O combate ao crime organizado no Estado de São Paulo com base no "mata-mata" já chegou a um ponto intolerável. Há meses, os paulistas estão assistindo a uma rotina macabra. O mais recente episódio ocorreu entre a noite de terça e a tarde de quarta-feira desta semana, quando pelo menos 12 pessoas foram mortas a tiros na Grande São Paulo, 7 das quais assassinadas pouco depois de um policial militar (PM) ter sido morto em Taboão da Serra. Policiais da região disseram ao Estado que a ação foi uma vingança pela morte do PM. Antes disso, na Baixada Santista, uma onda de violência deixou 13 mortos em cinco dias, também após o assassinato de dois policiais.
Esses números mostram que as autoridades de segurança pública não têm sido capazes de conduzir investigações que levem à captura dos responsáveis pelos atentados contra os policiais. Já são 79 soldados mortos neste ano, e os PMs, por medo de serem surpreendidos pelos criminosos, escondem a farda e andam em comboio quando voltam para casa. Ao mesmo tempo, o governo não parece enérgico o bastante para desestimular a ação dos justiceiros, para quem não interessam coisas civilizadas como o Estado de Direito.
A resposta do governo foi anunciar uma operação com 15 mil PMs no Estado e a realização de um cerco na Baixada e na região metropolitana. "A PM quer demonstrar que está respondendo aos picos de incidências criminais", disse o comandante da PM, coronel Roberval França. Ele negou que esteja em curso uma guerra entre a PM e o PCC, principal organização criminosa do Estado. Para França, trata-se somente de uma "série de delitos".
A reação da PM está em linha com a versão recorrente do governo segundo a qual o fôlego do PCC está no fim. O secretário de Segurança Pública do Estado, Antonio Ferreira Pinto, negou que as mortes na Baixada tenham relação com o PCC e chegou a dizer que parte da imprensa "glamouriza" o grupo, "o que só traz desassossego à população". Segundo Ferreira Pinto, o PCC se resume a "30 ou 40 indivíduos que estão presos há muito tempo e se dedicam ao tráfico". Documentos do Ministério Público, porém, mostram que a facção tem mais de 1.300 criminosos em 123 cidades paulistas.
Atuando desde 1993, o PCC só teve sua existência reconhecida no ano 2000, pelo então governador Mário Covas, de modo que o grupo teve bastante tempo para desenvolver-se sem ser incomodado. E esse poder logo viria a se manifestar: em 2001, o PCC paralisou 30 presídios paulistas, demonstrando alto grau de articulação, que só seria possível num ambiente de ausência do Estado. O impacto dessa exibição de força foi tal que gerou a implantação do Regime Disciplinar Diferenciado, para isolar os líderes das facções nos presídios. Em novembro de 2002, o governo já se sentia à vontade para declarar, pela voz do delegado responsável pelo combate ao crime organizado, que o PCC havia sido "desmantelado" - e ainda brincou: "Se o PCC tinha uma boca cheia de dentes, agora tem um dentinho aqui, outro ali". Apenas quatro anos mais tarde, esse PCC "banguela" promoveu uma onda de terror inédita em São Paulo, matando dezenas de policiais e impondo toque de recolher em bairros da periferia.
É de fato prudente não exagerar o poder do inimigo, e o esforço do governo para não demonstrar fraqueza ante o PCC é estrategicamente correto. No entanto, ao minimizar o alcance do grupo, querendo fazer crer que se trata apenas de um punhado de traficantes, as autoridades atentam contra as evidências e manifestam em seu discurso uma tal desconexão com a realidade que, ao fim e ao cabo, os cidadãos ficam sem saber se poderão voltar a se sentir seguros.
Para conter a ofensiva do crime organizado, as autoridades do Estado fariam melhor se deixassem de lado o discurso sobre a fragilidade do PCC, que a realidade teima em desmentir, e começassem a investir de fato na inteligência para identificar os autores intelectuais dessa onda de crimes contra policiais. Outra solução, bem menos trabalhosa, é fechar os olhos e deixar que vingadores façam o "serviço". Mas aí sairemos do campo da segurança pública e entraremos no da barbárie.
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