Há um ano e meio Rafael Braga está atrás das grades. Com 26 anos, negro, morador de rua, Rafael foi uma das centenas, talvez milhares, de pessoas detidas na época dos grandes protestos de rua de junho de 2013, que curvou governos de PT, PSDB e PMDB, e conseguiu impedir o aumento das tarifas.
Por Fernando Pardal do Palavra Operária
Contudo, mesmo os que até hoje respondem processos pelo “crime” de se manifestar nas ruas daquelas jornadas de junho, o fazem em liberdade. Menos Rafael: ele é o único que permanece atrás das grades. Qual é o crime pelo qual Rafael é acusado? Porte de “artefato explosivo ou incendiário”. Quais eram esses artefatos? Uma garrafa de desinfetante e uma garrafa de Pinho Sol. Isso mesmo: Rafael andava pela rua levando produtos de limpeza. Na verdade, ele sequer estava participando da manifestação que ocorria quando ele foi preso. Mas eles precisavam de bodes expiatórios, e Rafael era preto e pobre, e estava no lugar errado e na hora errada. Virou, aos olhos da polícia, da justiça e do Estado, um “terrorista”, sendo condenado a cinco anos de prisão em Bangu 5.
“Vem cá, ô moleque. Aí neguinho, você tá com coquetel molotov? Você tá ferrado neguinho.”
Foi assim que os policiais abordaram ele. Rafael disse que não sabia o que era coquetel molotov. No estacionamento da delegacia, apanhou dos policiais, como apanham milhares de jovens negros apanham todos os dias das polícias nas periferias, isso quando não são brutalmente assassinados e seus algozes ficam impunes, salvos tranquilamente reportando um “auto de resistência”, uma herança jurídica da ditadura que permite aos policiais matar impunemente alegando resistência ao abordar qualquer um.
Dividindo a cela com outras setenta pessoas, com direito a sair apenas duas horas por dia. Assim Rafael passou seu primeiro ano na prisão, mesmo sem cometer crime algum. Foi julgado como reincidente, por ter já em sua ficha dois furtos, incitados pela sua dependência do crack, uma droga que é utilizada para exterminar pobres e pretos, que foi utilizada até mesmo pela CIA para desarticular o movimentos dos Panteras Negras nos EUA nos anos de 1970.
Em 08 de outubro Rafael conseguiu, por sua “boa conduta”, o direito de sair do presídio para trabalhar. Ele pode sair às 07:00 da manhã e retornar ao presídio às 20:00. Mesmo assim, continua preso, e sua pena de cinco anos foi apenas reduzida para quatro anos e oito meses, sem direito a recorrer em liberdade.
Contudo, pouco mais de um mês depois, Rafael tirou a foto abaixo, em frente a um muro da penitenciária:
Por essa foto ele foi condenado a dez dias na solitária, um cubículo onde cabem apenas um colchão e uma pia. Segundo ele, foi a pior experiência pela qual passou dentro da penitenciária.
No dia 9 de dezembro Rafael saiu, como todos os dias, para trabalhar. Ficou sabendo que sua mãe estava doente, e decidiu não voltar aquele dia para poder ficar com ela, ajudá-la. Foi o que bastou para que, ao retornar ao presídio no dia 10 de dezembro, ironicamente o dia internacional dos direitos humanos, fosse condenado a um novo período de dez diasna solitária. Rafael ficou desesperado, e aproveitou a porta aberta para sair às ruas. Algumas horas depois foi encontrado ao lado da penitenciária; claramente Rafael não estava decidido a fugir, mas a ideia da solitária era desesperadora.
A consequência foi a transferência de Rafael para o Instituto Penal Edgar Costa, em Niterói, e a solicitação de que seu direito a sair para trabalhar fosse suspenso. A administração da penitenciária fez essa solicitação à Vara de Execução Penal dizendo que:
“(…) Devido a gravidade do fato que ocasionou sérios problemas para a unidade e aos funcionários de plantão, solicitamos a suspensão do benefício para servir como exemplo, evitando comportamentos iguais no futuro.
O interno demonstrou com seu comportamento que não está em condições de cumprir o trabalho Extramuros, bem como o regime semi-aberto, portanto solicitamos a regressão do Regime cautelarmente até a avaliação do mérito.”
Assim, Rafael segue como mais uma vítima do sistema penitenciário racista de nosso país, um símbolo do que essa sociedade de miséria reserva aos jovens negros da periferia. A luta pela liberdade de Rafael é uma necessidade para todos os que estiveram nas ruas, todos os que defendem justiça social. Não esquecemos Rafael. Ele é um dos nossos, e lutaremos por sua liberdade.
Saiba mais:
Leia a matéria completa em: Rafael Braga e o retrato do racismo institucional do cárcere - Geledés
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