Acorda, Policial e Bombeiro Militar!


O verdadeiro desafio não é inserir uma idéia nova na mente militar, mas sim expelir a idéia antiga" (Lidell Hart)
Um verdadeiro amigo desabafa-se livremente, aconselha com justiça, ajuda prontamente, aventura-se com ousadia, aceita tudo com paciência, defende com coragem e continua amigo para sempre. William Penn.

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Violências


"Nessa aura de insensatez, o juízo do cliente é desdenhado, a cortesia é ultrajada pela jactância reinante. A moda aniquila o senso de proporção: sapato grotesco, salto desmesurado, bolsa gigantesca esmagam a graciosa minissaia, arriscam a saúde e a marca da humanidade, o aprumo", escreve Maria Sylvia Carvalho Franco, professora titular aposentada de filosofia da USP e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em artigo publicado pelo jornal Folha de S. Paulo, 14-04-2014.
Eis o artigo.
Perder as guerras do petróleo não é só perder fontes de energia; mais, é perder seus onipresentes resíduos, que se tornaram alvos de produção
Violências proliferam: nos poderes de Estado e na política, na polícia, no trânsito, no assalto a pessoas e propriedades, nos conflitos rurais; nas milícias fascistas, nas torcidas de futebol, nas sevícias domésticas, nos assassinatos intrafamiliares, nos nascituros postos no lixo, nos jovens delinquentes criminalizados por quem deveria educá-los.
Esses episódios saltam à vista, mas são fragmentos de um sistema hegemônico, onde outras práticas e áreas sociais nutrem barbárie menos visível, mas não menor.
Tais feitos abalam a crença no "homem cordial", celebrizado por Buarque de Holanda em "Raízes do Brasil", mito cujo exame excede estas notas. Basta notar que, a contrário, evocou-se a violência transferida por grupos rurais para a metrópole. Contudo, uma ética só vigora em solo fértil à sua reiteração.
Nos grupos por mim estudados ("Homens Livres na Ordem Escravocrata"), a conduta violenta emana dos nexos entrecapitalismo e escravidão, que talharam a população marginalizada, o caipira solitário, andarilho, bravio.
Hoje, as formas sociais mudaram, alterando-se a gênese e os modos da violência, mas preservando-se o seu núcleo: uma cultura autoritária e o princípio do lucro.
Desse foco irradiam tiranias. As corporações financeiras seduzem, endividam, julgam e aniquilam países, submetidos a dívidas e à gangorra acionária. Indústrias açambarcam os mercados, entre as quais avultam as petroquímicas: alimentos, bebidas, higiene, mobiliários, artefatos, vestuários, cosméticos, lentes e telas, medicamentos, embalagens, tudo é dominado pelos derivados de petróleo, componentes tóxicos que, ignorados pelos usuários, os prejudicam de imediato e atingem, como uma maldição, as gerações futuras. Hoje, perder asguerras do petróleo não é só perder fontes de energia; mais, é perder seus onipresentes resíduos, que já deixaram de ser resquícios para tornarem-se alvos de produção. Belicismo, fraudes, alianças vis, tudo vale para assegurar poder na trágica "civilização do petróleo".
Despóticos, os monopólios de transporte coletivo em simbiose com instâncias governamentais lesam o direito de ir e vir. Prepotentes, certas lojas agridem os sentidos com perfumes invasivos e músicas tonitruantes. O lobbygastronômico mundial impõe a autocracia do chefe e a tagarelice do pseudoenólogo, fixando preços fantásticos a simulacros de alimento.
Nessa aura de insensatez, o juízo do cliente é desdenhado, a cortesia é ultrajada pela jactância reinante. A moda aniquila o senso de proporção: sapato grotesco, salto desmesurado, bolsa gigantesca esmagam a graciosa minissaia, arriscam a saúde e a marca da humanidade, o aprumo. Lamentáveis, tais usos invadem as ruas. Nada é refletido, tudo é mimetizado com automatismo.
São abalados os direitos civis e o exercício da consciência: sensibilidade, inteligência, vontade são anuladas por autocracias insidiosas, cujo aliado é a sofística publicitária, chave na uniformização de ideários conservadores. O sofisma acentua a ditadura embutida nos comportamentos, obliterando a mente, invertendo valores. Nessa perda de si, as relações de trabalho são cruciais: nelas, o equívoco chega à renúncia do espaço e do tempo, subtraídos à vida privada e entregues às corporações como se fosse um ato espontâneo, benéfico para quem o faz. Debalde aservidão voluntária foi denunciada pelos séculos afora, desde os pensadores da Grécia antiga até os atuais críticos da repressão entranhada na cultura.
Apreendendo a violência ínsita na vida moderna --no fulcro do sistema, nas práticas, no ideário--, atinamos com a gênese das atuais formas de agressão, desde as tópicas --como a dos policiais que arrastaram a mulher presa até matá-la, igualando-se a ladrões que assim também levaram um menino à morte"" até as institucionais, como as prisões desumanas. Junto à força bruta, prospera a incivilidade geral.
Em aparência, os exemplos acima são de somenos importância face aos assassinatosprisõestorturas. Contudo, essa ferocidade visível nasce de um caldo de cultura subjacente, pervasivo, que gesta, nutre e naturaliza um cotidiano perverso --gera uma ética--, matriz violenta que legitima movimentos fascistas (como as marchas da família),histerias anticomunistas, projetos, alianças e financiamentos dos golpes de Estado.

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