Acorda, Policial e Bombeiro Militar!


O verdadeiro desafio não é inserir uma idéia nova na mente militar, mas sim expelir a idéia antiga" (Lidell Hart)
Um verdadeiro amigo desabafa-se livremente, aconselha com justiça, ajuda prontamente, aventura-se com ousadia, aceita tudo com paciência, defende com coragem e continua amigo para sempre. William Penn.

domingo, 14 de outubro de 2012

Editorial do Jornal O Estado de S. Paulo – Rotina Macabra



O combate ao crime organizado no Estado de São Paulo com base no "mata-mata"  já chegou a um ponto intolerável. Há meses, os paulistas estão assistindo a uma  rotina macabra. O mais recente episódio ocorreu entre a noite de terça e a tarde  de quarta-feira desta semana, quando pelo menos 12 pessoas foram mortas a tiros  na Grande São Paulo, 7 das quais assassinadas pouco depois de um policial  militar (PM) ter sido morto em Taboão da Serra. Policiais da região disseram ao  Estado que a ação foi uma vingança pela morte do PM. Antes disso, na Baixada  Santista, uma onda de violência deixou 13 mortos em cinco dias, também após o  assassinato de dois policiais.
Esses números mostram que as autoridades de segurança pública não têm sido  capazes de conduzir investigações que levem à captura dos responsáveis pelos  atentados contra os policiais. Já são 79 soldados mortos neste ano, e os PMs,  por medo de serem surpreendidos pelos criminosos, escondem a farda e andam em  comboio quando voltam para casa. Ao mesmo tempo, o governo não parece enérgico o  bastante para desestimular a ação dos justiceiros, para quem não interessam  coisas civilizadas como o Estado de Direito.
A resposta do governo foi anunciar uma operação com 15 mil PMs no Estado e a  realização de um cerco na Baixada e na região metropolitana. "A PM quer  demonstrar que está respondendo aos picos de incidências criminais", disse o  comandante da PM, coronel Roberval França. Ele negou que esteja em curso uma  guerra entre a PM e o PCC, principal organização criminosa do Estado. Para  França, trata-se somente de uma "série de delitos".
A reação da PM está em linha com a versão recorrente do governo segundo a  qual o fôlego do PCC está no fim. O secretário de Segurança Pública do Estado,  Antonio Ferreira Pinto, negou que as mortes na Baixada tenham relação com o PCC  e chegou a dizer que parte da imprensa "glamouriza" o grupo, "o que só traz  desassossego à população". Segundo Ferreira Pinto, o PCC se resume a "30 ou 40  indivíduos que estão presos há muito tempo e se dedicam ao tráfico". Documentos  do Ministério Público, porém, mostram que a facção tem mais de 1.300 criminosos  em 123 cidades paulistas.
Atuando desde 1993, o PCC só teve sua existência reconhecida no ano 2000,  pelo então governador Mário Covas, de modo que o grupo teve bastante tempo para  desenvolver-se sem ser incomodado. E esse poder logo viria a se manifestar: em  2001, o PCC paralisou 30 presídios paulistas, demonstrando alto grau de  articulação, que só seria possível num ambiente de ausência do Estado. O impacto  dessa exibição de força foi tal que gerou a implantação do Regime Disciplinar  Diferenciado, para isolar os líderes das facções nos presídios. Em novembro de  2002, o governo já se sentia à vontade para declarar, pela voz do delegado  responsável pelo combate ao crime organizado, que o PCC havia sido  "desmantelado" - e ainda brincou: "Se o PCC tinha uma boca cheia de dentes,  agora tem um dentinho aqui, outro ali". Apenas quatro anos mais tarde, esse PCC  "banguela" promoveu uma onda de terror inédita em São Paulo, matando dezenas de  policiais e impondo toque de recolher em bairros da periferia.
É de fato prudente não exagerar o poder do inimigo, e o esforço do governo  para não demonstrar fraqueza ante o PCC é estrategicamente correto. No entanto,  ao minimizar o alcance do grupo, querendo fazer crer que se trata apenas de um  punhado de traficantes, as autoridades atentam contra as evidências e manifestam  em seu discurso uma tal desconexão com a realidade que, ao fim e ao cabo, os  cidadãos ficam sem saber se poderão voltar a se sentir seguros.
Para conter a ofensiva do crime organizado, as autoridades do Estado fariam  melhor se deixassem de lado o discurso sobre a fragilidade do PCC, que a  realidade teima em desmentir, e começassem a investir de fato na inteligência  para identificar os autores intelectuais dessa onda de crimes contra policiais.  Outra solução, bem menos trabalhosa, é fechar os olhos e deixar que vingadores  façam o "serviço". Mas aí sairemos do campo da segurança pública e entraremos no  da barbárie.

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