mesmo que por motivo nobre. Sua defesa amparou-se no fato de que as ações foram “plenamente justificáveis, haja vista ter agido com um único propósito: identificar e prender o indivíduo que, claramente, abusava de menores”. Mesmo reconhecendo a nobreza do motivo de agir do Capitão, o TJM o puniu ressalvando que ele “não se encontrava investido de função de investigar autoria de pedofilia”, o que segundo o TJM seria as funções da Policia Civil e da Polícia Reservada da PM.
“Em que pese haver nestes autos, lamentavelmente, farta documentação digital contendo imagens de abuso sexual de menores, não são essas as acusações que pesam sobre os ombros do policial”, frisa o Acórdão do TJM.
O julgamento Militar do Capitão Marcelo Gimenez, não o atribuiu nenhum outro “crime” a não ser os de “conduta como membro da PM”, o que segundo a decisão o tornou-o indigno de continuar pertencendo à corporação ou incompatível com o “oficialato”.
“Vou recorrer ao Supremo, mas estou em paz. Mais do que tudo, durante todo esse período fortaleci minha fé em Deus e meu amor pelos amigos e pela família e também aprendi do que são capazes os seres humanos. Levarei sempre comigo a certeza que salvei muitas crianças, mesmo que isso tenha custado minha carreira”, concluiu.
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