INTERVENÇÃO INJUSTIFICADA
Quem ficará preso?
A pergunta é sugestiva, porque vivemos um momento em que a manutenção de alguém no cárcere é uma das questões mais complicadas para os operadores do Direito.
Esta situação começou a acontecer com a elaboração da Lei 12.403, de 4 de maio de 2011, que inverte o paradigma daqueles presos em flagrante pelas autoridades policiais: a partir da entrada em vigor de referida lei, a prisão passa a ser a exceção e somente será mantida por uma decisão motivada do juiz justificando a necessidade de sua manutenção ou, caso contrário, a colocação em liberdade com a imposição de medidas cautelares diversas da prisão, previstas pelo artigo 319 do CPP.
A intenção ao se implementar tal medida era retirar, ou ao menos postergar, a responsabilidade do Poder Executivo na construção de estabelecimentos prisionais, vez que se menos pessoas ficam presas em decorrência de flagrante delito, a tendência seria a diminuição da superlotação dos estabelecimentos prisionais. Contudo, o que se viu na prática foi o aumento da criminalidade, em face da crescente sensação de impunidade gerada pela, quase, imediata soltura após a prisão em flagrante.
E a situação tende a piorar, caso o anteprojeto de reforma da Lei de Execução Penal seja levado a votação nos moldes em que está redigido.
Isto porque o item 58 da Exposição de Motivos, fundamento para o artigo 66, inciso V do texto final, indica que serão realizados mutirões carcerários sempre que os estabelecimentos penais estiverem com a capacidade superior à lotação. Ora, hoje em dia são poucos os estabelecimentos com capacidade inferior a lotação, e, na maior parte das vezes, não por falta de atuação dos Juízes da Execução Penal, mas sim pela absoluta e completa inexistência de vagas, e pelo aumento da criminalidade. Não digo que inexistam casos de pessoas presas indevidamente e com benefícios vencidos (progressão, comutação, indulto). Há sim, mas não a ponto de se justificar tamanha intervenção e mobilização, com a falsa justificativa da superlotação.
Além desse ponto, há outro, ainda mais grave, e previsto no artigo 41, inciso XXII do texto final a ser encaminhado para votação, e que está assim redigido: “Constituem direitos do preso: ...XXII: obter progressão antecipada de regime quando estiver em presídio superlotado”.
Como dito acima, raros os estabelecimentos penais que não possuem lotação superior à capacidade. Assim, até que se alcance a capacidade do estabelecimento penal, todos aqueles sentenciados com pena a cumprir, e que ainda deveriam ficar mais algum tempo preso, deverão começar a ser colocados em liberdade.
Entretanto, em momento algum há preocupação, por parte de quem determinou a elaboração deste Anteprojeto, da construção de mais estabelecimentos penais, de fomento a boas práticas já adotadas em Minas Gerais, como as APAC´s, as tornozeleiras eletrônicas, a parceria público-privada para construção de estabelecimentos penais, dentre outras. O que existe é um desejo, quase incontrolável e inconsequente, de esvaziamento dos estabelecimentos penais, às custas da insegurança da população.
E aí, quem ficará preso? Se aprovado como está o projeto, quase ninguém.
Lourenço Migliorini Fonseca Ribeiro é juiz de Direito da Vara de Execuções Criminais de Uberlândia, integrante de grupo de magistrados que, sob coordenação da AMAGIS, promove estudos acerca do Anteprojeto de Lei de Execução Penal em trâmite no Senado.
Revista Consultor Jurídico
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