Acorda, Policial e Bombeiro Militar!


O verdadeiro desafio não é inserir uma idéia nova na mente militar, mas sim expelir a idéia antiga" (Lidell Hart)
Um verdadeiro amigo desabafa-se livremente, aconselha com justiça, ajuda prontamente, aventura-se com ousadia, aceita tudo com paciência, defende com coragem e continua amigo para sempre. William Penn.

terça-feira, 15 de abril de 2014

Tortura e direitos humanos


Nos anos de 2011 a 2013 as denúncias de tortura em todo país cresceram 129% (de 816 casos se chegou a 1.162, por meio do Disque 100). Números nitidamente subnotificados.

LUIZ FLÁVIO GOMES, jurista e diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Estou noprofessorLFG.com.br
Nos anos de 2011 a 2013 as denúncias de tortura em todo país cresceram 129% (de 816 casos se chegou a 1.162, por meio do Disque 100). Números nitidamente subnotificados. Difusamente praticada na ditadura militar de 1964-1985 (que formalizou os instrumentos da coação), a tortura é prática comum no Brasil (aliás, desde seu o descobrimento ele é palco de muita tortura). Hoje, em plena democracia (ditatorial), é usada largamente contra a população mais vulnerável (no regime militar, isso ocorria por razões políticas). A tortura está impregnada no nosso DNA, na nossa alma (como dizia Darcy Ribeiro). Os particulares também torturam, mas é a polícia (civil ou militar) um dos mais ativos agentes dela (por não se identificar com a população). As polícias estão sob a subordinação dos governadores que, por razões culturais, transformaram a tortura em política de Estado. A maior prova disso reside nos presídios (que se converteram em campos de concentração e de extermínio).
A tortura epidêmica faz parte do nosso processo de “brasilianização” (integra o tipo de sociedade que construímos) e também é praticada nas democracias (como nos EUA, a partir de 11 de setembro de 2001) (“tortura não é coisa exclusiva de sistemas autoritários, acontece também nos sistemas formalmente democráticos”, diz a socióloga norte-americana Huggins – Estadão 8/4/14, p. A10).
Por que tantas violações aos direitos humanos em praticamente o mundo todo (mais de 150 países, sendo que em 70 deles a tortura é amplamente difundida, segundo os relatórios da Anistia Internacional)? Observando que é notável a diferença para menos em alguns países de capitalismo evoluído, distributivo e tendencialmente civilizado, são incontáveis os motivos e circunstâncias da tortura no mundo todo (consoante Huggins-Haritos-Fatouros-Zimbardo: 2006, p. 476 e ss.):
(a) os governos continuam fechando os olhos para os abusos dos seus agentes de segurança; (b) é baixa a pressão política contra as torturas e outras violações de direitos humanos; (c) em muitos lugares a indiferença pública impede que as violações se transformem em escândalo e ação; (d) os grupos ideológicos torturadores declaram “guerra” no respectivo país para poder perseguir os “inimigos”; (e) os abusos persistem quando existem condições de facilitações (sentimento de emergência, a desumanização dos inimigos, a culpabilização das vítimas, as operações secretas sem supervisão ou vigilância externa, o anonimato do perpetrador e o descomprometimento moral generalizado); (f) o incremento das ditaduras (que não têm ou não permitem oposição); (g) a transformação das democracias em ditaduras populares veladas; (h) a quantidade diminuta de punições nessa área (impunidade generalizada); (i) a dificuldade de produção de provas contra agentes públicos; (j) a participação silenciosa da sociedade (que apoia a tortura e o extermínio dos inimigos); (k) as justificativas e racionalidades articuladas pelos torturadores; (l) os torturadores, normalmente, não são monstros desde o nascimento (mas nas suas instituições e subsistemas acabam “banalizando o mal”); (m) o fracasso da participação da sociedade nas denúncias é clamoroso (a não-intervenção contra o mal incrementa-o); (n) a inação dos que podiam agir, sua indiferença, agrava o problema; (o) o silêncio das instituições de controle facilitam o triunfo do mal e da crueldade; (p) qualquer pessoa pode se tornar um torturador sob um conjunto de condições bem conhecidas (o que não significa que deva ficar impune); (q) não atacamos as bases do problema que exigem desmascarar as condições sociopolíticas e econômicas que favorecem a violação massiva dos direitos humanos; (r) esse grave problema não é tratado como problema de saúde pública ou como doença social e política; (s) normalmente esse problema se torna epidêmico quando há condições favoráveis; (t) não há uma vacinação pública contra o problema; (u) a mídia tem que ser mais vigilante; (v) a sociedade também (para não se tornar conivente); (x) a tortura estatal só ocorre e se reproduz com a ajuda de quem a facilite, desde dirigentes que a estimulem e permitem até assistentes de médio e baixo escalão, como médicos, policiais e carcereiros, sem participação direta na violência; (z) esquecemos que “a fronteira entre o bem o mal encontra-se no centro de todo coração humano” (Alexander Solzhenitsyn).
Outras razões para o incremento da epidemia da tortura (O Globo 1/4/14, p. 3): (a) a impunidade é generalizada (mais de 70%); (b) na prática, quase toda tortura vira lesão corporal ou abuso de autoridade; (c) a palavra da vítima é sempre colocada sob suspeição e tem pouca credibilidade; (d) sobre os ombros da vítima é que recai o ônus da prova; (e) a classificação do fato dá margem para desvios e favorecimentos; (f) as ouvidorias não contam com poderes de investigação; (g) os canais internos (as corregedorias) funcionam muito mal; (h) a população relativa a tortura e grande parte dela a aceita para se obter confissões (52,5% em 2010, contra 71,2% em 1999, conforme pesquisa do NEV-USP); (i) 1/3 dos entrevistados concordam que a polícia utilize meios ilegais (ameaças, lesões, choques, queimaduras etc.) para a obtenção de provas; (j) quanto mais jovem o entrevistado, mais apoio à tortura (e isso é assustador).

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