Ayres Britto seguiu o relator e condenou oito réus do “mensalão” por corrupção ativa. No seu voto, condenou também o modelo de “governo de coalizão”, adotado no país desde o fim da ditadura. Para o presidente da mais alta corte brasileira, a hegemonia política de um partido não pode ser construída a partir de alianças perenes com os demais. “O sentido das alianças é o da sua transitoriedade”, filosofou. O presidente do STF subiu o tom para criticar o que chamou de "esse estilo de fazer política excomungado pela ordem jurídica brasileira".
Najla Passos
Brasília - O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ayres Britto, acompanhou a íntegra do voto do relator, ministro Joaquim Barbosa, e condenou oito dos réus acusados de corrupção passiva no processo do “mensalão”: os petistas José Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares, além do empresário Marcos Valério, seus sócios e funcionários. Mas Britto foi além: condenou também o modelo de “governo de coalizão”, adotado no país desde o final da ditadura militar.
Embora tenha iniciado seu voto explicando que o sistema de coligações não pode ser objeto de estranhamento ou de crítica, a não ser que seja formado de forma “agentária, pecuniarizada”, Britto afirmou que ele só pode vigorar nos períodos pré-eleitorais e, quando já eleito um governo, de forma episódica e pontual para a provação de projetos específicos. “Basta lembrar que, mesmo nos períodos pré-eleitorais, o sentido das alianças é o da sua transitoriedade”, afirmou.
Nas palavras exatas do presidente da mais alta corte do país, “cada partido político é autônomo, goza de autonomia política, administrativa e financeira em boa medida. Tem a sua identidade ideológica, ou político-filosófica, mas tudo isso é suspenso, legitimamente suspenso, para a formação de coligações durante o período eleitoral. Terminado o período eleitoral, as coligações se desfazem, de direito. E são substituídas por alianças tópicas, pontuais, episódicas, para a aprovação de projetos específicos. Não faz sentido, à luz da autonomia política de cada partido e da sua identidade inconfundível, ideológica e política, uma aliança formal ad aeternum, porque isso, mais do que a perenização no tempo dessas coalizões, implica em um condicionamento material na hora das votações”.
Britto ressaltou que a hegemonia política de um partido não pode ser construída a partir de alianças perenes com os demais, principalmente se forem conquistadas à base da propina. “Um partido não tem o direito de se apropriar do outro, de açambarcar o outro partido, menos ainda à base de propina. E, estendendo sua malha hegemônica e a sua dominação, para um pool de partidos que, como mostrou o Ministério Público, aconteceu no caso concreto”, avaliou.
Para o ministro, no “mensalão”, as alianças partidárias foram “compradas” de forma profissionalizada pelas empresas de Marcos Valério, classificado por ele como protagonista-mor do núcleo operacional. “Um pull de empresas mediador se especializou na sua expertise. É por isso que atuou por vários anos. E mobilizou, em valores da época, incorporando os empréstimos do BGM, R$ 153 milhões”, acrescentou.
Voz ideológica das urnas
O presidente subiu o tom para criticar o que chamou de esse estilo de fazer política excomungado pela ordem jurídica brasileira que, como não poderia deixar de ser, adulterou, do ponto de vista ideológico, o resultado da eleição. “Nós sabemos que a urna tem voz ideológica. A cada eleição popular, em uma determinada circunscrição geográfica, um espectro ideológico se desenha. Ressai de cada urna um perfil ideológico que, em tese, deve vigorar por quatro anos, porque o voto é a expressão da soberania popular. E o que é soberano é para ser respeitado”, justificou.
Para ele, quando se faz uma aliança firmada em bases financeiras de repasses entre os partidos, este perfil ideológico saído da urna, é arbitrariamente alterado pelos que fazem este tipo de acordo político. “Compra-se a consciência do parlamentar propinado, subornado, corrompido. Parlamentar que, nesta medida, trai o povo inteiro, porque trai o mandado popular. O ministro Celso de Mello tem toda razão quando fala em profanação do ideal republicano”, continuou.
Teoria do domínio do fato
Britto destacou que a denúncia se fundamenta na prática de núcleos imbricados: o político (intelectual), e dois operacionais a serviço do primeiro, o financeiro e o publicitário. “Em cada núcleo, há uma hierarquia de comando, o que justifica a adoção da polêmica teoria do domínio do fato como fundamento jurídico”, justificou.
No núcleo publicitário, destacou o papel de Marcos Valério que, para ele, possuía o dom da “ubiquidade”, “estava em todo lugar”. “Ele tinha um instinto apuradíssimo de prospecção de dinheiro. Onde houvesse a possibilidade de se reunir recursos financeiros, ali estava Marcos Valério. Por isso, que não há nenhum réu que não se relacionasse com Marcos Valério”. E continuou: “era praticamente impossível não saber que lidar com ele, Marcos Valério, seria participar de um sofisticado esquema de corrupção e de lavagem de capitais para dizer o mínimo”.
O presidente, entretanto, ressaltou que o objetivo, primeiro, dos demais réus não era praticar o crime de corrupção. “Claro que o objetivo não era corromper, mas acumular recursos. “Me parece que os autos dão conta, que sob a velha, matreira e renitente inspiração patrimonialista, um projeto de poder foi arquitetado. Não de governo, porque projeto de governo é lícito, é quadrienal. Mas um projeto de poder que vai muito mais de um quadriênio quadruplicado. Um projeto de poder que, muito mais do que continuidade administrativa, é seca e razamente continuísmo governamental. Golpe, portanto, neste conteúdo mais eminente da democracia, que é a república”, criticou.
Discurso defensivo
O presidente da corte retomou o discurso defensivo do decano Celso de Mello, ao garantir que a lisura do julgamento. “Tudo aqui foi feito atomizadamente, individualmente, passo a passo, reconstituindo a materialidade de cada fato e fazendo a composição de um panorama, o conjunto da obra. Isso se fez com pleno respeito às garantias constitucionais desse processo. Nenhum ministro se usou do raciocínio dedutivo, mas sim do indutivo, do particular para o geral. Mas inferências lógicas são aceitas. O réu não pode ser julgado pela sua história, ele é julgado pelo que fez concretamente no processo”.
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